Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um dia, tudo ficou diferente

Depois de várias décadas de extraordinária prosperidade, as principais revistas americanas de negócios entraram em decadência. Endividada, BusinessWeek foi vendida na bacia das almas à agência de notícias Bloomberg. Fortune passou de quinzenal a circular a cada três semanas. Forbes foi mais afortunada; anos antes, conseguira atrair um investidor, Elevation Partners, que pagou US$ 250 milhões por 40% da empresa, atraído por um plano de negócios mirabolante, que o tempo provou ser irrealista. A revista investiu num modelo duvidoso de desenvolvimento digital, amargou prejuízos, entrou em default técnico e faz grandes esforços para manter a cabeça fora da água.

Stewart Pinkerton, que trabalhou 24 anos na redação do Wall Street Journal e quase 20 anos na Forbes, conta a saga da família fundadora e alguns episódios da evolução e declínio da revista. Surpreendentemente, porém, para alguém que passou quase toda a vida profissional no jornalismo de negócios, em seu livro ele parece mais preocupado em contar anedotas dos membros da família e retratar figuras da redação – acertando as contas com algumas delas – do que em informar sobre a estrutura e funcionamento da redação, dados de circulação e a situação econômica da Forbes. O livro consegue manter a atenção do leitor, apesar da estrutura confusa.

A curiosa saga do clã começou com Bertie Charles Forbes, nascido nas highlands – terras altas – da Escócia. Sua carreira de jornalista o levou à África do Sul e aos Estados Unidos. Em Nova York, trabalhou no Journal of Commerce e editou as páginas de finanças do New York Journal – American, de William Randolph Hearst, onde publicava reportagens e perfis extremamente laudatórios dos ricos e poderosos, com os quais mantinha estreitos contatos: eram todos sem reproche, dignos de admiração, bem educados, corretos nos negócios e tratavam os empregados com consideração.

Influente e próspera

Essas ligações permitiram a B.C. Forbes, como era conhecido, levantar o dinheiro para lançar, em setembro de 1917, a revista quinzenal que levou seu nome, Forbes. Dava informações sobre empregos, serviços úteis, comentários e dados de bolsa e colocava nas alturas os homens de empresa. Tecia críticas à interferência indevida do governo no mundo dos negócios e no sistema educacional. Quando um professor primário disse que havia alguns países com um governo tão bom quanto o dos Estados Unidos, conseguiu que fosse exonerado por falta de patriotismo. B.C. continuou escrevendo sua coluna, uma das mais lidas, para os jornais da cadeia Hearst.

Forbes antecipou o crash de 1929, mas não previu a depressão dos anos 1930. Nesse período, foram lançadas as duas principais concorrentes, Fortune e Business Week. Foram tempos difíceis, nos quais ele tinha que cobrir os déficits da revista com a receita proporcionada pela coluna. Os magnatas que o ajudaram estavam na cadeia ou escondidos na Grécia, segundo um comentário. O aperto terminou depois da Segunda Guerra Mundial.

Com a morte do pai e do irmão Bruce, Malcolm Stevenson Forbes tornou-se o único dono da revista, que era pouco mais que uma publicação de segunda linha, pobre visualmente, a terceira no mercado. Ele a transformou numa das mais influentes e prósperas publicações dos Estados Unidos. Fundamental para essa mudança foi James Michaels, editor durante várias décadas.

“Com os pobres”

O texto da revista ficou mais enxuto, seco e direto. As reportagens eram mais fundamentadas, apoiadas em pesquisas minuciosas, e mais críticas. Continuou dando especial atenção aos ricos, o que não impediu que Michaels, que gostava de ir contra a corrente, mostrasse que algumas empresas muito admiradas tinham problemas sérios em seus negócios. Pareciam reportagens feitas com lança-chamas. Ele gostava também de surpreender. Optou por uma capa sobre os negócios da música caipira, que ficou famosa, porque ninguém esperava ver isso na Forbes.

A revista comprou, para sua sede, um imponente prédio de sete andares no começo da Quinta Avenida, projetado pelo mesmo arquiteto que desenhou a National Gallery e o Jefferson Memorial, em Washington. Como um anexo da sede, a Forbes tinha uma bela mansão construída em 1847. Fiel ao seu princípio de glorificar os ricos e de elogiar a livre iniciativa, a revista adotou o lema “Capitalist Tool” (ferramenta do capitalismo) e não se cansou de apregoar que os homens de negócios sabiam resolver melhor os problemas da nação e que o governo só atrapalhava.

Malcolm Forbes teve a ideia de fazer uma edição anual, a Forbes 400, com o ranking das 400 pessoas mais ricas. O nome foi inspirado no salão nobre do hotel Waldorf Astoria – onde só cabiam 400 pessoas especialmente convidadas, a elite da elite. Lançada pela primeira vez em setembro de 1982, teve um impacto muito além do esperado. Na Grand Central, a estação ferroviária, a edição se esgotou em quinze minutos. Um repórter de rádio dizia, excitado: “Se você não está na revista Forbes atual, você está por baixo.” Em anos seguintes, a Forbes 400 venderia 100 mil cópias nas bancas, três vezes mais que as edições comuns. Muitas pessoas brigavam para entrar na revista e outras para sair, e não faltaram tentativas de suborno aos pesquisadores. Quando alguém ficava fora da lista, os amigos pensavam que ele não era tão rico assim. Um empresário reclamou que não trabalhara a vida toda para ser colocado “com os pobres”, no fim do ranking. Talvez a inclusão mais chocante no ranking tenha sido a de Fidel Castro, em 2006, a quem era atribuída uma fortuna de US$ 900 milhões; ele disse que, se Bush ou a CIA pudessem encontrar uma conta com um dólar em seu nome, ele se demitiria.

Paixão por motos

Forbes 400, a publicação mais popular da empresa, começou a gerar subprodutos: os esportistas mais ricos, por tipo de esporte, as atores mais ricos, os mais ricos por país etc. O ranking mais esperado mundialmente é The World’s Billionaires, que na internet chegaria a gerar mais de 70 milhões de acessos. Outra iniciativa bem-sucedida foi a criação de edições no exterior. A empresa edita a Forbes Asia e licencia os direitos de publicação em 20 países.

Os enormes lucros da revista permitiram a Malcolm Forbes levar uma vida tão luxuosa como extravagante. Parecia uma criança mimada que via realizadas todas suas fantasias. Trocava de iate como um simples mortal troca de carro. O último deles, o “Highlander V”, de 50 metros, com um helicóptero a bordo, o “Highland Fling”, tinha capacidade para cem passageiros – como Margaret Thatcher, os presidentes Reagan, Bush pai e filho, o rei e a rainha da Romênia, Gianni Agnelli, Henry Kissinger, além de sua íntima amiga Elizabeth Taylor, empresários, anunciantes. “Você sabe por que anuncio na Forbes? Para poder vir em viagens como esta”, disse um deles. A empresa pagava as despesas do iate.

Numa viagem pelo rio Amazonas, levou o rei e a rainha da Bulgária, teve um encontro com o presidente José Sarney e, numa entrevista coletiva à imprensa, Forbes explicou como o Brasil deveria renegociar a dívida. Não faltaram anúncios do governo brasileiro na revista.

Malcolm Forbes viajava em seu próprio avião, um Boeing 727, o Capitalist Tool, adaptado para 24 pessoas, não as 181 de um voo comercial normal. Voava também num dos seus muitos balões a gás, com os quais atravessou os Estados Unidos de costa a costa e sobrevoou a China. Em terra, tinha vários carros de luxo, mas preferia as motocicletas Harley-Davidson, que o levaram de Munique a Helsinque, via Moscou; da França à Noruega; de Bangkok a Brunei; e nas quais rodou pelo Paquistão, Egito, China.

A garrafa de Jefferson

Sua residência habitual era Timberfield, uma propriedade de 18 hectares em Nova Jersey. Mas não lhe faltavam opções. Tinha um castelo na França, o Château Balleroy, na Normandia, do início do século 17. Em Tanger, Marrocos, o Palais Mendoub, de quatro hectares, “digno de um sultão”, segundo Fortune, do qual se divisam Gibraltar e a costa espanhola. Em Londres, comprou a Old Battersea House, do século 17, desenhada por sir Christopher Wren, o arquiteto da catedral de St. Paul. Descansava no seu Rancho Trinchera, de 104 mil hectares, no Colorado, ou na ilha Luacala, com mais de 700 hectares, no arquipélago Fiji, oceano Pacífico, na qual quis ser enterrado.

Foi um grande colecionador. De quase tudo. Era famosa sua coleção de ovos Fabergé, símbolos de luxo, fabricados com pedras e metais preciosos na Rússia antes da Revolução de 1917. Ele se orgulhava de ter onze Fabergé Imperial, os mais raros e caros; “um a mais que o Kremlin”, dizia. Colecionava também documentos autografados. Tinha mais de três mil, entre eles o original do Tratado de Versalhes e o da Proclamação da Emancipação, assinada por Lincoln. Outras fantasias eram a coleção de dez mil soldadinhos de chumbo dos séculos 19 e 20 e 400 barquinhos de metal e madeira – mas não de plástico.

Não faltava excelente adega de vinhos. Quando um filho, Tim, comprou uma garrafa de Château Laffite de 1787, que teria pertencido a Thomas Jefferson, por 106 mil libras (US$ 156 mil dólares), Malcom ficou furioso. Disse que a família Forbes estaria melhor de vida se Jefferson tivesse bebido “essa coisa”. Logo surgiram dúvidas. Não havia registro de que esse vinho tivesse estado algum dia na adega de Jefferson e o vendedor tinha um passado duvidoso. Ninguém bebeu o vinho. A garrafa ficara sob a luz de um forte holofote, cozinhando seu conteúdo. Inútil para o consumo, foi colocada, tarde demais, sob temperatura controlada.

Publicidade desabou

Malcolm Forbes comemorou seus 70 anos com uma festa de US$ 2,5 milhões no Palais Mandoub, no Marrocos. Para levar os 800 convidados, fretou um Concorde e dois Boeings 747, além de usar seu próprio avião. Contratou 600 músicos, dançarinos e gaiteiros. A apoteose foram os 300 berberes a cavalo disparando suas espingardas ao ar. Foi a grand finale de sua vida. Malcolm morreu poucos meses depois, em fevereiro de 1990, em “circunstâncias misteriosas”. Seu filho mais velho, Malcolm Stevenson Forbes, Jr., conhecido como Steve, ficou com o controle da revista. Ele e seus três irmãos herdaram o dinheiro e a ideologia conservadora do pai, mas não sua alegria de viver a vida intensamente e, muito menos, seu talento empresarial.

A Forbes continuou prosperando, embalada na euforia dos anos 1990. Mas, com a saída de James Michaels, o veterano editor, a redação perdeu ousadia. Steve Forbes, por duas vezes, deixou a revista para lançar sua candidatura a presidente da República com uma proposta para redução e simplificação de impostos. Ficou US$ 75 milhões menos rico. Seu irmão Tim assumiu o comando. A Forbes ficou desorientada. A crise econômica abalou suas finanças e os alicerces. A periodicidade foi reduzida de 26 para 22 edições por ano. A circulação se manteve nos 900 mil exemplares, mas cobrando preços extremamente baixos. O número de páginas de publicidade desabou de mais de 6 mil para 1,6 mil por ano, vendidas com enormes descontos. Recorreu à internet. Mas só depois de vencida a indiferença inicial da empresa.

Os dez temas

Quando o editor de tecnologia insistiu com Steve para que a revista tivesse seu próprio sítio, ele não se dignou a responder; o editor registrou o domínio forbes.com por iniciativa própria. Finalmente, depois de muito argumentar, foi aprovado um projeto piloto em 1995. Após a relutância inicial, foram transferidas para a versão digital as qualidades que no tempo de James Michaels fizeram a revista respeitada. Mas esse período durou pouco. Logo predominou a obsessão pela quantidade, pelo volume de tráfego e o número de acessos. O conteúdo mudou. As matérias tinham que atrair usuários, com temas como “não case com mulher que quer fazer carreira” ou “não case com homem preguiçoso”. Finanças e negócios ficaram em segundo plano.

Alguns truques foram desenvolvidos. Se numa matéria comum fosse colocada a palavra “seio”, o número de usuários, dirigidos ao site pelas ferramentas de busca, estourava. Numa notícia, a Microsoft podia ser pouco importante, mas o nome era introduzido para atrair hits. Exibia fotos das modelos da Victoria Secret, pois, segundo Tim Forbes, era desejável e possível publicar conteúdo popular com apelo de massas. Eram comuns temas como “que estrelas estão usando os Lucky Jeans?”, “as dez maiores mancadas da TV”, “os dez snacks mais saudáveis”, “as principais praias topless. A internet, não a revista, se tornara a prioridade.

Foram contratados estagiários sem remuneração para a operação digital, que passou a aceitar centenas de colaboradores, a maioria não pagos, para aumentar o volume do conteúdo. Argumento: “Thomas Jefferson não foi pago para escrever a Declaração da Independência”. A norma era que a audiência é o editor e orienta a reportagem, e que a “precisão” da informação agora se chama “velocidade”. Era necessário ver quais os dez temas mais pesquisados no Google e escrever sobre eles. Quando um colaborador colocou uma informação eivada de erros e foi contestado pelos leitores, recebeu um elogio por aumentar o tráfego. Em 2010, editores foram instruídos a quadruplicar o movimento.

Tempos difíceis

Mais grave foi a decisão de permitir, na revista e no sítio, artigos pagos por anunciantes ao lado do conteúdo dos jornalistas e colaboradores. Ou de beirar a fronteira do sensacionalismo com matéria dizendo que o presidente Obama é influenciado pelo fantasma de seu pai, e com uma fotomontagem de Obama conversando com Lênin.

Em 2006, o fundo Elevation Partners comprou 40% do capital da Forbes por US$ 250 milhões, segundo Stewart Pinkerton (ou 45% por US$ 237,2 milhões, segundo a Fortune); a empresa obteve ainda um crédito rotativo do JP Morgan de US$ 90 milhões. A família embolsou US$ 107,4 milhões.

Pelo plano de negócios, a receita passaria, em números redondos, para US$ 280 milhões em 2009 e US$ 310 milhões no ano seguinte, com um ebitda (margem operacional) de US$ 80 milhões e US$ 90 milhões, respectivamente. Contava, para isso, com o rápido crescimento do forbes.com. Mas em 2009 a receita ficou próxima dos US$ 140 milhões – metade do previsto – e houve um prejuízo operacional de US$ 20 milhões. Parte da diretoria foi trocada. Em 2010, a receita aumentou em US$ 9 milhões e a margem, de US$ 2,7 milhões, voltou a ser positiva. Mas a empresa ficou em default técnico com o JP Morgan e teve que renegociar o crédito rotativo. Steve foi obrigado a deixar a presidência. Antes, fora capa da sua própria revista com o tema “Como o capitalismo pode salvar-nos”. Ele, que não conseguia administrar a própria empresa, dava conselhos sobre as finanças do país.

A família Forbes teve que se desfazer das ostentações de riqueza acumuladas pelo pai. Venderam os ovos Fabergé, a ilha no Pacífico, o palácio no Marrocos, o avião e os helicópteros, obras de arte, os soldadinhos de chumbo, o rancho no Colorado. A sede da revista foi comprada pela Universidade de Nova York e a mansão ao lado da sede está à venda. O iate, sem tripulação, está na Flórida, amarrado ao cais.

Os tempos ficaram realmente difíceis para a família. Um dos irmãos precisou cancelar o aluguel de um apartamento em Londres pelo qual pagava US$ 127,5 mil por ano. Steve, com passagem na classe econômica, teve que pedir a um empregado que negociasse um upgrade.

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[Matías M. Molina é autor do livro Os Melhores Jornais do Mundo, em segunda edição]