Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Fogo amigo: grana, fama e você

Só pode ter sido uma piada a Newsweek designar na capa Obama com um halo sobre a cabeça da cor do arco-íris como “O Primeiro Presidente Gay”, na semana em que o mesmo defendeu a união entre pessoas do mesmo sexo – em plena acirrada e nada definida campanha eleitoral.

Meses antes, insinuaram no Washington Post que Richard Nixon tinha um relacionamento de natureza homossexual com seu melhor amigo, Charles “Bebe” Rebozo.

Prova? Don Fulsom, repórter de rádio que cobriu a Casa Branca de Lyndon Johnson a Bill Clinton, lançou suspeitas depois de ver fotos dos dois “guys” de mãos dadas.

O site do History Chanel postou texto do sociólogo Jim Loewen que afirma que James Buchanan, o 15º presidente (1857-1861), foi o primeiro e viveu muitos anos em Washington com o senador do Alabama, William Rufus King. Eram tão grudados que os chamavam de irmãos siameses.

Prova? Uma carta que Buchanan escreveu para a senhora Theodore Roosevelt, descoberta pelo historiador John Howard (de Men Like That) reclamando que sua vida social se deteriorou depois que King mudou para a França.

“Eu estou agora sozinho e solitário, sem nenhuma companhia nesta casa comigo. Tenho ido cortejar vários cavaleiros, mas não sou bem-sucedido com nenhum deles. Acho que não é bom para um homem ficar sozinho; e não ficarei surpreso comigo mesmo se me encontrar casado com uma velha empregada que pode cuidar de mim quando eu ficar doente, fazer bons jantares e não esperar nenhuma afeição romântica ou muito ardente.”

Gay? E daí? Parte da sociedade americana relevava e chamava seu parceiro de “Cara-Metade” e “Tia Chique”.

Protesto juvenil

O que levou a Newsweek, publicação nem muito à direita, a, como diria o personagem Carlos Massaranduba (Casseta & Planeta), duvidar da masculinidade do senhor Michelle Obama? Vender revistas.

O educado gesto editorial de indicar as fontes e apurar a notícia com o maior número de provas desceu os degraus do inferno. O que vale é a informação chegar primeiro aos olhos e ouvidos do maior número possível de pessoas, falsa ou verdadeira, e causar um bas-fond. Com técnicas de espionagem até.

Isenção? Qualquer manual de teoria da comunicação e semiologia prova que é impossível isenção quando existe emissor na mensagem.

Durante muito tempo eu preferi preencher “jornalista” como profissão em formulários ou fichas de hotéis. Não só porque “escritor” não tem pinta de profissão, mas de estado de pobreza, como achava digno me apresentar como colega daqueles caras que derrubaram Nixon, Collor, cobriram guerras, foram censurados e perseguidos por ditadores facínoras.

Hoje, nos tumultuados almoços da família, passo mais tempo dando explicações do que saboreando as novas receitas. Graças às redes sociais, até as tias descobriram a relação faustiana secular entre jornalistas & poder e se indigna. Me acusam agora de trabalhar há mais de 30 anos para uma facção golpista.

A imprensa está em pé de guerra. Bandeiras já foram proibidas. Logo, logo, a bebida alcoólica também será, em encontros da classe. Como nos estádios. Aliás, também tenho que defender colegas acusados pelos meus primos de serem simpáticos a este ou aquele time de futebol.

No Brasil, há suspeitas de que bicheiros, banqueiros e empreiteiros pautem jornalistas, indiquem em qual página ou coluna deve ir uma nota. No Twitter, uma militância animada costuma enquadrar a revista semanal 1 no trending topics, lista de assuntos mais debatidos, e defender a coragem da revista 2, que denunciou a primeira.

Revistas se acusam de manipulação e associação com o crime organizado. Jornalistas são acusados de espionarem para a CIA, KGB, MI6, Mossad, Abin, para a oposição, empreiteiras, telefônicas e o diabo.

Até um grupo de esquerda, a União da Juventude Socialista, fez manifestação em frente da sede da editora da revista 1 na semana passada, pedindo que a mesma fosse ouvida na CPI instalada recentemente.

E publicou no seu site: “Crime é fazer grampos e gravações ilegais, armar licitações públicas, plantar falsas denúncias em meios de comunicação de massa. Isso tudo apenas para garantir os interesses de bicheiros, donos da mídia e empreiteiros.”

“De grátis”

A independência que a rede possibilita (e possibilita a rede) leva um número grande de jornalistas a relatar os desvios das redações, acusar ex-patrões, a falta de democratização do meio e provar, mais do que tudo, que a classe nunca esteve tão desunida.

Nem Clark Kent, que hoje deve trabalhar num site de celebridades, conseguiria argumentos que defendessem desvios dos colegas. E voltei a ser “escritor” em formulários e fichas de hotéis. Mais simples assim.

Enquanto o mercado se pega antes do páreo, tem cavalo que já largou e corre sossegado. O site Huffingtonpost descobriu como poucos a usar a chamada hiperconectividade.

O portal de notícias fundado por Arianna Huffington agrega blogueiros independentes de todos os credos. Na coluna da esquerda da capa, há links para mais de 40 blogs. Obama, Hillary Clinton, Norman Mailer, Saskia Sassen, John Cusack e Bill Mahern são alguns dos “colunistas”.

Já tem mais acesso do que o “sólido” New York Times. Foi vendido em 2011 para o AOL por R$ 630 milhões. O mais incrível? O site não pagar um mísero centavo aos colaboradores, enquanto Arianna ganha R$ 8 milhões por ano. Isso, sim, é um negócio da China. Ou a malandragem da rede.

“Talento à venda”

Não existe romantismo no jornalismo. Com a transformação do formado do que conhecíamos como imprensa, o atual bate-boca lembra o empurra-empurra para os poucos botes do Titanic. Se está ruim, neguinho sentirá saudades dos tempos em que, por incrível que pareça, havia uma relativa ética.

Muita gente se surpreendeu esta semana com a foto grotesca de um garoto de 10 anos de Uganda, que sofre de elefantíase, cujas pernas cresceram mais do que o esperado, na capa do Mail Online, site do tradicional e caretão jornal inglês Daily Mail.

Meu colega de USP e editor do Fantástico, Álvaro Pereira Júnior, escreveu na Ilustrada sobre a fórmula do sucesso do site, que também derrubou a audiência do New York Times:

“1) Mandou para o quinto dos infernos regras básicas de diagramação e edição. A home page é uma zona, cheia de títulos compridos, quase sempre em azul, e praticamente sem hierarquia de assuntos. 2) O Mail Online, da internet, não tem quase nada a ver com o Daily Mail impresso. É feito por outra equipe, com outro editor-chefe e outra pegada.”

Álvaro compara a cria ao criador. Enquanto a versão das bancas fala de política e cobre celebridades com certa discrição, a online se lixa para política e prioriza as fofocas numa longa coluna fixa à direita. “É divertido, leve. Seus textos, tantos deles irresistíveis, são reproduzidos no mundo inteiro, nem sempre com o devido crédito”, comenta.

A que preço? Como cantava Plebe Rude, banda de Brasília: “Você me comprou, pôs meu talento à venda. Você me ensinou que o importante é a renda. Contrato milionário, grana, fama e mulheres. A música não importa, o importante é a renda! Ambição: grana, fama e você.”

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[Marcelo Rubens Paiva é colunista do Estado de S.Paulo]