Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Para grupos de mídia, internet deve ser independente

O grupo Folha e a locadora de filmes on-line Netflix posicionaram-se ontem [terça, 21/8] contra o controle sobre o conteúdo de internet pelas companhias que detêm a infraestrutura física do serviço. O assunto vem sendo discutido por órgãos reguladores de vários países e por empresas donas de infraestrutura e também os prestadores de serviços cujo tráfego passa por essas redes, mas não remuneram as teles diretamente por isso. O pagamento fica por conta dos usuários que contratam conexão de banda larga.

O tema, conhecido como neutralidade de rede, foi debatido ontem durante o segundo e último dia do 9º Congresso da Associação Nacional de Jornais (ANJ), em São Paulo. A questão também está em discussão no Congresso, onde se pretende estabelecer um Marco Civil que garanta que os donos de infraestrutura física não possam bloquear, filtrar, analisar ou fiscalizar os conteúdos dos pacotes de dados que passam por suas redes de fibra óptica. Seria mantido o controle só do que já está previsto em lei.

Para David Hyman, advogado-chefe do Netflix, uma internet livre, sem interferências, é fundamental para que esse meio continue sendo um ambiente para inovações. “As operadoras de telefonia não podem ser contrárias à expansão de serviços on-line gratuitos ou que custem pouco, pois são esses serviços que levarão o usuário a aumentar a procura por mais banda larga e, portanto, darão mais receitas a elas”, disse. Hyman referia-se à discussão mundial de que serviços como os do Netflix e do Google consomem muita banda larga, mas as teles não obtêm receitas sobre eles. Há anos, as donas de infraestrutura discutem a cobrança do tráfego dos clientes dessas empresas em suas redes.

Rediscutir o modelo

Carol Conway, diretora de assuntos regulatórios do grupo Folha, citou que as empresas de telecomunicações detêm mais de 66% das receitas dos serviços de banda larga, com margens operacionais em torno de 30%. Para comparação, disse que essas margens estão 10 pontos percentuais acima das registradas pelos bancos. Desse modo, recursos para investir em capacidade e qualidade de transmissão não deveriam ser problema.

“De que adianta os jornais integrarem suas redações com sistemas tecnologicamente sofisticados se não houver redes com capacidade para o tráfego de nossos conteúdos?”, questionou a diretora.

Além disso, Carol opinou que a internet é feita pelo usuário e por todos que colocam conteúdo na rede. Como analogia, argumentou que a dona da fábrica de papel não é a que vai ditar o que deve ou não ser escrito no papel. E finalizou com uma indagação: “O dono da rede é o dono da palavra?”

Durante o debate, o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), João Rezende, destoou das empresas de mídia e defendeu algum controle sobre a internet. Segundo ele, é válido a operadora fazer uma gestão técnica da rede, para dar prioridade aos serviços de voz (como Skype, da Microsoft), em detrimento de e-mails, por exemplo. “Falar no Skype não pode ter rede lenta, mas um e-mail pode demorar alguns segundos para chegar”, opinou.

Rezende argumentou que o assunto passa, necessariamente, pela qualidade dos serviços. “Não adianta falar em neutralidade se ainda não temos um backbone (estrutura principal de uma rede que suporta tráfego de longa distância) completamente de fibra óptica”, afirmou. Ele advertiu para que a questão seja debatida com seriedade, a fim de não frear os investimentos das empresas em suas redes. Acontece que as teles reclamam que não veem estímulo em investir em uma infraestrutura que é usada por terceiros sem a remuneração direta deles, embora os usuários já paguem a elas para ter acesso em banda larga.

Rezende lembrou que cerca de 12 mil medidores da Anatel vão ser instalados pelas teles, no fim do mês, em 60 mil equipamentos de assinantes para fiscalizar as velocidades da banda larga fixa e móvel que estão sendo entregue a eles. Na média, as operadoras têm obrigação regulatória de oferecer 60% da velocidade contratada, o que está previsto para aumentar para 80%, em dois anos.

Procurado pelo Valor, o Sinditelebrasil, que representa as operadoras, disse que as teles fazem essa gestão técnica, e não de conteúdo. Mas o modelo de negócios de quem “paga a conta da internet” tem de ser rediscutido, para não ficar só nas mãos das operadoras de rede a construção de toda a infraestrutura, a um uso ilimitado e cada vez maior.

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Aplicativos são opção para novos modelos de negócios

Moacir Drska e Juliana Colombo

Em meio ao avanço dos meios digitais, os novos leitores estariam dispostos a pagar pelo conteúdo on-line oferecido pelos jornais? A resposta para essa pergunta ainda é uma incógnita, mas um modelo de negócios começa a despontar como uma alternativa para que esses veículos gerem receitas nesse ambiente: o mercado de aplicativos para dispositivos móveis.

“Esse modelo já nasceu com um espírito de cobrança pelo conteúdo, ao contrário da internet como conhecemos, na qual nós mesmos difundimos a ideia de que tudo é gratuito”, afirmou Silvio Genesini, consultor e ex-presidente-executivo do grupo Estado, durante o encerramento do 9º Congresso Brasileiro de Jornais, realizado nesta semana em São Paulo.

Uma das empresas que estão apostando nessa direção é a Axel Springer, grupo de mídia alemão que edita o jornal “Bild”. Na avaliação de Mathias Döpfner, diretor-presidente da companhia, os usuários de dispositivos móveis estão acostumados a pagar por qualquer tipo de serviço, como mensagens de texto (SMS), multimídia (MMS) e os mais diversos aplicativos. “Por que, então, não pagariam por um conteúdo feito por uma empresa jornalística de credibilidade?”, questionou.

A Axel Springer começou a investir na formatação de um modelo de cobrança pelo seu conteúdo digital em 2001. Atualmente, todos os serviços desenvolvidos pela companhia para smartphones e tablets são pagos. Para 2013, a empresa planeja cobrar por qualquer conteúdo on-line produzido.

No intervalo de pouco mais de dez anos, a Axel Springer saiu de um resultado negativo de € 200 milhões para uma receita de € 600 milhões.

Esse desempenho foi, em grande parte, impulsionado pela estratégia on-line, segmento que hoje representa um terço do faturamento da companhia. As margens operacionais do grupo acompanharam a aposta no mundo digital: enquanto a média do mercado alemão é de 20%, a da Axel Springer chega a 36%, segundo o executivo.

Para Döpfner, as empresas jornalísticas ainda têm uma abordagem conservadora, principalmente em regiões da Europa. “Precisamos de companhias que saiam na frente e experimentem. Os jornais europeus, por exemplo, estão muito habituados a esperar que a estratégia do concorrente dê certo para seguir o mesmo caminho”, acrescentou o executivo.

No Brasil, esse movimento começa a ganhar força entre as empresas de mídia.

A “Folha de S. Paulo” e o “Zero Hora” lançaram, recentemente, formatos de cobrança pelos conteúdos on-line. Walter de Mattos Jr., presidente e editor do grupo Lance!, destacou a importância dessas primeiras iniciativas no país, mas ressaltou que esse processo deve ser implantado aos poucos. “O primeiro passo é detectar que perfil de leitor está disposto a pagar”, observou Mattos Jr.

Para Marcelo Rech, diretor-geral de jornais do grupo RBS, do Rio Grande do Sul, é necessário que os jornais invistam no poder de suas marcas e na capacidade de seus profissionais para se diferenciarem do grande volume de conteúdo que há na internet. “Os grandes veículos carregam consigo uma espécie de certificação da verdade, e nada mais justo do que cobrarem por isso”, afirmou.