Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

“O Ocidente aceitou rápido a derrota do jornal impresso”

Ravi Dhariwal nasceu há 57 anos no Rajastão. Formado em engenharia e administração, trabalhou na Unilever e na Pepsi antes de presidir o setor impresso e on-line da Bennett Coleman, o maior conglomerado de mídia da Índia. O grupo edita o “Times of India”. São 14 milhões de leitores por dia e receita anual de US$ 1,5 bilhão. Em São Paulo, para um seminário da Inma (International Newsmedia Marketing Association), o executivo deu entrevista ao GLOBO e revelou as estratégias ousadas do jornal para atrair leitores. Há críticas. Para alguns, a ousadia passa dos limites e ameaça os fundamentos do jornalismo. Reportagem da revista “New Yorker” do início do mês destaca que a publicação tem, perigosamente, demolido as paredes entre a redação e o setor comercial, com práticas como aceitar parte do capital das empresas anunciantes como pagamento.

Os números impressionam: 14 milhões de leitores, 5 milhões de exemplares vendidos por dia, enquanto se debate o futuro do jornal em papel. Como vocês conseguem?

Ravi Dhariwal – A circulação está em queda em EUA e Europa, mas cresce na Ásia, no Oriente Médio e na América do Sul. Há muitas razões: a população desses países está recebendo mais educação, organizando-se mais e aumentando sua renda. E isso é um terreno fértil para o jornal impresso. Porque ele abre portas para o consumo, servindo como referência por meio de matérias, anúncios e das pessoas que aparecem nele. Entendemos o que o leitor e o anunciante querem. Hoje, empregamos quase 8 mil pessoas, 1.400 na parte editorial.

Esse mercado estaria saturado em EUA e Europa?

R.D. – Não sei se está saturado. O Ocidente aceitou muito rápido a derrota do jornal impresso. Desnecessariamente na minha opinião. Por exemplo: uma vez que os grupos que fazem jornais passaram a enfrentar a competição do digital, eles cortaram a qualidade do produto e aumentaram seu preço. Fomos num caminho diferente. Não sacrificamos o papel, mantivemos o preço de capa baixo, investimos na qualidade do conteúdo, contratamos mais pessoas e investimos em impressão, distribuição e infraestrutura. Um investimento ousado foi a criação, há dois anos, de um jornal voltado só para jovens, que hoje vende 500 mil exemplares por dia. Porque se a gente não cativa o leitor desde cedo, ele migra para outro lugar.

E como é esse jornal?

R.D. – É uma edição especial vendida só nas escolas, a preços baixíssimos. Temos uma redação especial para o jornal, que traz as mesmas notícias, só que de maneira diferente. As matérias são mais curtas, prestamos menos atenção na política e mais em ciência, esportes, tecnologia, cultura. É parte de entender o que o leitor quer. O Ocidente ficou muito preocupado com os lucros imediatos, ou em saldar dívidas, e deixou de pensar em atrair novos leitores. O outro lado é o anunciante: fazemos questão de evidenciar que o papel ainda é a melhor plataforma para mostrar o produto que ele deseja vender.

Que estratégias foram adotadas na distribuição?

R.D. – Entregamos 97% dos jornais em casa, trabalhando com hábito e fidelização. O leitor recebe o produto durante 30 dias e só paga no fim do mês. E é quase sempre o mesmo vendedor que leva o jornal. Produzimos 21 edições diferentes por dia, que são impressas em gráficas regionais, o que facilita a distribuição. Temos também um editor para cada região.

O site do 'Times of India' está entre os cinco de notícias mais acessados do mundo. Mas não cobra pelo conteúdo. Por quê?

R.D. – É uma discussão que temos há muito tempo. O “New York Times” adotou uma estratégia de sucesso, outros jornais europeus decidiram não cobrar, acredito que porque, num momento de crise, o leitor tende a não gastar dinheiro. Mas acho a produção jornalística valiosíssima para ser dada, em breve passaremos a ter algum tipo de paywall . Os lucros oriundos dos anunciantes on-line, no entanto, sempre serão menores do que os do impresso. É por isso que temos de engajar leitores. Não é a estratégia papel versus online: é papel mais online.

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[Mariana Timóteo da Costa, de O Globo]