Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Interação bem-vinda, mas sem intimidades

Os trabalhos da Comissão Leveson sobre ética da imprensa em curso no Reino Unido – como decorrência da revelação de que repórteres e editores do jornal News of the World e outros veículos praticavam diversas ações ilegais em sua busca de informações – têm enorme importância para os rumos futuros da atividade em todo o mundo e devem ser acompanhados com toda atenção também aqui no Brasil.

Na semana passada, o foco da comissão se concentrou em aspecto até agora negligenciado por analistas que antes repercutiram com entusiasmo as acusações (muitas delas aparentemente comprovadas) contra jornalistas. O ponto que a Comissão Leveson aborda agora é o das relações entre políticos no poder e os meios de comunicação jornalísticos.

Ocupantes de cargos de primeiro escalão da administração pública britânica como o ex-premiê Tony Blair e o atual ministro da Cultura, Jeremy Hunt, prestaram depoimento.

Blair disse obviedades, como que “uma interação próxima entre políticos e figuras importantes da mídia é indispensável e continuará sendo” e contou aos integrantes da comissão ter decidido, quando estava no poder, adotar uma posição de “gerenciar” suas relações com os veículos jornalísticos em vez de confrontá-los, mesmo quando eles “paravam de fazer jornalismo” para se tornarem “um instrumento de poder político ou propaganda” [ver, neste Observatório, “Tony Blair fala sobre relação entre políticos e imprensa”].

Suspeitas abundantes

Nos anos 1990, jornais sensacionalistas de Rupert Murdoch, como The Sun, apoiaram ostensivamente Blair e o Partido Trabalhista e vários cientistas políticos acham que eles tiveram influência no resultado das eleições de 1997, que o levaram ao poder.

Um ministro do governo Blair, Peter Mandelson, já havia reconhecido à Comissão Leveson que as relações entre Murdoch e Blair haviam se tornado “mais próximas do que possa ser considerado sábio”. O próprio Blair admitiu que “às vezes” atribuiu aos jornais de Murdoch “mais poder do que de tinham”.

Mas Blair negou que, embora sua proximidade com Murdoch o tenha até feito aceitar ser padrinho de uma de suas filhas, qualquer acordo de negócios com o magnata haja ocorrido enquanto esteve no governo.

Já o atual ministro da Cultura, Jeremy Hunt, disse que teve simpatia pela proposta de Murdoch para obter a licença para operar o mais lucrativo canal de TV paga do Reino Unido, o BSkyB, O processo regulatório de concessão é supervisionado pelo Ministério da Cultura.

Não foram feitas acusações formais, por enquanto, contra nenhum dos principais integrantes dos governos Blair e Cameron, embora as suspeitas de algum tipo de comportamento pouco ético da parte de pelo menos alguns deles sejam abundantes.

O fato é que imprensa e governo, embora devam – é claro – interagir, jamais podem se tornar íntimos, como tem sido comum em diversos países, o Brasil entre eles. Nada está bem em nenhum dos lados quando presidentes e editores, ministros e repórteres, trocam juras de amor públicas ou segredos de alcova, em particular.

 

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[Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista]