No início dos anos 1980, publiquei no jornal O Estado de S. Paulo uma reportagem de uma página sobre um programa de alimentação à base de soja lançado pela prefeitura de Guarapuava, município de agricultura expressiva na região central do Paraná. Passei dois dias na cidade ouvindo nutricionistas, agricultores, pessoas comuns que se beneficiavam do programa. Levantei números aparentemente miraculosos: era possível alimentar, suprindo todas as carências nutricionais, a população favelada do município, calculada à época em cinco mil pessoas, apenas com a soja catada nas plantações e que escapavam, como desperdício, das modernas colheitadeiras.
Nutricionistas que coordenavam o programa ofereceram a convidados especiais um banquete com uma enorme diversidade de pratos e quitutes preparados a partir dos grãos de soja. O inesperado aconteceu na semana seguinte à publicação da reportagem: eu mesmo, que chefiava na época a sucursal de Curitiba do jornal, recebi nada menos de 1.600 cartas de leitores elogiando a matéria e pedindo mais dados. A prefeitura de Guarapuava recebeu mais de 6 mil correspondências com a mesma demanda. Foi, disparadamente, o maior retorno obtido por reportagens que publiquei em minha trajetória de repórter e que me obrigou a refletir sobre o quão indecifrável é o interesse dos leitores nessa sua busca cotidiana por informações. Nunca tive qualquer dúvida de que o jornal que conseguir desvendá-lo e atendê-lo fará grande sucesso.
Nessa época, a interação entre leitores e jornais se dava exclusivamente pelos correios, através de cartas ou telegramas. Algum retorno poderia vir por telex, mas era raro que isso acontecesse. Algumas empresas realizavam pesquisas para identificar o interesse dos leitores e as redações tinham, por assim dizer, alguma inteligência voltada para o desafio de sondá-lo, capturá-lo. As redações eram mais empáticas em relação aos leitores. Eu mesmo nunca escrevi uma só notícia sem antes refletir por alguns minutos sobre como meus leitores receberiam aquela informação, como reagiriam a ela e como ela poderia ser-lhes útil. A preocupação fazia parte da minha formação profissional. Ainda assim, acertávamos o alvo em cheio por mero acaso.
Exercício disperso
Com a internet, que começou a disseminar-se pelo território brasileiro a contar da segunda metade dos anos 1980, surgiram os canais interativos eletrônicos. Tornaram-se ainda mais fluidos e eficazes com a digitalização, que começou a avançar ainda na virada do século. Como perspectiva para as mídias impressas surgia a possibilidade de fazerem jornais e revistas quase pelo regime do taylor-made, ou sejam, totalmente sintonizados com o interesse e o desejo dos leitores.
Lembro-me que o publicitário Sérgio Reis, na condição de diretor de Marketing do antigo Bamerindus, na metade dos anos 1990, em palestra a jornalistas do Grupo O Estado de S. Paulo, sugeriu a adoção de um regime quase online de consultas a leitores de impressos para fazer frente aos “medidores de audiência” da TV instalados na residência de telespectadores, escolhidos por amostragem. As redações, pela recomendação de Sérgio Reis, deveriam ter um painel onde, de algum modo, ficassem visíveis a crítica e a preferência dos leitores por certas notícias, reportagens, artigos, cadernos, seções da última edição. O painel seria uma espécie de guia e orientador da edição subsequente.
Os impressos, contudo, nunca se preocuparam mais seriamente em sondar o interesse de seus leitores e dão a impressão, hoje, de que quanto mais facilidade as novas tecnologias oferecem para aproximá-los de seu público mais se afastam dele. Os leitores podem, quando muito, comentar as matérias postadas em sites e portais num exercício disperso e que deve ter pouca serventia para os editores calibrarem as próximas edições.
Voz do leitor
As tecnologias de informação possibilitam tudo – a realização de pesquisas qualitativas, a implementação de enquetes, debates, captação de sugestões, de críticas, de avaliação, mas não têm servido para reduzir a distância entre os impressos e seus leitores. A TV aprendeu a calibrar sua programação de acordo com a volatilidade da audiência. E os impressos pararam no tempo, as redações tornaram-se menos empáticas, repórteres circulam menos por suas fontes e a própria internet, com a frieza e a assepsia de todo o meio eletrônico, torna-se o grande manancial de pautas e assuntos que vão ser abordados nas edições seguintes.
Vivemos a era da interatividade, mas também a era do desperdício dos recursos que a tornam um poderoso instrumento de fidelização dos leitores e da conquista de novos. Diante da crise que tem levado ao fechamento de muitos impressos no Brasil e no mundo, o pano de fundo que parece enredar todos eles é o da imposição, da prepotência e da arrogância. Talvez não queiram ouvir a crítica mais estruturada do leitor porque temem não saber o que fazer com ela. A atitude, entretanto, é suicida. Quanto mais se distanciam dos reais interesses do leitor, mais enfraquecem. Caminham para se transformar em borboletas indefesas em meio à tempestade.
Na verdade, o grande desafio é de marketing. Alguém já disse que as empresas que farão sucesso daqui para a frente serão aquelas que, mais do que atender a uma demanda e uma necessidade de um consumidor, forem capazes de deixá-lo fascinado. O desafio se aplica perfeitamente a jornais e revistas: além de satisfazer a demanda do leitor por informação terão de deixá-lo fascinado. E isto não se alcança sem ouvir a voz do leitor e dar consequência prática a ela. Aos impressos, contudo, tem bastado causar a impressão de que usam a interatividade quando não usam. Ainda estamos na fase da chamada falsa interatividade.
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[Dirceu Martins Pio é ex-diretor da Agência Estado, da Gazeta Mercantil e atual consultor em comunicação corporativa]