Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Centímetros de bom senso em quilos de conjecturas

A edição nº 2266 (de 25/4/2012) da revista Veja mal chegou às bancas e já virou polêmica. Mas, a despeito do repertório de sempre, não traz nenhuma especulação bombástica sobre os bastidores da política brasileira. Nem por isso, entretanto, abriu mão do tom especulador, descontextualizado e sensacionalista, acrescentando a esses ingredientes um olhar generalista e estereotipado apoiado em uma teoria nada consensual.

Opondo um elegante e feliz homem alto a outro baixinho com expressão rabugenta, a revista estampa a manchete “Do alto tudo é melhor”, que detalha dizendo que “a ‘evolução tecnofísica’ explica por que as pessoas mais altas são mais saudáveis e tendem a ser mais bem-sucedidas”. A capa deixou muita gente estarrecida e, tão logo caiu nas redes sociais e blogs, gerou, obviamente, inúmeras críticas e intensos debates que ainda devem se prolongar por alguns dias.

A capa é, de fato, um grande equívoco. A foto associada à manchete reflete e reforça um olhar preconceituoso, que vai na contramão de todas as tentativas de quebrar velhas visões e banir absurdos que ainda vemos cotidianamente, como – para ficarmos com um exemplo que está muito em voga atualmente – o bullying praticado contra quem não atende aos padrões estéticos da sociedade contemporânea (como o baixinho gordinho da foto). Antes de vender exemplares e ganhar mídia espontânea com a polêmica, uma publicação do porte da Veja – a maior do Brasil – precisa saber que deveria ter a responsabilidade de não fomentar coisas desse tipo. Jornalismo irresponsável faz mal e transforma mentiras, estereótipos e preconceitos em verdades absolutas. E os exemplos que temos disso no passado não são nada bons.

Assunto não justifica o destaque

Mas isso não é tudo. Além de deixar sua imensa contribuição negativa aos esforços por uma sociedade sem preconceitos (e quando digo imensa não é exagero, já que a revista é a mais lida do Brasil e forma opinião de muita gente), pregando uma visão, no mínimo, questionável, a Veja se apoia em uma interpretação rasa e incompleta de uma teoria que, além de não ser consensual, não é o que a manchete tenta fazer com que seja. E isso fica claro na própria matéria, que não fornece nenhuma referência para a ideia de que os mais altos tendem a ser mais bem-sucedidos, reforçando a impressão de que a afirmativa é apenas conjectura da própria revista.

Quando a matéria diz que as pessoas altas “tendem a ser mais bem-sucedidas”, nenhuma fala do economista citado como principal fonte e criador da tal “evolução tecnofísica” (apresentada como “nova teoria”, mas que já nem é tão nova assim) – o Nobel de Economia Robert W. Fogel– é transcrita na reportagem ratificando-a, bem como não se consegue encontrar menção a essa visão em artigos do pesquisador sobre o assunto, inclusive neste aqui, do qual há grandes chances de que tenham sido retiradas algumas de sua falas citadas na reportagem (trechos idênticos constam nos dois textos), embora ele seja apresentado como “entrevistado”.

A revista, inclusive, não se estende muito no assunto polêmico, que de tão enxuto no texto não justifica o destaque na capa. Nas 15 páginas do especial, a reportagem apresenta informações até interessantes, como os perigos da obesidade para a saúde e a importância da boa nutrição para as crianças em seus primeiros anos de vida (embora não apresente nenhuma novidade). E em poucas frases, bem depois da metade da reportagem, resume tudo que anuncia na manchete (até lá, o leitor se pergunta o que a matéria tem a ver com a barulhenta chamada na capa).

Enfim, a explicação

Tão rasa quanto a concepção de que os mais altos se saem melhor que os baixinhos, é a explicação dada sobre tal tese, tirada sabe-se lá de onde. Sem fontes claras – fossem elas estudiosos ou mesmo uma pesquisa quantitativa das que renderam a Fogel boa parte da relevância que tem hoje – a revista limita-se a exibir um quadro intitulado “Por que alguns centímetros a mais fazem diferença”, citando relações mirabolantes entre altura e sucesso, e ao seguinte parágrafo, de autoria da própria redação da revista:

“A altura está associada também à produtividade, ao poder e ao sucesso. Pessoas mais altas são consideradas mais inteligentes e conseguem aumento de salário com maior facilidade do que as mais baixas. Medir 5 centímetros a mais do que os colegas de trabalho garante um salário 1,5% maior, ou 950 dólares suplementares no fim do ano. A altura é um quesito crucial até para a liderança. Entre 1789 e 2008, 58% dos candidatos mais altos à Presidência dos Estados Unidos ganharam as eleições. Barack Obama tem 1,85m. O republicano Mitt Romney, 1,88 metro.”

É necessário dizer mais alguma coisa?

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[Simão Mairins é jornalista formado pela Universidade Federal da Paraíba, é pós-graduando em Gestão Estratégica da Comunicação Digital e integra o Observatório da Mídia Paraibana]