O desenvolvimento do projeto que ficou conhecido como Nova AE – a transformação de uma agência de notícias em agência de informação, sob a liderança de Rodrigo Lara de Mesquita, no interior do Grupo Estado – nunca foi analisado com a profundidade que merece, embora tenha muitos subsídios a oferecer às empresas tradicionais de comunicação que tentam subir a escadaria do futuro embaixo da tempestade determinada pelas novas e novíssimas tecnologias digitais. Foi, em primeiro lugar, um projeto inovador a seu tempo e a demonstrar o quanto é difícil o parto da inovação nas empresas tradicionais de mídia.
Quem acompanhou de perto o nascer do projeto da Nova AE (1988) até a sua consolidação (2001) sabe discorrer sobre a gama de desafios que teve de vencer pelo caminho, causados pelo choque natural entre o novo e o antigo, a inovação e a força gravitacional que tenta preservar o status quo. A empresa tradicional era mantida pela publicidade; a nova empresa teria de ser mantida pela venda de informação. Foi espantoso que tivesse dado tudo muito certo num período em que, no Brasil, as tecnologias de informação, indispensáveis para a entrega de informações em tempo real, eram ainda precárias, embora o seu desenvolvimento, até chegar aos cenários atuais, transcorresse já na época em ritmo acelerado.
Em dez anos, a Agência Estado, que havia sido criada nos anos 1970 por Raul Martins Bastos, saiu de sua receita residual pouco superior a R$ 500 mil/ano para superar a casa dos R$ 100 milhões/ano, exclusivamente com a venda de informações a mercados (90%) e à mídia (10%). A nova receita veio acompanhada de algumas características nunca antes observadas pelo Grupo Estado com o faturamento da publicidade: índice praticamente zero de inadimplência; e crescimento contínuo, sem retrocessos, pois as próprias crises econômicas tornavam ainda mais necessários aos assinantes os serviços informativos da Nova AE.
A primeira parceira internacional
Alguns jornais, como O Globo e a Gazeta Mercantil, tentaram emular o projeto da Nova AE. Não obtiveram sucesso porque não se preocuparam em prospectar a complexa química empreendedora implementada por Rodrigo Mesquita. Ele começou por atrair para sua assessoria um grupo experimentado de jornalistas, entre os quais, modestamente, me incluo. Notou, em primeiro lugar, que a equipe seria transformada em gestora do novo negócio sem que nenhum de nós tivesse experiência em cargos executivos fora de redações. Providenciou, portanto, que todos fôssemos submetidos a treinamento em gestão com as melhores consultorias empresariais da época.
Ainda estávamos longe de definir qual formato teria o projeto da Nova AE, mas Rodrigo Mesquita criou uma área na empresa, sob coordenação de Júlio Moreno, para fazer uma ampla e minuciosa prospecção dos principais movimentos das empresas de comunicação em todo o mundo. Em poucos meses, todos os jornalistas engajados no projeto sabiam como trabalhava a Reuters, a japonesa Nikkei, a italiana Ansa, as americanas Knight Rider e Dow Jones etc. Todos identificávamos com clareza que as empresas que já exploravam a venda de informações a mercados prosperavam e aquelas que, como a UPI, haviam se mantido apenas no mercado mídia, começavam a entrar em crise. A distribuição de informações a mercados pelos meios eletrônicos já havia disparado com a informatização das primeiras bolsas de valores mundiais.
Com ajuda dos professores Pacco Gomes Anton, Juan Antonio Giner e Carlos Soria, que criaram um núcleo de consultoria na Universidade de Navarra, na Espanha, e depois saíram para fundar a consultoria global Innovation in Newspapers, muito atualizados com os movimentos estratégicos de toda a mídia mundial, foi possível definir o projeto da Nova AE e partir para os procedimentos internos que tornaram possível sua implementação. Francisco Mesquita Neto, que agora retornara ao comando do Grupo Estado, mas que na época, como presidente da holding, detinha a chave do cofre, foi convencido a liberar alguns milhões de dólares para que a Agência Estado comprasse uma pequena empresa (Broadcast) que já atuava como provedora de cotações de bolsa e firmasse ainda um contrato pesado com a americana Knight Rider, transformada então na primeira parceira internacional da Nova AE.
“Nossas operações são turbinadas”
Junto com a pequena Broadcast veio a primeira tecnologia (aproveitamento de um canal ocioso das bandas de rádio FM) e também uma percepção incrível: o mercado financeiro estava então à espera de um provedor de informação com a amplitude e a credibilidade do Grupo Estado. Foram necessários poucos meses para que a AE começasse a desbancar seus principais concorrentes no mercado nacional: CMA, Momento, Meca, Teledata.
Na esteira da expansão vertiginosa, a Nova AE iria demonstrar à cética Reuters, que já explorava o filão do tempo real no Brasil com uma tecnologia sofisticadíssima, que o mercado brasileiro era bem maior do que ela pensava. Com uma tecnologia mais leve, usando a tática de guerrilha para crescer, a Nova AE começava a marcar presença em todas as mesas financeiras do país delineando um mercado que era de milhares de terminais. A expansão da Nova AE foi tão rápida que a empresa começou a viver um problema de todo imprevisto: a gestão de suas operações tornou-se muito mais difícil porque via-se obrigada a atender um número de assinantes maior que a capacidade da tecnologia na entrega das informações.
A Nova AE tinha, desde o início, características nunca antes enxergadas em nenhuma das unidades de negócio do Grupo Estado. Começa que o projeto derrubou todas as barreiras entre diferentes áreas que persistem até hoje nas empresas de mídia: jornalistas, vendedores, especialistas em marketing, programadores e analistas de sistemas participavam das mesmas reuniões dentro dos objetivos comuns de vender mais e dar mais qualidade a produtos que representavam uma combinação harmoniosa entre tecnologia e informação. “Nossas operações são turbinadas”, orgulhava-se Rodrigo Mesquita, que soube como tirar proveito do grande capital de qualquer empresa, que é a capacidade intelectual de seus colaboradores utilizada em favor do enfrentamento de crises e da aceleração do crescimento.
Encurtamento de prazos
A Nova AE começou com menos de 20 funcionários e evoluiu para mais de 500 no prazo de dez anos. As equipes eram movidas a criatividade e inquietude, numa demonstração da velha tese de que as corporações são uma espécie de espelho de suas lideranças. Outro grande aprendizado desse período esteve na criação de novos produtos. Eram os assinantes os grandes responsáveis por levar a Nova AE a criar seus novos serviços informativos. Através da rede de vendedores, do atendimento na fase do pós-venda, dos jornalistas de campo, mais envolvidos com os assuntos do mercado financeiro, a Nova AE mantinha um contato estreito com seus clientes. Ouvia suas críticas e captava seus desejos e sugestões. Quando um novo módulo informativo era colocado no ar pelos canais proprietários da empresa, todos sabíamos que ele seria comprado pela grande massa de assinantes. Durante mais de dez anos, nenhum módulo foi tirado do ar e todos eles trouxeram à empresa os resultados esperados e, em muitos casos, além dos esperados. Inauguramos, pioneiramente no Brasil, ainda nos primórdios dos anos 1990, a era do taylor-made, de certo modo esquecida hoje pelas mídias impressas.
Deve ser atribuído também à Nova AE o mérito de haver inaugurado no Brasil a transmissão de notícias em tempo real. Logo depois da compra da Broadcast, a agência colocou no ar um primeiro serviço de notícias sob o título de AE News. Foi como se tivéssemos dado um segundo aproveitamento da mesma notícia captada pelos jornais do Grupo (O Estado de S.Paulo e Jornal da Tarde), e assim permitido que o conglomerado se rentabilizasse duas vezes pelo mesmo produto. O AE News cresceu em volume, na medida em que a Nova AE vencia os seus gargalos tecnológicos na distribuição de informações, e também no prazo de transmissão. Por volta de 1994, o próprio mercado se espantava com a velocidade com que as notícias do país chegavam a seus terminais. O desafio a ser vencido não foi apenas tecnológico: todos os repórteres a serviço do Grupo Estado tiveram de passar por treinamento para desenvolver forte habilidade no encurtamento do prazo de produção e transmissão de notícias.
Tenacidade, criatividade e ousadia
A plataforma da Nova AE foi implementada em clima efervescente e visionário. Já na época¸ havia na corporação da empresa o claro entendimento de que o projeto tinha por objetivo preparar o Grupo Estado para enfrentar o tempo das redes de comunicação, movimento que já estava em marcha. Em suas argumentações com os membros do Conselho Consultivo do Grupo, Rodrigo Mesquita já alertava que a Nova AE, mais do que um bom negócio focado no mercado financeiro, iria oferecer ferramentas para os jornais da casa enfrentarem a perda dos classificados para a computação e as redes, um processo que na época mal se prenunciava.
Já estava claro para Rodrigo Mesquita e as pessoas que formavam o comando da Nova AE todo o contorno do cenário atual. Ainda em 1997, a empresa começava a procurar caminhos que a levassem a distender o foco em mercado financeiro para abranger a base da economia. Havia o entendimento de que o futuro das empresas de comunicação estaria na oferta de serviços para micro e pequenas empresas e nos canais para a educação através da internet. Já se falava em nuvem computacional e em processamento nas redes. As tecnologias, contudo, ainda não permitiam que a Nova AE ousasse mais do que ousou. Como diria Fernando Pessoa, sua capacidade inovadora foi abatida na curva de subida com o afastamento da família Mesquita das funções executivas nas empresas do Grupo (2004).
O projeto da Nova AE teve, visivelmente, as marcas da tenacidade, da criatividade e da ousadia. Talvez sejam estas as características que faltam neste momento às empresas tradicionais de mídia na obrigação de deixar o analógico para trás e entrarem, sob novos paradigmas, na era digital.
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[Dirceu Martins Pio é ex-diretor da Agência Estado e da Gazeta Mercantil e atual consultor em comunicação corporativa]