Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Página virada

Por poucas semanas, Newsweek não poderá comemorar seu 80º aniversário, em fevereiro de 2013. Publica sua última edição impressa em 31 de dezembro, mantendo apenas a versão digital. Seu fim, anunciado na semana passada, traz de volta a pergunta: qual é o futuro das revistas semanais de informação – se é que têm algum? A atenção está agora concentrada em Time, a única sobrevivente, nos Estados Unidos.

Um jornalista brasileiro dizia, ao preparar o projeto de um novo semanário, que, “enquanto houver semanas, haverá publicações semanais”. Hoje, a questão é se revistas sujeitas ao ciclo semanal da informação conseguirão sustentar-se; se terão condições de sobreviver num mundo digital ao qual tentam se adaptar. Ou seguirão o caminho das revistas ilustradas de grande circulação, que desapareceram.

Os anos 1940 marcaram a ascensão das grandes revistas semanais de informação nos Estados Unidos: Time, Newsweek e US News & World Report. Essa categoria de revistas começara há quase 90 anos, em março de 1923, com o lançamento de Time. Era a primeira publicação a dar uma visão resumida dos eventos da semana, condensando em notas curtas as informações publicadas pelos jornais. Não tinha repórteres. Pesquisadores recortavam os jornais e redatores reescreviam e sintetizavam as notícias com uma linguagem rebuscada, viva, atraente e uniforme, como se toda a revista tivesse sido escrita pela mesma pessoa; o conteúdo era totalmente editorializado a partir de uma perspectiva conservadora, que refletia a visão política e os preconceitos de seu fundador, Henry Luce.

Time era, também, numa época em que não havia televisão, o rádio estava no início e os jornais eram locais, o único meio de informação de alcance nacional; ninguém mais dava um panorama, resumido e pré-digerido, dos eventos. Dez anos depois, em 1933, apareceu “News-Week”, que empregava uma linguagem mais simples. US News & World Report surgiu mais tarde.

As três chegaram ao ápice nas décadas de 1960 e 70. Sua circulação era elevada, dos dois milhões e meio de US News & World Report aos quase cinco milhões de Time. Davam aos leitores uma ampla gama de informações sobre política, economia, assuntos internacionais, vida cultural, mudanças da sociedade. Contribuíram para a percepção que os Estados Unidos tinham de si mesmos e para estabelecer a agenda de debates do país; pautavam, com frequência, o resto da mídia. Segundo uma apreciação talvez algo exagerada do jornal inglês The Guardian, sua cobertura influenciava as eleições, promovia celebridades, ditava a moda, ajudava nos negócios e formava a opinião pública nos Estados Unidos e no resto do mundo. Eram prósperas, tinham enormes equipes editoriais talentosas, cujos relatos eram transformados num prato fácil de digerir pela classe media americana. Numa imprensa excessivamente provinciana, deram destaque à informação do exterior.

Revista do momento

O modelo de revista de notícias – “newsmagazine” ou “newsweekly” em inglês –, iniciado por Time, foi copiado e imitado no mundo inteiro, dando lugar ao nascimento de dezenas de revistas com esse formato.

Não tinham a qualidade das pequenas revistas políticas de opinião, como The New Republic, The Nation, The Progressive ou The Reporter, com apenas algumas dezenas de milhares de leitores. Ou de publicações mais preocupadas com a literatura, como The New Yorker, The Atlantic ou Harper's. Mas contribuíram para melhorar o nível da informação e ampliar os horizontes da classe média.

Mas, assim como as publicações ilustradas não conseguiram sobreviver à concorrência da TV, as revistas semanais de informação tiveram que enfrentar a competição de outros meios. Os jornais adotaram suas técnicas de compartimentar e analisar a informação, sua maneira de escrever, e se apropriaram de alguns de seus temas, como saúde, novas tecnologias, assuntos pessoais, comportamento, tendências sociais, antes exclusivas. Alguns diários, como USA Today, The Wall Street Journal e The New York Times, passaram também a ter circulação nacional. Depois surgiram os canais de notícias da televisão a cabo, que adotaram em seus programas o formato “newsmagazine”, e a internet, divulgando informação 24 horas por dia.

O resultado foi uma rápida e drástica queda da circulação e da publicidade. Leitores e, principalmente, anunciantes migraram para a internet. A mídia ficou mais segmentada; as revistas dirigidas a todos os leitores ficaram, aparentemente, ultrapassadas.

As revistas de informação tentaram encontrar um novo papel e um novo nicho no mercado; uma nova maneira de voltar a ser relevantes. Seu modelo era o mesmo das revistas ilustradas: conseguir alta circulação vendendo assinaturas por preços muito baixos, de até US$ 20 ou US$ 30 por ano, para atrair anunciantes. O custo de imprimir e distribuir milhões de revistas a cada semana, sem o apoio da publicidade, tornou-se insustentável.

The New York Times escreveu que as revistas semanais de informação tinham desaparecido, pois não davam mais a informação da semana. O que foi confirmado por um editor de Time: “Não estamos no negócio de publicar notícias”. O leitor já as conseguia em outro lugar. Passaram a dar mais opiniões que informação.

US News & World Report, a menor das três, não conseguindo competir com informação, devido ao alto custo de manter uma grande equipe de repórteres, deu prioridade às matérias de serviços e orientação ao consumidor, mais baratas de fazer, e aos “rankings”, como os das melhores escolas e universidades, os melhores hospitais. Nem assim conseguiu sobreviver. Em 2008 anunciou que passaria a circular quinzenalmente, depois uma vez por mês e, em 2010, parou com a versão impressa.

Newsweek foi, em seus quase 80 anos de existência, a segunda revista do setor, à sombra e atrás de Time: a segunda em circulação, a segunda em receita de publicidade e, com frequência, a segunda em prestígio e influência.

Seu período áureo foram as décadas de 1960 e 70. Até então, era ignorada ou olhada por Time com certo desdém. Mudou, depois que foi adquirida por “The Washington Post” em 1961, que investiu em qualidade. Ousou mais que a concorrente. Começou uma espécie de “guerra fria” entre elas.

Newsweek capturou o espírito da época: a revolução sexual, a ascensão do feminismo, o movimento “gay”, os direitos civis, a cultura do físico, os protestos contra a guerra do Vietnã, o fenômeno dos Beatles – Time se recusou a fazer uma matéria de capa com eles, “um bando de cabeludos que não significam nada”. Foi a primeira revista a assinar as matérias de seus jornalistas, fugindo do texto despersonalizado e uniforme de Time, que não demorou em seguir seu exemplo. Era também mais agressiva e, politicamente, frente ao conservadorismo da concorrente, uma alternativa mais liberal. O prestígio de Newsweek aumentou; tornou-se a revista do momento. A publicidade acompanhou e chegou a superar Time em anúncios.

Recursos grosseiros

Embalada no êxito, a revista escorregou temporariamente, ao dar importância excessiva às personalidades do mundo do entretenimento, e trivializando temas relacionados com a vida pessoal e o comportamento. Ao perceber que perdera relevância, voltou a dar prioridade a temas mais sérios, superando Time em cobertura nacional, esportes e cultura e em velocidade para reagir aos eventos. Mas inferior a ela em informação internacional, ciência, religião e na apresentação gráfica, além de ser, segundo alguns críticos, melhor editada.

Ante a chegada dos novos meios e das novas tecnologias, Newsweek, com menor circulação e receita, ficou mais vulnerável. A estrutura ficou pesada demais. A publicidade não conseguia cobrir os custos de vender, imprimir e distribuir semanalmente mais de 3 milhões de exemplares entregues com grandes descontos. Os prejuízos aumentaram e as demissões se sucederam. Os vários projetos editoriais eram um sintoma de que a revista tinha perdido a autoconfiança e o rumo.

Newsweek tinha, como as outras revistas semanais, várias opções. Dar ao leitor um retrato do que aconteceu na semana anterior. Ou desligar-se da atualidade e fazer matérias de tendências, dar informação de serviços, publicar ensaios bem escritos e reportagens bem apuradas, principalmente de denúncia, além de abrir as páginas a colunistas provocadores. Ou tentar qualquer solução intermediária. Ou algo novo.

Em 2008 e 2009, Newsweek mudou drasticamente o perfil. Deixou de dar informações exclusivas. Seguiu um modelo inspirado na britânica The Economist, mais elitista, austera e analítica, e também nas velhas Esquire e Harper's, com matérias mais longas, de escritores e jornalistas conhecidos. Um dos seus objetivos foi publicar capas agressivas, para chocar e provocar. A circulação, cortada voluntariamente, caiu de 3,1 milhões para 2,6 milhões. Deixou de competir com Time como revista semanal de massa.

A tentativa não funcionou. Há várias explicações. Segundo James Fallows, o conteúdo de Newsweek melhorou e ficou à altura de publicações como The Atlantic ou The New Yorker ou The New York Review of Books. O problema é que esse conteúdo era apropriado para revistas relativamente pequenas; era como tentar transformar uma loja McDonald's num bar de tapas: muitas cadeiras ficariam vazias. Newsweek cortou de novo a circulação para 1,9 milhão e depois para 1,5 milhão.

Outra análise, de Michael Kinsley arrasou o projeto. Lembrou a mensagem do editor, ao apresentar o projeto: “Não pretendemos ser seu guia no caos da Era da Informação”. Kingsley diz que o leitor precisa é de um guia através do caos, e que a revista deveria ter tentado, pelo menos, ser útil. Quanto à qualidade do conteúdo dos artigos mais longos, achou que tinham o mesmo estilo convencional das revistas de informação. Sobre a tentativa de seguir The Economist, escreveu: “Já temos The Economist, não precisamos de uma imitação”.

Cansado de perder dinheiro, The Washington Post colocou Newsweek à venda depois de editá-la por quase meio século. Foi comprada, em meados de 2010, por Sidney Harman, um bilionário de 91 anos, que pagou um dólar e assumiu uma dívida de US$ 47 milhões. Meses depois, a revista foi fundida com o The Daily Beast, um site na internet, do também bilionário Barry Diller, e ambos passaram a ser editados por Tina Brown. Pouco antes, a revista semanal BusinessWeek fora vendida, também por um dólar, à Bloomberg, o serviço de informação eletrônica.

Tina é uma controvertida jornalista inglesa, que tinha editado a revista Harper's Queen em Londres e Vanity Fair e The New Yorker em Nova York e lançara Talk, um fracasso.

Harman morreu em 2011. Os herdeiros não quiseram arcar com os prejuízos da revista e cederam sua parte a Diller, que, por sua vez, achou excessivo o peso de Newsweek e decidiu fechá-la.

É provável que seu fim tenha sido acelerado pela imagem negativa de Newsweek neste último período. A revista teve vários momentos de bom jornalismo, que foi ofuscado por iniciativas chocantes de chamar a atenção. Tina dizia que uma função das matérias de capa era dar assunto para uma conversação. Isso ela conseguiu, mas com comentários pouco lisonjeiros para a revista e sua editora. Manchete de uma capa com a foto de Obama: “O primeiro presidente gay”. Outra, pelo historiador britânico Niall Ferguson, ultraconservador, dizia: “Vá embora, Barack. Por que precisamos de um novo presidente”. Estava tão eivada de erros factuais grosseiros que provocou um aluvião de protestos. De novo, para chamar a atenção, Tina encomendou uma “fotoshop” de como seria a princesa Diana, com 50 anos, ao lado de Kate Middleton, a mulher de seu filho, o príncipe William. Talvez ainda mais controvertida foi uma capa com dois aspargos, como símbolos fálicos, sobre uns lábios abertos.

As capas provocativas foram consideradas tentativas grosseiras de aumentar a visibilidade da revista e o tráfego na internet, sacrificando a qualidade editorial. Um analista disse que, em lugar de dar aos leitores as análises em profundidade que procuravam, Tina tornou a revista motivo de chacota.

Duas versões

Com o fim de Newsweek, voltou a pergunta: as outras revistas semanais seguirão, necessariamente, seu destino?

Ao lado dos que já anunciaram várias vezes o fim das publicações impressas, há quem vê, para as que têm uma forte personalidade e souberem adaptar-se, um longo futuro pela frente.

Afirma-se que Time ainda é rentável e que, ao contrário de Newsweek, “BusinessWeek”, com a Bloomberg, encontrou um novo caminho.

Os exemplos mais citados de revistas bem-sucedidas são The Economist e The Week. The Economist triplicou a circulação em pouco mais de 15 anos, até 1,5 milhão de cópias hoje, 850 mil delas na América do Norte. O preço da assinatura é muito superior ao das outras revistas semanais: seria lucrativa mesmo sem anúncios. O segredo está numa capacidade analítica rigorosa e no apetite por informações globais. O atual “publisher” afirma que a revista tem a “sorte” de ser uma publicação global escrita em inglês.

Talvez mais surpreendente seja o caso de The Week, do empresário e poeta Felix Dennis, que entrou no mercado quando outras revistas estavam saindo. Como The Economist, é uma revista inglesa transplantada aos Estados Unidos. Lançada em Nova York em 2001, começou com 100 mil exemplares; hoje vende 525 mil, a grande maioria assinantes. A circulação responde por metade da receita. O número total de páginas é limitado. A redação e a publicidade têm um espaço fixo, de maneira que, com frequência, tem que recusar anúncios em algumas edições, valorizando, assim, o espaço publicitário, cujo preço aumentou paulatinamente. É rentável e está crescendo.

É uma revista funcional. Diagramação muito sóbria, com pouca ilustração; fotos e gráficos pequenos. Não tem colunistas famosos nem repórteres. Uma equipe de 15 ou 20 jornalistas reescreve matérias de outras publicações. Fazem notas curtas, num estilo direto, claro. É a mesma fórmula de Time quando começou em 1923 e da qual as revistas semanais de informação se afastaram. É dirigida para quem quer informar-se, tem pouco tempo para matérias longas e não está continuamente ligado na internet. Os leitores estão nos níveis mais altos da escala social. Mas a fórmula da revista não tem, necessariamente, uma aplicação universal: neste mês de outubro circulou a última edição de The Week da Austrália, lançada em 2008.

Apesar do êxito onde outras fracassaram, as duas revistas também apostam no longo prazo e no mundo digital. The Week adaptou a revista para a rede. Tem uma equipe de 15 pessoas que coloca na internet o mesmo tipo de notícias encontradas na versão impressa, mas incorporou alguns comentaristas conhecidos e conseguiu facilmente mais de um milhão de usuários únicos em 2010.

O publisher de The Economist diz que espera, no futuro, um declínio gradual da circulação em papel, mas acredita que a queda será mais do que compensada pela grande demanda de leitura em “tablets”. Em alguns meses, obteve mais de 100 mil assinantes. Ele acha que o “tablet” predominará, proporcionando um aumento grande de leitura, mas com um efeito mínimo nas assinaturas da versão impressa – que caiu 0,8% neste ano. De qualquer maneira, The Economist espera aumentar sua audiência.

Depois do fim de Newsweek, Time, insistiu em continuar circulando em papel. Mas nesta semana redesenhou completamente seu site, com mais de 10 milhões de usuários, e o adaptou para todas as plataformas. Quanto à Newsweek sem papel, há dúvidas sobre seu modelo de acesso pago, num universo de informação gratuita.

Prudentemente, as revistas impressas bem-sucedidas aproveitam o tempo de que dispõem à espera do futuro digital. Os otimistas acreditam que as duas versões poderão sobreviver.

***

[Matías M. Molina é jornalista, autor de Os Melhores Jornais do Mundo, em segunda edição]