Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O desprezo à burrice

Última semana de março de 1962. Um jovem – cansado de discutir com o pai, que não aceitava ver o filho o dia inteiro lendo romances – decide fazer teste para integrar a Redação do Correio de Minas. Foi aprovado, o garoto de 19 anos era oficialmente repórter do diário então recém-lançado em Belo Horizonte. Cinco décadas depois, o rapaz dos anos de 1960 se transformou em jornalista com passagens pelos mais diversos meios e veículos de comunicação. Cargos de copydesk a editor-chefe de programa da Rede Globo fazem parte do currículo deste profissional.

Jornalista que soma funções e passagens por mais de 20 veículos de comunicação – trabalhando em jornais, revistas, emissoras de TV e rádio e escrevendo para sites. Editor-chefe do Fantástico (Globo), repórter especial de política do Jornal da Tarde, apresentador da Record e âncora da CBN exemplificam seu desempenho multimídia. Atuação que vai além das notícias do dia a dia. Apaixonado pela literatura, também se dedica a escrever livros, apesar de considerar que o escritor não tem a devida atenção e respeito no Brasil. Ainda mais com três mandatos consecutivos do PT na presidência da República. “Até sentem orgulho do analfabetismo”, afirma.

Assim é o paraibano Moacir Japiassu, de João Pessoa, o Japi, 69 anos de idade com 50 dedicados à comunicação. A comemoração de cinco décadas atuando no jornalismo foi realizada na semana passada – sim, esse é o jovem que na década de 1960 entrou na Redação para ter chance de continuar próximo dos livros sem ter que discutir com o pai. Um dos resultados dessa escolha: vencer o Prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa de 1999, devido ao trabalho à frente da revista Jornal dos Jornais.

Para repercutir sua carreira cinquentenária, o colunista do Comunique-se, no qual assina o “Jornal da ImprenÇa”, publicado às sextas-feiras, o escritor foi entrevistado pelo Comunique-se. O tempo de foca, o trabalho durante a ditadura militar, o próximo livro que está produzindo e críticas à atual geração de jornalistas foram temas da conversa, que está dividida em cinco partes: “Foca”, “Jornalismo X ditadura militar”, “Profissional de diversas mídias e funções”, “Literatura” e “Presente e futuro” são os temas que podem ser vistos a partir da próxima página.

Foca

Como o então jovem Moacir Japiassu acabou entrando para o jornalismo?

Moacir Japiassu– Posso dizer, sem cometer nenhuma injustiça, que devo tudo ao meu pai, funcionário do DNOCS, um sertanejo nordestino, homem muito simples. Para ele, se alguém lia os livros da escola, tudo bem; mas se ficasse o dia inteiro a “perder tempo” com romances e livros de poesia, como fazia o filho… O velho implicava comigo, que, aos 19 anos, estudava muito, mas também passava as tardes na varanda de casa, em Belo Horizonte, a ler os bons autores. Muitos destes me eram apresentados por meu irmão, o jornalista e poeta Celso Japiassu, três anos mais velho do que eu. Num final de tarde em dezembro de 1961, o velho chegou aborrecido, me viu agarrado com um livro e deu aquela bronca. Eu era um malandro, deveria procurar emprego, e isso aos gritos! Celso era jornalista, chefe de reportagem da edição mineira da Última Hora, estava em casa naquele instante e escutou a discussão porque não fiquei calado e respondi indignado àquela injustiça paterna.

Daí surgiu a primeira função ocupada no mundo da comunicação?

M.J.– Mais tarde, meu irmão me aconselhou: “Por que você, que gosta de ler e escrever, não tenta trabalhar em jornal? Uns amigos meus, Guy de Almeida e Dídimo Paiva, à frente, estão a formar uma equipe, vão lançar um jornal.” O Correio de Minas deveria estar nas bancas em março do ano seguinte. Guy e Dídimo eram dois dos maiores jornalistas de Minas e do Brasil. Fui até a sede do jornal, ainda em construção, fiz um teste para repórter e me aprovaram. Começou o treinamento e, no final de março de 1962, o Correio de Minas chegava às bancas. Eu lá estava, com matéria assinada, para orgulho da família. Meu pai achou o máximo…

Você já declarou que sua verdadeira paixão é a literatura. E ela, a literatura, foi o grande fator que o fez entrar para o jornalismo? A Redação o ajudou a ficar perto dos livros?

M.J.– Como revelei acima, a entrada no jornalismo foi por causa da briga familiar; todavia, a literatura me facilitou tudo porque eu era garoto, mais ou menos “instruído”, e escrevia razoavelmente. Minha “turma” belo-horizontina era formada por jovens intelectuais, vivíamos a discutir (nos bares, é claro) literatura e cinema. Eu era membro do Centro de Estudos Cinematográficos (CEC), a nouvelle vague estava na moda, assunto não faltava.

Qual a história mais engraçada durante os primeiros passos na profissão?

M.J.– O grande sufoco ocorreu quando fui entrevistar o professor Celso Kelly num hotel em Belo Horizonte. Ele era jornalista (foi presidente da ABI), conhecia os “companheiros” e, por precaução, ficou a ditar a entrevista. De vez em quando perguntava: “Tomou nota?” Eu respondia que sim, mas não tomava o “ditado” do professor; apenas anotava os dados. Quando terminamos, ele pediu: “Agora, leia para eu ver se está tudo certo…” Gelei na hora, fiquei mais branco do que sou, depois meio esverdeado, e gaguejei: “O senhor… tá… desconfiando de mim?” Ele, sorridente: “Não, quero apenas saber se você fez tudo direitinho; afinal, é muito jovem…” Eu fazia cara de indignado enquanto o fotógrafo, que ignorava a situação, insistia: “Vai, Japi, lê a entrevista pro homem! Não custa nada, pô!…” Então, eu me levantei e encenei a primeira grande bravata da vida: “O que o senhor está pedindo é um absurdo, não posso aceitar uma coisa dessas! Além do mais, preciso ir correndo para o jornal, para redigir a entrevista que fecha daqui a pouco! Se sair alguma coisa errada, o senhor reclame depois com Guy de Almeida, o diretor da Redação.” E fui saindo às pressas, com o fotógrafo atrás: “Japi, essa entrevista é para a edição de domingo; lê o texto pro professor…” A correr escada abaixo porque o mestre poderia me pegar na porta do elevador, gritei para aquela inocência: “Cala a boca, Zé Pinto! Eu não anotei porra nenhuma!” A matéria saiu no domingo e o professor Celso Kelly não reclamou de nada.

Jornalismo x ditadura militar

Durante boa fase da carreira, você teve que conviver com a ditadura militar. Naqueles 21 anos, quais foram os problemas enfrentados por você? Chegou a receber ameaças, teve texto impedido de ser publicado?

M.J.– Eu poderia ter sofrido muito com a ditadura, mas isso não aconteceu. Digo que poderia ter sofrido porque fui aluno do CPOR de Belo Horizonte e detestava aquilo, aquele ambiente de arbitrariedades. Ora, se respondi aos gritos do meu pai, por que não iria enfrentar um capitão do Exército? Eu era aprendiz de comunista, frequentava a sede do jornal Novos Rumos, onde brilhava o talento de Ivan Otero Ribeiro, filho de um revolucionário histórico. No CPOR, aquele antro de direitistas, botei as manguinhas de fora e não me dei muito bem… Fui eleito orador do Grêmio Sampaio, com um discurso radical e inflamado, e os oficiais ficaram de olho em mim. Eu era muito popular, precisava ser devidamente “exemplado”. Reprovaram-me ao final do primeiro ano; fui obrigado a fazer uma “prova de comando”, tirei de letra, mas fui novamente reprovado e condenado a repetir o ano. Achei aquilo um absurdo e literalmente me demiti; pedi as contas.

Mas você chegou temer a tortura…

M.J.– Nos primeiros dias de abril de 1964 eu estava no Rio de Janeiro. Meu irmão foi intimado a comparecer à Comissão Geral de Investigação (CGI), onde o inesquecível capitão Antonio Carlos Thompson Thomé, do CPOR, que me detestava, lhe perguntou, logo de saída: “Onde está seu irmão?” Celso respondeu que não tinha a menor ideia; Thomé vociferou alguma coisa e ficou nisso. Quando, por telefone, Celso me deu a notícia, fiquei preocupadíssimo, e, tomado de exagero juvenil, já me considerei preso, torturado e… fuzilado! Mas não aconteceu nada disso. Anos mais tarde, deparei com Thomé no elevador de um edifício em Ipanema. Ele tirou os olhos do jornal, me olhou e, aparentemente, não reconheceu o desafeto de cabelos vermelhos. O Brasil era um país de ruivos, como se sabe.

Dizem que os censores eram, tecnicamente, pessoas de baixo nível intelectual. Com isso, os jornalistas que enfrentavam a fase ditatorial abusavam da criatividade para burlar a censura. Qual o fato mais marcante disso?

M.J.– A partir de 1968, com o AI-5, a censura tomou conta das redações e a mais, digamos, criativa resistência ocorreu em São Paulo; o Jornal da Tarde ocupava as páginas censuradas com receitas culinárias e o Estadão preferiu reproduzir versos de Os Lusíadas. A impertinência fez grande sucesso. E é sempre bom recordar que Carlos Castello Branco, colunista político do Jornal do Brasil, continuou a escrever diariamente sobre sua especialidade e não foi incomodado por censores. Castellinho sabia como “tourear” uma inteligência curta…

Para fugir à sanha dos militares você pensou em se exilar? Ou sempre quis, com seus textos, enfrentar a ditadura até o último momento?

M.J.– Não precisei “enfrentar a ditadura”; nos primeiros quinze anos daquela estupidez, trabalhei principalmente nas editorias de esporte, variedades e cultura. Somente entre 1977 e 1979 é que, como repórter de IstoÉ, me dediquei mais à política. Todavia, os tempos já estavam bem mais amenos, a ditadura enfraquecida não incomodava tanto.

Como jornalista, você esperava que a ditadura brasileira durasse mais de duas décadas? E, em sua opinião, os jornalistas e veículos de comunicação tiveram grande participação na derrocada do regime?

M.J.– Imaginei que aquilo durasse pouco tempo. Tudo no Brasil é passageiro, menos o cobrador e o motorneiro, como se dizia antigamente. Os militares queriam dar o golpe desde 1945, com a deposição de Getúlio Vargas; não foi possível, então prepararam outra ação quando Getúlio se matou; também não deu. Houve tentativas outras, como o episódio de novembro de 1955, quando o general Lott garantiu a posse de Juscelino, mas somente em 1964 é que conseguiram, finalmente, tomar o poder.

Como você avalia a relação da mídia com os ditadores?

M.J.– Apareceram os “líderes civis” daquela cretinice, como Magalhães Pinto, governador de Minas, e Carlos Lacerda, governador do Rio, mais um eito de generais, os “líderes militares”. Achei que era muita gente a mandar, a “revolução” não iria muito longe. Do ponto de vista histórico, não foi muito longe mesmo; porém, viver aquela desgraça por 21 anos foi uma das maiores perdas de tempo já verificadas neste país. Convém não esquecer que a chamada grande imprensa apoiou o golpe de 1964; depois, com seus interesses contrariados, começou a fazer oposição. O próprio Correio da Manhã, que havia publicado dois terríveis editoriais contra João Goulart, intitulados “Basta!” e “Fora!”, logo se arrependeu e partiu para o ataque aos militares, com seu cronista Carlos Heitor Cony na linha de frente.

Profissional de diversas mídias e funções

Seu início de carreira foi no jornal impresso, mas você soma passagens em TV, rádio, revistas e internet; atualmente é colunista do Comunique-se. Quais os pontos positivos e negativos de cada meio de comunicação?

M.J.– São linguagens muito diferentes, cada uma tem virtudes e defeitos. Parece-me, contudo, que a internet vai dominar a paisagem, pois reúne os atributos das demais. Será aperfeiçoada com o passar dos anos e aí teremos a chave que abrirá todas as portas.

Além de redator, repórter e apresentador, você acumulou experiência como chefe de atrações e de veículos de comunicação. Foi também diretor de Redação da revista FootBalle editor-chefe do Fantástico, da Rede Globo. Entre todos, qual foi o cargo que mais alegrias lhe trouxe?

M.J.– O melhor período de minha vida profissional se passou entre 1964 e 1967, no Jornal do Brasil, cuja Redação era comandada por Alberto Dines. Eu trabalhava na sucursal do Diário de S. Paulo e fui convidado por Murilo Felisberto para ser redator do recém-criado Departamento de Pesquisa. Este não era, como se pode imaginar, um simples arquivo do jornal; tratava-se de uma super-secretaria responsável por textos que davam “molho” às matérias do dia-a-dia e ainda criava e editava suas próprias matérias e cadernos especiais. No meu caso, o prazer aumentava porque o Jornal do Brasil dos anos 1960 era a paixão de todos nós, jovens jornalistas; trabalhar ali era como ganhar um troféu.

No jornalismo, assim como em quaisquer profissões, o chefe tem que tomar decisões que nem sempre agradam à equipe, casos de mudança na linha editorial e até demissões. Como é lidar com essa pressão profissional?

M.J.– Nunca gostei de chefiar coisa alguma; sempre dei um jeito de não aceitar os convites que recebi no início da profissão. No Departamento de Pesquisa, por exemplo, quando Murilo Felisberto voltou para São Paulo, queria que eu ficasse no lugar dele. Respondi que não era a pessoa indicada, sugeri o nome de um colega do Correio de Minas, Samuel Dirceu, e eu mesmo viajei a Belo Horizonte para lhe fazer o convite em nome do Murilo. Samuel aceitou e, com ele, tivemos um ótimo período na Pesquisa.

Porém, chegou o momento que o convite para chefiar uma Redação não foi recusado…

M.J.– Em 1967, José Itamar de Freitas me convidou para ser o chefe de Redação de uma revista que era ainda um projeto, a Enciclopédia Bloch; eu novamente tentei tirar o corpo fora, mas ele me disse algo que mudou minha vida daí em diante: “Se você, um jornalista competente e honesto, diz não a um convite para ser chefe, pode acreditar que um filho da puta vai ocupar o cargo.” A vida me provou a verdade de tal assertiva…

Qual o principal atributo para comandar uma equipe de jornalistas?

M.J.– Chefiei algumas vezes, mais para evitar aquele filho da puta citado pelo Itamar, porém nunca gostei. Comandar jornalistas exige uma paciência que não tenho, infelizmente. Gosto de passar experiência, de ensinar o que aprendi, sempre me dei bem com os focas; mas a verdade é que quase ninguém aceita críticas. Por mais jovem que seja, o elemento se considera um gênio e isso transforma o relacionamento num inferno.

Sobre essa questão de jornalistas não aceitarem críticas, inclusive os focas, tem um caso no JTque exemplifica muito bem essa sua afirmação. Com texto ruim e arrogância, o cidadão deixou o jornalismo de lado?

M.J.– Certa vez, no Jornal da Tarde, o editor de esportes, Kléber de Almeida, me passou um texto tenebroso; não foi possível aproveitar uma vírgula daquele atentado ao jornalismo e à língua portuguesa. Reescrevi tudo e o Kléber entregou o resultado ao candidato a foca. O sujeito leu, chegou-se ao editor e, cheio de arrogância, perguntou quem tinha mexido “no texto dele”. Kléber me apontou com os olhos e o elemento, mais arrogante ainda, aproximou-se de mim: “Foi você quem mexeu no meu texto?”, inquiriu. Levantei os olhos e perguntei, no mesmo tom: “E quem lhe disse que você tem texto?” Ele desistiu do pesadelo de ser um astro da reportagem.

Com a criação da revista Jornal dos Jornaise da já citada FootBall, quais as principais tarefas a desempenhar para conseguir manter um veículo de comunicação no mercado? E por qual razão as duas publicações foram extintas?

M.J.– A falta de recursos foi o principal problema nosso, embora a FootBall não deva ser considerada “extinta”; ocorreu uma “parada técnica”. Como não é publicação vendida em bancas e não está presa a nenhuma periodicidade, pode parar e voltar de repente, como um drible de Pelé. É bem possível que esteja de volta proximamente. Estamos a trabalhar com este objetivo. Jornal dos Jornais é que se acabou mesmo porque tínhamos apenas dois patrocinadores e a verba estava longe de nos permitir vida longa. E é preciso dizer que se não fosse o empenho pessoal do Miguel Jorge, na época diretor da Volkswagen, a revista nem teria nascido; ele conseguiu liberar uma verba, por meio da Lei Rouanet, e pediu a outro jornalista de respeito na praça, Tom Camargo, diretor do HSBC, que também nos ajudasse. Acontece que precisávamos de mais duas cotas e estas não foram conquistadas e tivemos que fechar a revista. Esclareço que pagamos todas as dívidas, inclusive com o sacrifício de uma modesta poupança doméstica. De todo modo, em sua curta vida Jornal dos Jornais nos deu muitas alegrias, entre as quais o Prêmio Esso de Contribuição à Imprensa de 1999.

Literatura

O que leva um jornalista a se tornar romancista?

M.J.– Não sei. Creio que não se deve generalizar, embora os jornalistas tenham, quase todos, certeza de que vão escrever um livro algum dia. Na maioria das vezes é apenas um longínquo projeto, um sonho que jamais se realizará.

Falta incentivo e reconhecimento aos escritores brasileiros?

M.J.– Falta, sim. Você precisa de uma grande editora, capaz de investir na publicidade do livro. Paulo Coelho, esse fenômeno editorial, disse certa vez que seus leitores só aparecem nas livrarias para comprar os livros dele e deve ser verdade, pois o brasileiro nunca foi chegado em leitura e muito menos em literatura; falta-lhe um mínimo de cultura e também não existe o hábito de se folhear um livro. Agora, com a eleição de Lula e Dilma, até sentem orgulho do analfabetismo.

Você está preparando mais algum livro?

M.J.– Um escritor está sempre “escrevendo” um livro; se não no computador, pelo menos na cabeça eivada de “grandes projetos”. Como meus livros não vendem, falta-me um mínimo de incentivo para criar, mas assim mesmo insisto, porque não sou vendedor de livros, sou escritor. E não sou um mau escritor, modéstia à parte. Em meio a outras obras menos desgastantes, escrevi três romances que foram bem recebidos pela crítica.

Quais as características desse novo projeto?

M.J.– Atualmente, trabalho noutro romance, cujo personagem principal é um velho jornalista carioca que vive na favela em companhia de uma faxineira do hospital Souza Aguiar. Ele está, evidentemente, na miséria, porém surge uma oportunidade de ganhar dinheiro e o personagem sonha com isso. Uma, digamos, curiosidade do romance é que todos os personagens são criaturas sem caráter algum. Afinal, comecei a escrever na época do mensalão. Trabalho devagar, por causa dos outros afazeres, e sofro obrigatória influência do dia-a-dia. No Brasil, a realidade é tão impressionantemente sórdida, tão canalha, que já pode ser considerada ficção.

O que te irrita em relação à literatura?

M.J.– Para mim, é inconcebível a “literatura pela literatura”, essa vertente do chamado vanguardismo. Estou convencido de que o leitor gosta de uma história bem contada, bem tramada. Esse negócio de tentar imitar James Joyce não me atrai. Se você tem um “enredo” interessante e capacidade para desenvolvê-lo numa boa linguagem, você estará a fazer literatura e isso me basta.

Presente e futuro

Que avaliação você faz da qualidade do jornalismo brasileiro, do seu início no Correio de Minasaté o momento atual?

M.J. – Escrevíamos melhor, muito melhor; era bacana dar um furo, porém os colegas respeitavam mesmo aqueles que escreviam bem. E não havia muitas escolas de Jornalismo, a meninada aprendia com os veteranos das Redações. Hoje, se tudo fica mais fácil com a internet, o talento continua a fazer a diferença. “Nada substitui o talento”, diz aquele anúncio.

Como você espera ver o jornalismo daqui a dez anos? Domínio da internet, fim do impresso?

M.J. – Não tenho a pretensão de “ver” o jornalismo daqui a dez anos. Posso apenas imaginar que teremos o domínio da internet, sim. Não creio que o jornalismo impresso aguente a concorrência, principalmente com a proliferação desses aparelhinhos que se leva no bolso e são conectados aos satélites, esteja o usuário onde estiver.

Recentemente, houve críticas ao fato de você ter se referido a um lutador de boxe como “gorilão”. Faltou, na sua visão, conhecimento dos críticos que não acompanham a sua coluna para ver que você já se referiu a si próprio como “macacão”?

M.J. – Também já escrevi que o maior problema da humanidade não é nenhuma doença transmissível; é a burrice. Os “politicamente corretos” são, em princípio, seres desprezíveis e de uma burrice sideral, pois ignoram o bom senso. No caso do gorilão, protestaram porque o elemento era um negão africano. Hoje em dia você não pode falar nada de alguém que seja negro. Tudo é racismo. Ora, o sujeito foi apresentado como lutador de boxe mas era simplesmente um canalha, um sujeito nojento que agrediu o adversário com tapas e cusparadas. Ficar calado diante de uma coisa assim é covardia, é coisa de gente sem caráter, um “pomba d'água”, como dizemos no sertão nordestino.

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[Anderson Scardoelli, do Comunique-se]