Deu no “Painel”, da Folha de S. Paulo, de quarta-feira (9/5):
QG A reunião em que petistas e aliados decidiram concentrar o foco na imprensa foi feita na liderança do PT no Senado. Um senador petista saiu externando o espírito reinante: “Se a mídia quer guerra, vai ter guerra”.
Soldados A tropa de choque anti-imprensa na sessão secreta de ontem foi composta pelos senadores Fernando Collor (PTB-AL) e Humberto Costa (PT-PE) e pelos deputados Luiz Sérgio (PT-RJ), Doutor Rosinha (PT-PR) e Protógenes Queiroz (PC do B-SP).
O deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR), um dos “soldados” citados, estranhou a nota.
“Eu não sei de nenhuma reunião secreta na liderança do PT do Senado. E se houve, não participei”, diz. “E não tendo participado, fui escalado, segundo a Folha. Só que até agora eu não fui avisado, a não ser pelo Painel.”
“O foco da CPI não será a mídia. O PT tem defendido que o foco seja a organização criminosa comandada pelo Carlos Cachoeira”, afirma. “E se a investigação revelar que essa organização tem tentáculos, braços, nós vamos investigá-los. Portanto, se tiver algum órgão de imprensa envolvido, esse tentáculo também será investigado.”
“Se alguém disse a frase ‘se a mídia quer guerra, ela vai ter guerra’, não saiu de ninguém do PT de reunião em que eu tenha participado. Até porque o nosso objetivo não é a imprensa, mas a organização criminosa do Cachoeira”, reitera. “Agora, se algum jornalista ou empresa de comunicação tiver algum problema identificado, será investigado como qualquer suspeito de crime.”
Nós entrevistamos o Dr. Rosinha no final da noite de quarta-feira (9). Ele é suplente da CPI do Cachoeira. O suplente, ao contrário dos muitos imaginam, pode fazer tudo – ter acesso aos documentos sigilosos, questionar os depoentes, se manifestar –, exceto votar, se o titular estiver presente. E quando o titular se ausenta, o suplente vota também.
Na terça-feira (8), o Dr. Rosinha participou da sessão secreta da CPI que ouviu o depoimento do delegado da Polícia Federal (PF) Raul Alexandre Marques Souza, que comandou a Operação Vegas.
Os documentos já vazados da Operação Monte Carlo indicam que o esquema do bicheiro Carlinhos Cachoeira teria um braço na mídia. O que achou das revelações nesse setor até agora?
Dr. Rosinha– Oficialmente, dentro da CPI, ainda há muito pouca coisa nessa área . Nós tivemos o primeiro depoimento – o do delegado da Vegas – na terça-feira. E os documentos que chegaram à Câmara, ainda não deu tempo para analisarmos.
De modo que tudo o que saiu sobre a imprensa e a organização criminosa do Cachoeira foi publicado por outros veículos da imprensa. Mas o pouco que ouvi na terça-feira do delegado da Polícia Federal, alguns segmentos da imprensa terão de ser investigados, sim
O que o senhor ouviu?
Dr. R. – Eu não posso revelar, porque a reunião foi secreta. Mas o delegado disse que há mais de um jornalista citado nas escutas telefônicas do Cachoeira. Lembre-se de que ele falou apenas sobre a Operação Vegas.
É só a Vejaou há mais veículos citados nos grampos da Operação Vegas?
Dr. R. – Tem mais veículos envolvidos.
Quer dizer que o delegado abordou, mesmo, a participação da mídia no esquema do Cachoeira?
Dr. R. – A sessão de terça foi sobre a investigação e as escutas telefônicas da Operação Vegas. Nas gravações com o Cachoeira, segundo o delegado, foram feitas referências a três jornalistas de veículos diferentes.
Dr. R. – Quantos veículos?
Dr. R. – Foram citados três jornalistas de três veículos diferentes. Nós, agora, vamos continuar a apuração. Se forem mantidas as informações que ouvimos, cabe investigação.
Tanto o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, quanto a mídia estão batendo na mesma tecla: a convocação dele para depor na CPI seria uma manobra para desviar a atenção do chamado mensalão. O que acha dessa teoria?
Dr. R. – O chamado mensalão está no STF e não mais na Procuradoria Geral da República. O STF vai fazer o julgamento no momento em que julgar que está tudo preparado para fazê-lo.
Eu não entrei nessa CPI para vingar absolutamente nada. Nem ninguém. Eu assim como todos os demais petistas integrantes da CPI – e nós conversamos sobre isso – entramos nela, porque existe uma organização criminosa que tem de ser investigada.
Se o procurador for convocado, não tem nada a ver com o chamado mensalão. Tem a ver com o fato de ele ter ficado mais de dois anos sem dar encaminhamento ao relatório da Operação Vegas, da Polícia Federal. Ele não mandou arquivar nem tocou adiante. Por que ele fez isso? Essa explicação ele deve não para a CPI, ele deve para toda a sociedade. Afinal, enquanto ele ficou sem dar continuidade ao relatório da Vegas, o crime organizado foi mantido. Na verdade, essa atitude dele contribuiu para que demorasse ainda mais a investigação.
Caso a CPI do Cachoeira convoque algum jornalista para depor, a mídia dirá que é um atentado à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão. O que acha disso?
Dr. R. – Quer dizer que jornalista não pode ser investigado? Cada vez que um jornalista é investigado é censura, é atentado à liberdade de imprensa? Aí, eu estaria dizendo que jornalistas, de uma maneira geral, poderiam cometer crimes. Isso é um desvio de atenção. É querer se resguardar de qualquer tipo de investigação.
O Murdoch que o diga na Inglaterra. É algo muito semelhante. A empresa do Murdoch grampeou telefones. O que se tem até agora é que o jornalista da Veja, o Policarpo Jr., usou material de telefones grampeados ilegalmente, como fez o pessoal do Murdoch, na Inglaterra.
O jornalista da Veja sabia ou não que o material era proveniente de grampo ilegal? Bem, a suspeita de que ele sabia é muito forte. Isso tem que ser investigado, porque se confirmada essa prática, ficará caracterizado crime muito semelhante ao que tinha na Inglaterra.
Agora isso não é censura. Vão dizer que na Inglaterra estava tendo censura? Não estava, estava tendo investigação. Então, no Brasil, eu acho que a CPI tem de ter a liberdade de investigar todos os cidadãos e cidadãs sobre os quais forem levantadas suspeitas.
Então todo suspeito será investigado?
Dr. R. – Todas as conversas que estamos tendo são no sentido de focar no crime organizado. Toda vez que houve CPI, dois ou três deputados eram a festa da mídia. E o corruptor, você se lembra de quantos foram punidos? Nenhum!
Agora, há um corruptor, que é do crime organizado, com empresas legais. Afinal, ele tem de lavar o dinheiro. Acho que é um grande momento na República para se investigar tudo isso.
Não se trata de tirar o foco de políticos. Mas ver que tem um segmento importante que manda no Estado brasileiro. Ele tem poder no Parlamento – já está aí o caso do senador. Tem poder na polícia – já tem o policial federal preso. Tem poder no Executivo. E tem poder na mídia. É como a máfia italiana que está em tudo.
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[Conceição Lemes é jornalista]