A partir da cobertura dos 40 anos dos protestos ocorridos em vários pontos do mundo em maio de 1968, o Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (27/5) pela TV Brasil e TV Cultura discutiu jornalismo e história. A notícia publicada nas páginas dos jornais, retrato fiel de um fato, pode ser usada como material para análise de um momento do passado.
Mas aquele ano emblemático não se restringe ao mês de maio. No Brasil, os acontecimentos mais marcantes do ano foram a Passeata dos Cem Mil, realizada no centro do Rio de Janeiro, em junho de 1968, e a promulgação do Ato Institucional número 5, em dezembro do mesmo ano.
Participaram do debate ao vivo no estúdio do Rio de Janeiro o fotojornalista Evandro Teixeira e a jornalista Regina Zappa. Em Brasília, participou o jornalista Sidnei Basile, vice-presidente de relações institucionais da Editora Abril, e em São Paulo Audálio Dantas, vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
Regina Zappa
é jornalista, escritora, roteirista, documentarista e professora universitária. Trabalhou mais de 20 anos no Jornal do Brasil, onde foi editora de Cultura. Lançou recentemente 1968, eles só queriam mudar o mundo, emco-autoria com Ernesto Soto.Sidnei Basile é jornalista, advogado e sociólogo. É vice-presidente de relações institucionais da Editora Abril. Trabalhou nos jornais Folha de S.Paulo e Gazeta Mercantil. Em 2002, publicou Elementos do jornalismo econômico.
Audálio Dantas, jornalista, é vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa. Foi presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo e o primeiro presidente eleito da Fenaj. Teve atuação destacada no sindicalismo e na política durante o regime militar.
Evandro Teixeira, fotojornalista há 45 anos, registrou os principais momentos da história recente do Brasil e da América Latina e grandes acontecimentos no mundo. É autor de 1968, destinos 2008 – Passeata dos Cem Mil.
Alberto Dines abriu o programa analisando os fatos de destaque dos últimos dias. O jornalista criticou a falta de exatidão da imprensa sobre o número de participantes da Parada Gay realizada domingo (25/05), em São Paulo. Em seguida, comentou a apatia da mídia em relação à premiação da atriz brasileira Sandra Corvelone no Festival de Cannes. Por último, analisou o enfoque dado por parte da mídia à escolha de Carlos Minc para o ministério do Meio Ambiente. Para o jornalista, a mídia optou por badalar a preferência do ministro pelos coletes coloridos em lugar aprofundar-se nas mudanças que a escolha de Minc poderia acarretar para a política ambiental [ver abaixo a íntegra de ‘A mídia na semana’].
Antes e depois de 1968
No editorial sobre o tema principal do dia, Dines questionou o que atualmente significa o mês de maio de 1968. ‘As efemérides em geral giram em torno de fatos concretos: uma batalha, uma mudança no mapa, uma descoberta, uma lei nova. Porém, maio de 68 é uma efeméride múltipla, flexível, geograficamente diversificada e encaixada em processos políticos completamente diferentes e até opostos. 1968 começa antes e vai além de maio. É um processo e não um momento’, observou.
Para Dines, quatro décadas depois, os jovens não entendem o que aconteceu e não conseguem avaliar as conseqüências do período. ‘É possível que o vulcão já esteja novamente em erupção e ainda não percebemos, é possível também que as conquistas de 1968 tornaram nosso sistema ainda mais rígido e inflexível’ [ver abaixo a íntegra do editorial].
No debate ao vivo, Regina Zappa concordou que os protestos fizeram parte de um processo anterior que culminou em 1968. Para ela, a data é um símbolo, mas não significa que tudo tenha ocorrido exatamente neste mês. A jornalista comentou que muitas pessoas questionam de que forma ocorreram diferentes protestos – com os mesmos anseios – em diversos locais do mundo antes de fenômenos como a globalização e a internet.
Para ela, a chave para entender o fato é pensar que havia um protesto geral contra o autoritarismo, os dogmas e a falta de liberdade. A jornalista explicou que a época pode parecer contraditória porque ao mesmo tempo em que se admitia o ‘coletivo’, buscava-se a ‘individualidade’ – diferente do individualismo de hoje. ‘Eram tempos libertários’, disse.
A foto que entrou para a história
O fotojornalista Evandro Teixeira é autor da imagem mais conhecida da Passeata dos Cem Mil. Evandro cobriu o movimento para o Jornal do Brasil, onde trabalhava à época. Mas a foto escolhida para estampar a edição do dia seguinte ao protesto não foi a imagem histórica onde aparece uma multidão e uma faixa onde está escrito ‘Abaixo a ditadura’. Vinte anos depois, o fotógrafo escolheu esta imagem para buscar 68 personagens que estavam presentes fotografia e contar as trajetórias destas pessoas.
Alberto Dines perguntou a Evandro Teixeira como ele transitou entre as condições de ‘fotógrafo do flagrante’ e a de historiador. Evandro recordou que imprensa vivia sob pressão das autoridades militares em 1968. Havia censores dentro das redações e estes manipulavam toda a cobertura. Nesse contexto, a imagem exercia um papel importante, na opinião do repórter fotográfico. Evandro preparava o contato das fotografias de forma que os censores não conseguissem enxergar a imagem com precisão. Assim, liberavam a edição do jornal para a impressão sem saber exatamente como eram as imagens.
A missão do fotógrafo naquele dia era acompanhar o então líder estudantil Wladmir Palmeira durante todo o protesto. O fotógrafo destacou o talento de Palmeira como orador e relembrou todo o trajeto da passeata, da Cinelândia até o Palácio Tirandentes, passando pela porta do Jornal do Brasil. Para ele, o protesto foi pacífico, mas a partir deste momento ‘tudo mudou’. A repressão recrudesceu e culminou no AI-5. Evandro relembrou outras fotografias emblemáticas deste ano, como as dos estudantes mortos durante confrontos com a polícia.
Maio de 1968 em São Paulo
Outras manifestações de setores da sociedade em 1968 foram lembradas no programa. Audálio Dantas comentou os protestos ocorridos em São Paulo. Um exemplo foi a ‘batalha’ ocorrida na Rua Maria Antônia entre os estudantes de Direito da Faculdade Mackenzie, aliados às idéias do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), e os da faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), identificados com os ideais de esquerda. O vice-presidente da ABI disse que estudantes também foram mortos em São Paulo, mas a repercussão foi menor do que as mortes ocorridas no Rio de Janeiro.
Audálio acredita que a sincronia dos movimentos em todo o mundo não foi produto de um ‘passe de mágica’, mas sim resultado da busca da juventude por outros caminhos. Jovens estudantes, intelectuais e jornalistas estavam mais ‘inquietos’ com a repressão da ditadura militar, mas na visão de Audálio o povo também observava atentamente a situação. O jornalista acredita que 1968 foi a última ‘grande arma da ditadura para liquidar com as liberdades democráticas’.
Para Sidnei Basile, 1968 foi um ‘tempo de extravasamento’. O jornalista recordou que neste período era estudante da faculdade de Direito do Largo de São Francisco e aspirante a tenente do Exército, onde ajudava a ‘a arrumar aquela confusão’. Após uma breve experiência em escritório de advocacia, percebeu que precisava das ‘liberdades que o tempo exalava’.
Basile contou que cerca de um ano e meio antes da eclosão dos fatos de 1968, as autoridades levaram pela primeira vez um dissidente político para a cadeia do batalhão ao qual pertencia. Revoltado, o preso não se conformava por estar encarcerado em dependências militares. O oficial do dia ordenou que fosse lançada uma bomba de gás lacrimogêneo na cela. Nesse dia, Basile percebeu que havia uma rebelião prestes a eclodir.
Mesmo fora do jornalismo factual, Audálio Dantas ‘foi para a rua’ em 1968, tento participado de passeatas e movimentos pela liberdade. O jornalista contou que ficou frustrado por não poder escrever sobre os acontecimentos. ‘Jornalista faz história no dia-a-dia’, disse. Sidnei Basile contou que havia um questionamento entre os estudantes da faculdade de Direito sobre como se tornariam advogados sem poder lutar pelos direitos do cidadão.
Depois das conquistas, a repressão
Para Basile, depois de um período de conquistas econômicas, sociais e culturais começou o ‘regime de cala-a-boca’. Entre os ‘pecadilhos e pecadões’ que cometeu ao longo da carreira, Basile inclui o fato de ter ajudado a promover a agitação na faculdade de Direito e, ao mesmo, tempo trabalhar na cobertura jornalística.
Os vários processos semelhantes ocorridos simultaneamente em diferentes lugares do mundo foram analisados por Regina Zappa. A jornalista explicou que na Tchecoslováquia, a juventude se opunha aos dogmas; na França, estudantes protestavam contra a qualidade do ensino universitário, a burocracia e, posteriormente, contra o governo; nos Estados Unidos, o foco eram os direitos civis e, no Brasil, a luta era contra a ditadura militar. Para ela, a ditadura ‘cortou’ o processo de efervescência cultural da década de 1960.
Outro foco do debate foi a cobertura dos meios de comunicação sobre os 40 anos de maio de 1968. Para Sidnei Basile, a mídia ainda precisa se libertar de fantasmas ligados à questão da ‘governança da atividade’, como a Lei de Imprensa de 1967, e a rever a forma como a regulamentação da profissão de jornalista foi elaborada.
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O significado de Maio de 1968
Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV exibido em 27/5/2008
O que significa hoje, Maio de 1968? As efemérides em geral giram em torno de fatos concretos: uma batalha, uma mudança no mapa, uma descoberta, uma lei nova. Porém, Maio de 68 é uma efeméride múltipla, flexível, geograficamente diversificada e encaixada em processos políticos completamente diferentes e até opostos.
1968 começa antes e vai além de maio. É um processo e não um momento. Mesmo na França, os significados de Maio de 68 são variados: havia a revolta dos estudantes contra um sistema acadêmico burocratizado, havia a mágoa das esquerdas contra o presidente Charles de Gaulle pela violenta repressão na Argélia, havia um protesto dos cineastas contra o ministro da Cultura pela demissão de Henri Langlois da Cinemateca.
Nos Estados Unidos, a rebelião foi alavancada pela reação à guerra no Vietnã. Na Europa Oriental, o protesto à derrubada da Cortina de Ferro imposta pelo estalinismo. E no Brasil a rebelião visava a ditadura militar que, em quatro anos, já colocara dois presidentes no poder e ameaçava eternizar-se.
Em cima das rebeliões políticas encadeadas produziam-se contestações sociais, sexuais e culturais. Duas décadas depois do fim da Segunda Guerra Mundial e da falsa paz representada pela Guerra Fria, o mundo ocidental queria mudar.
1968 foi um gigantesco impulso para mudanças setorizadas. Hoje, 40 anos depois, as novas gerações não conseguem entender exatamente o que aconteceu, nem conseguem colocar-se diante das transformações que sobraram. É possível que o vulcão já esteja novamente em erupção e ainda não percebemos, é possível também que as conquistas de 1968 tornaram nosso sistema ainda mais rígido e inflexível.
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A mídia na semana
** A mídia da Paulicéia desvairou: para todos os jornais, radiojornais e telejornais de São Paulo a Parada Gay de domingo (25/5) teve três milhões de participantes. Para a Polícia Militar, naquele espaço da Avenida Paulista só caberiam 987 mil pessoas – uma diferença de cerca de dois milhões a menos da cifra badalada pelos organizadores. Jornalismo exige exatidão, mesmo em episódios tão deslumbrantes.
** Uma desconhecida atriz brasileira de teatro que nunca havia feito um filme ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes. Sandra Corvelone, protagonista de Linha de Passe, desbancou as famosíssimas Angelina Jolie e Catherine Deneuve. Nossa mídia não se entusiasmou muito. preferia que a premiada fosse menos discreta e mais vedete.
** A questão ambiental é dramática, inclusive no Brasil. Mas a indicação de Carlos Minc para a pasta do Meio Ambiente entrou no noticiário por causa da sua preferência pelos coletes coloridos. Na segunda-feira (26/5), na sua posse, para agradar os desenvolvimentistas usou gravata. Mas não desapontou os ecochatos e não abriu mão do colete.
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Jornalista