Foi com surpresa – mais que surpresa, com estupefação – que vi a capa da revista Veja desta semana (edição nº 2266, de 25/4/2012) e li a manchete “Do alto, tudo é melhor”. Ainda na capa, a chamada da matéria afirma: “A ‘evolução tecnofísica’ explica por que as pessoas mais altas são mais saudáveis e tendem a ser mais bem-sucedidas”. E a imagem estampada diz tudo. Um sujeito alto, muito bem composto, bem vestido, ao lado de um baixinho ridicularizado, com a camisa meio para fora, numa evidente cena de depreciação, de deboche mesmo.
“Quanto maior a altura de um homem, mais feliz ele é.” Ou seja, a revista decretou que as pessoas abaixo de certa altura devem se considerar feias, infelizes e fracassadas. Pelo menos foi isso que meu cérebro deduziu. Mais: decretou o fracasso de grande parte da população brasileira. Não tem como não seguir essa dedução.
A revista, no limiar do século 21, nos devolve a um determinismo genético de arrepiar, todos que temos tristes lembranças de determinismos genéticos em passado recente. Fiquei temeroso de que numa edição próxima a revista possa dizer que os morenos são menos competentes do que os loiros. Ou que os pardos têm menores chances de ser felizes. Para ser correto, vou mencionar que no miolo da matéria o semanário diz que a população brasileira aumentou 7 centímetros em sua altura nas últimas décadas. Até aí tudo bem. Mas daí a inferir que os altos estão com o sucesso e a felicidade garantidos, faz uma enorme diferença. Ou, por dedução, que os abaixo de 1,70 m devem ficar em casa chorando seu azar genético.
Perde a imprensa e perde o leitor
O texto causa ainda maior perplexidade, uma vez que a revista da Editora Abril ainda é o carro-chefe da empresa. Ao fazer declaração tão categórica, deve estar machucando moralmente milhares de assinantes seus, uma vez que é difícil crer que todo seu público leitor já tenha atingido a maioridade de estatura capaz de assegurar um ticket para o paraíso. Tanto se fala em bullying nos dias atuais e, no meu entendimento, essa matéria “especial” pode se encaixar numa tentativa de bullying coletivo. Também não consegui achar na “reportagem” um embasamento científico realmente convincente que nos possa fazer concordar com uma assertiva tão questionável do ponto de vista de pesquisas idôneas.
Com isso, perde a imprensa brasileira por ver uma publicação de respeitabilidade no passado incorrer num deslize desse e perde o leitor, encharcado por um determinismo biológico mais próximo do fim do século 19. E entristece aqueles que, por boa-fé ou ingenuidade, possam ficar se lamentando por não terem se submetido a um eficaz tratamento para crescer durante a adolescência.
***
[Luiz Veludo Amando de Barros é jornalista, São Paulo, SP]