Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Os vínculos com o governo de David Cameron

A Comissão Leveson, que investiga a relação entre os meios de comunicação e o mundo político britânico, desnudou nesta quinta-feira (10/5) os vínculos entre o grupo multimidiático Murdoch e o primeiro-ministro David Cameron. O ex-chefe de imprensa de Cameron e o ex-editor da extinta publicação dominical sensacionalista News of the World, Andy Coulson, reconheceu ante a Comissão que tinha cerca de 70 mil dólares em ações na companhia dos Murdoch, News International, e que assistiu a reuniões dos organismos máximos de segurança do governo sem se submeter à checagem de segurança estabelecida para os funcionários de alto nível. “Nunca me perguntaram se eu tinha ações e como eu sabia que não estava envolvido em nenhuma atividade comercial, nem na oferta pela BSkyB, nunca me ocorreu que poderia haver aí um conflito de interesses”, justificou-se Coulson.

O conflito de interesses era óbvio. Em junho de 2010, um mês depois de formada a coalizão conservadora-liberal democrata, o grupo Murdoch, que controlava 39,1% das ações da BSkiB, realizou uma oferta pelo resto do pacote acionário da cadeia televisiva. A oferta gerou uma intensa polêmica pelo impacto que podia trazer sobre a liberdade de imprensa e obrigou o governo a pedir a intervenção da agência reguladora dos meios de comunicação, Ofcom. Naquele momento, Coulson era responsável pela elaboração da agenda midiática governamental. Segundo as regras ministeriais, Coulson deveria ter informado ao secretário de gabinete Gus O’Donnel sobre seu vínculo com a News Corp, mas o fato de não fazê-lo não é um mero problema individual. O governo, que tem uma série de códigos e mecanismos para intervir nestes temas, aparece, no mínimo, como negligente.

Uma peça essencial

A Comissão Leveson encontrou uma segunda instância em que não se aplicou a Coulson o rigoroso sistema de verificação pessoal e financeira ao qual são submetidos todos os funcionários de alto nível governamental antes que assumam seus postos. Coulson reconheceu ante a Comissão que teve acesso a segredos de Estado durante o período em que trabalhou como chefe de imprensa de Cameron. Os ministros e funcionários com acesso a este tipo de informação têm que ser autorizados por um sistema interno de checagem que procura esclarecer se tem algum “esqueleto no armário”, seja em nível ideológico, de conexões suspeitas ou que os torne passíveis de extorsão. Até o momento, Downing Street (residência oficial do governo) insistia que Coulson tinha recebido o nível apropriado de autorização para seu cargo.

Segundo o próprio Coulson admitiu à Comissão nesta quinta, ele tinha, na verdade, um nível muito mais baixo e genérico que o requerido para ter acesso a operações antiterroristas ou a segredos militares sobre o Afeganistão. Esse relaxamento é mais surpreendente se se leva em conta sua história prévia. O hoje ex-chefe de imprensa de Cameron renunciou como editor do News of the World em 2007, logo depois de a justiça ter condenado um jornalista e um detetive privado que trabalhavam para a publicação dominical por sua participação no escândalo das escutas telefônicas. Como editor de um jornal que se caracterizou durante anos por expor a roupa suja ou trivialidades da monarquia, dos políticos, artistas e celebridades, Coulson tinha potencialmente vários “esqueletos no armário”. Apesar disso, foi nomeado por Cameron, logo depois de sua renúncia, chefe de imprensa do Partido Conservador.

Em seu testemunho ante a Comissão, Coulson negou que isso tenha tido algum vínculo com a política da News Corp., que até então apoiava o Novo Trabalhismo, mas dois anos depois de sua nomeação declarou seu apoio a Cameron. É difícil determinar se, neste momento, Coulson era representante de Murdoch ante Cameron ou de Cameron ante Murdcoh, mas suspeita-se que, por seus contatos com a New Corp., era, no mínimo, uma peça essencial para azeitar os vasos comunicantes entre ambos. Suas declarações abrem cada vez mais interrogações sobre o primeiro-ministro que, nesta sexta-feira (11/5), ficaria exposto outra vez quando Rebekah Brooks, ex-executiva da News International, o braço britânico da News Corp., comparecesse ante a Comissão.

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[Marcelo Justo, da agência Carta Maior em Londres]