Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

“Nos EUA, a mídia étnica cresce mais que a tradicional”

No início de 2011, o baiano Paulo Rogério Nunes recebeu a notícia de que havia sido selecionado para uma bolsa de estudos do Programa Fulbright Hubert H. Humphrey destinado ao aperfeiçoamento, nos Estados Unidos, de profissionais em meio de carreira. Foi como um coroamento. Até os 20 anos de idade, Paulo sequer cogitava cursar uma universidade. O bairro Alto da Terezinha/Rio Sena, subúrbio de Salvador onde nasceu e cresceu, está encravado numa região com mais de 90% de afroascendentes e hoje é sede de uma UPP. Sob os auspícios da bolsa, ele pôde conhecer alguns dos maiores veículos de mídia dos Estados Unidos e viver experiências marcantes naquele país.

Em sua adolescência, Paulo Rogério, que tem hoje 31 anos de idade, foi favorecido pelo admirável mundo novo da internet, que dava os primeiros passos no Brasil. Foi seu abre-te Sésamo, seu passaporte para novas descobertas. Por meio da grande rede, pôde ler muito e aprender inglês como autodidata. Passou a se interessar pela cibercultura e tomar conhecimento do movimento negro internacional. O apoio familiar, aliado a essa combinação de estímulos, permitiu que, em 2002, ele ingressasse na Universidade Católica de Salvador, onde fez o curso de Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda, que concluiu quatro anos depois.

Programa de bolsas

A universidade representou uma nova tomada de consciência. Lá ele começou a atuar no movimento estudantil, tendo criado um núcleo de estudantes negros com o objetivo de ampliar a democratização da mídia no Brasil. Participou, nesse meio tempo, de um curso para jovens líderes no Instituto Steve Biko, na capital baiana, fato que ampliou ainda mais seu acesso ao debate sobre o racismo em nosso país.

Era o início de uma trajetória que levou Paulo Rogério a visitar 14 países – sendo 5 deles na África –, fundar, com amigos, o Instituto Mídia Étnica, em 2005, uma das referências nesse segmento no Brasil, e participar da criação do portal Correio Nagô, ambos com base em Salvador. O reconhecimento por esse trabalho veio em 2008, quando foi escolhido para ser fellow da Ashoka Empreendedores Sociais, organização mundial, sem fins lucrativos, pioneira no campo da inovação social. Hoje, além de atuar à frente desses dois portais, ele mantém um blog na Americas Quarterly, conceituada revista de políticas públicas para o continente americano, com sede em Nova York.

Na longa entrevista a seguir, concedida por e-mail, Paulo Rogério Nunes fala de sua experiência americana – ele retornou ao Brasil em agosto deste ano, depois de um ano e três meses – e do aprendizado proporcionado por um intercâmbio, o mais prestigioso programa de bolsas do governo dos EUA, do qual já se beneficiaram chefes de Estado do mundo todo, além de personalidades brasileiras, como o escritor Moacyr Scliar, o atual presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, e sua ex-colega Ellen Gracie Northfleet.

“Uma educação de qualidade invejável”

Você concorreu a uma Bolsa Fulbright Hubert H. Humprey e foi selecionado depois de um processo que levou mais de seis meses. Como recebeu a notícia?

Paulo Rogério Nunes – Fiquei bastante feliz com o resultado. Afinal, foi um processo bastante criterioso. Eu não tinha certeza que chegaria, de fato, a ser escolhido devido à competitividade da seleção. Fui o único representante escolhido no Nordeste no período 2011-2012 do programa e, além de competir com pessoas do Brasil, tive que disputar a seleção global. O processo faz análise do perfil de pessoas em todo o mundo que atuam no mesmo campo, no meu caso a Comunicação. Enfim, foi uma grata surpresa ter sido escolhido para compor esse seleto grupo de profissionais das mais diversas áreas do conhecimento. Estudei Jornalismo e Novas Mídias, o que tem uma relação direta com meu trabalho à frente do Instituto Mídia Étnica e do portal Correio Nagô.

Quais eram suas expectativas em relação a essa experiência americana?

P.R.N. – Costumo dizer que em se tratando dos Estados Unidos qualquer brasileiro já tem alguma imagem ou expectativa do que encontrar no país, uma vez que a indústria cultural deles é enorme e nós recebemos muitas informações do que vem de lá. E nesse sentido vale ressaltar que o Brasil precisa investir mais na divulgação da nossa cultura. Sendo assim, esperava conhecer um país bastante diverso, o que de fato foi confirmado, e uma educação superior de qualidade realmente invejável. Além disso, particularmente, tinha uma expectativa de conhecer melhor a cultura afro-americana, que há anos venho pesquisando e a qual tive oportunidade de finalmente vivenciar.

“Foi um aprendizado muito rico”

Como foram os primeiros meses no país?

P.R.N. – Primeiro cheguei ao estado de Oregon, na Costa Oeste. Fiquei morando em uma pequena cidade de aproximadamente 150 mil habitantes chamada Eugene que obviamente era muito diferente da cidade onde moro, Salvador, que possui cerca de 3 milhões de habitantes. Mas lá pude conhecer mais da cultura estadunidense que não se divulga muito. Algo menos corrido, mais verde, com um pouco mais de calor humano. Por exemplo, todas as pessoas me cumprimentavam na rua, assim como acontece em cidades pequenas do interior do Brasil. Um aspecto interessante desses meus primeiros meses foi que tive a oportunidade de dividir um apartamento com pessoas de diversas nacionalidades, como Haiti, República Dominicana e Coréia da Sul. Foi um aprendizado de vida muito bom, o de saber lidar com culturas tão diferentes, apesar de termos algumas similaridades, principalmente dominicanos e haitianos.

Quais dificuldades enfrentou inicialmente?Como elas foram superadas?

P.R.N. – É claro que sair de uma cidade como Salvador e ir morar em uma pequena cidade dos EUA é um impacto grande, mas me adaptei muito rápido à rotina da Universidade de Oregon, onde fiz três meses de curso de inglês, e à cultura dos EUA em geral. Apesar de estar lá como uma minoria visível, pois Oregon é um estado muito menos diverso do que a Califórnia ou Maryland, por exemplo, as diferenças foram superadas logo nas primeiras semanas.

Quais projetos pôde desenvolver como bolsista?

P.R.N. – Diversos. O mais importante foi poder planejar meu ano da forma que eu queria. Essa bolsa da Fulbright, diferente de outras, é justamente para um profissional de meio de carreira que deseja um ano de aperfeiçoamento. E eles te dão toda a liberdade para escolher qual disciplina estudar, quais cursos fazer e onde realizar estágios. Nesse sentido, como já vinha há anos buscando essa oportunidade, não tive dificuldade em trilhar meu caminho em um país que oferece tantas opções, o que por vezes confunde. Enfim, tive a oportunidade de estagiar em duas instituições de bastante prestígio internacional. Uma delas foi o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Lá, tive a oportunidade de prestar uma consultoria para o setor de Gênero e Raça para o melhor uso das redes sociais deles e também trabalhei por um tempo junto ao Center for Civic Media, que é um centro de excelência do Massachusetts Institute of Technology (MIT), umas das melhores universidades de tecnologia do mundo. Um dos diretores do centro, o Ethan Zuckerman, é um dos fundadores da plataforma Global Voices e é do conselho diretor da ONG queniana Ushahid. Foi, portanto, um aprendizado muito rico.

“O ‘consenso fabricado’”

Sua linha de atuação no Brasil é o jornalismo alternativo, com foco na questão étnica. Que comparação você faz entre as perspectivas existentes aqui e nos Estados Unidos?

P.R.N. – Acabei confirmando o que já imaginava antes de morar nos Estados Unidos: a comunidade afroamericana, apesar dos problemas que possui, está bem mais avançada no acesso à economia, política e mídia do que os negros brasileiros. Isso me fez refletir bastante sobre os dois modelos de colonização e sociedade e como um aprendizado mútuo é valido. Veja, os afroamericanos são aproximadamente 13% da população dos EUA, mas possuem diversos canais de TV, rádio, portais e até bancos! Um dia lá em Washington tive a oportunidade de conhecer um dono de banco negro, com aparentemente menos de 40 anos. Isso é impensável para um jovem negro brasileiro! Em geral, tanto a grande mídia como os veículos alternativos possuem representantes de segmentos minoritários, como negros, latinos e asiáticos, e esses veículos cumprem um papel importante na sociedade americana.

O linguista e ativista político Noam Chomsky criou o conceito de “consenso fabricado”, no qual denuncia a maneira como a opinião pública americana é moldada pela mídia. Você percebeu essa vulnerabilidade no convívio com as pessoas?

P.R.N. Sinceramente, nesse aspecto a sociedade estadunidense não é diferente da brasileira. Lá, como aqui, somos ainda muito pautados pela grande mídia. Isso vem mudando aos poucos, mas é quase uma regra. Nas redes sociais, ainda comentamos o que é o assunto “quente” da TV e claro que isso termina gerando esse “consenso fabricado” a que Chomsky se refere. Mas eu diria que estamos no mesmo patamar de alienação, por assim dizer. O diferente, talvez, é que os cidadãos dos EUA não aproveitam a diversidade que possuem no país para mudar a visão que possuem sobre o mundo. Me causou espanto saber que em geral as comunidades não interagem o suficiente para melhorar o nível de compreensão do país sobre o mundo. Se você perguntar a um brasileiro sobre sua visão em relação a um turco, a resposta não deve ser muito diferente de um americano, mas não deveria, por lá ter havido uma imigração recente muito maior que no Brasil.

“Outro modelo de comunicação”

Você fez estágio no MIT e teve aulas na Universidade de Maryland, uma das cinco melhores de jornalismo nos Estados Unidos. Como está o termômetro nessas instituições em relação ao futuro da mídia impressa?

P.R.N. – O cenário é de muita incerteza e a universidade não fica de fora. Tive a oportunidade de visitar grandes corporações como o New York Times, o Washington Post e a ABC e eles temem bastante o futuro do jornalismo com essa explosão dos blogs e da informação fragmentada. Além disso, percebem que os anunciantes estão cada vez mais investindo na internet e em segmentos de mercado, o que faz com que eles busquem novas estratégias. Por exemplo, o Washington Post já comprou um jornal latino, um portal negro e sites de hiperjornalismo. Ou seja, eles querem entender essa nova dinâmica do jornalismo que de longe não é mais o tradicional modelo que tinha como centralidade o conteúdo, grandes anunciantes e o “espaço do leitor”. O fenômeno Huffington Post (portal de blogs que supostamente já ultrapassou o New York Times em acesso) assusta e muito. O clima é de muita preocupação em toda a indústria da mídia dos EUA e as universidades refletem isso.

Você interagiu com pessoas de diversas partes do mundo que atuam no mercado jornalístico. Na troca de experiências resultante desse convívio, que impressão ficou do estado da mídia hoje no planeta?

P.R.N. – É um momento de transição. Se, por um lado, há uma abertura para a comunicação livre como nunca tivemos na história, por meio da internet, por outro as forças do capital buscam a todo momento que isso seja minimizado. Por isso temos projetos de lei sendo discutidos no Brasil e EUA para se contrapor ao modelo do compartilhamento de informações livre que temos hoje. Espero que os movimentos sociais, a comunidade hacker e os setores mais progressistas da sociedade possam impedir qualquer tipo de restrição ao avanço da democratização da mídia. Pude perceber que os desafios para quebrar o paradigma da grande mídia são semelhantes em sua essência, mas diferentes em suas especificidades. A queixa que minha amiga do Zimbábue fazia à mídia estatal daquele país, controlada por Mugabe, era bem diferente do que acontece na África do Sul, onde as reformas não permitiram o aumento da propriedade de mídia aos negros sul-africanos. Enfim, há problemas críticos em diversas partes do mundo, mas a internet parece-me ser a grande niveladora da possibilidade de outro modelo de comunicação.

“Situação vergonhosa”

Hoje os Estados Unidos têm um presidente negro, o que, a princípio, funcionaria como equalizador da questão racial. Que análise você faz desse assunto a partir de sua observação do cotidiano do país?

P.R.N. – Essa é uma questão complexa, pois apesar de Obama ser um presidente negro, a estrutura nos EUA continua sendo caucasiana e isso é um fator importante de ser lembrado. Do ponto de vista simbólico, a eleição de Obama foi de longe o fato mais importante na vida dos afroamericanos depois do fim da segregação na década de 60. Hoje, milhares de jovens negros podem sonhar em ocupar cargos de destaque não só nos EUA, mas em todo o mundo, por conta de Obama. Apesar disso, críticos têm sido duros em questionar o fato de que para não ser chamado de corporativista (no caso, defensor dos negros), Obama vem limitando suas ações nesse campo da igualdade racial. O fato é que a “Black America” continua sofrendo bastante com a opressão racial que mantém os negros na base da pirâmide, apesar dos inegáveis avanços, sobretudo a partir dos anos 90, quando começa a se ampliar a classe média negra lá – algo talvez semelhante ao momento que estamos vivendo no Brasil. Espero que nesse segundo mandato Obama seja mais assertivo ao promover uma agenda de equidade racial. Achei curioso que no momento que no Brasil se questiona a ideia de “democracia racial”, lá nos EUA eles tentam usar o argumento de que agora o país vive em uma era “pós-racial”, o que é uma grande propaganda enganosa, dado os números da violência e pobreza dos negros pouco divulgados aqui.

E como classificaria o espaço que grupos étnicos recebem na grande imprensa americana?

P.R.N. – Eu diria que há ainda muito que avançar, pois apesar de mais representados na mídia, os grupos minoritários ainda sofrem com muitos estereótipos ligados à marginalidade, sexualidade e uma suposta irreverência nata. Mesmo lá, os negros e latinos ainda estão majoritariamente nos papéis de vilões ou de comediantes. Já os indígenas quase não aparecem. Mas a situação no Brasil é ainda mais vergonhosa. Não tem como comparar! Lá há muito mais inserção e diversidade e o Brasil precisa rever o modelo atual da comunicação com urgência.

“Perdemos vários jovens para a criminalidade”

Você interagiu com grupos comunitários e ONGs. Até que ponto o associacionismo, considerado um pilar da vida americana, pode ser considerado uma alternativa para os problemas daquela sociedade?

P.R.N. – Confesso que me espantei com o tamanho da sociedade civil lá. É realmente uma virtude ter um número tão grande de associações, ONGs, sindicatos e demais grupos associativistas. E mais, fiquei impressionado como as pessoas nos EUA estão abertas a doar financeiramente para causas. Fico pensando se um conceito como o crowdfunding (financiamento coletivo), em que as pessoas doam recursos para peças de teatro, filmes, empresas etc., pode dar tão certo no Brasil. Mas lá é algo muito mais natural e certamente é um apoio para ajudar na difícil tarefa da assistência ao cidadão que o Estado, por ser excessivamente burocratizado, por vezes não consegue fazer. Acho que o Brasil possui um terceiro setor também forte, mas do ponto financeiro, por ter regras mais transparentes e uma confiança maior da sociedade, a filantropia por lá é muito mais respeitada.

O Brasil está em alta hoje no planeta. Como está nossa imagem entre os americanos?

P.R.N. – Eu considero muito boa. Há um interesse enorme nas coisas do Brasil, tanto do ponto de vista da cultura, como da economia. É claro que países como China e Índia estão muito mais à frente em seus posicionamentos nos EUA, seja por suas diásporas serem maiores lá, além do alto número de estudantes e pesquisadores, e claro, pelo fato de terem investido em sua promoção. No caso brasileiro, conta positivamente o nosso carisma, o tamanho do nosso mercado e as belezas naturais. Mas, penso que o governo do Brasil não vem explorando muito a nossa imagem no exterior. Por exemplo, como disse um amigo, não seria a hora de termos um Centro Cultural Machado de Assis em cada capital do mundo, assim como o Instituto Cervantes, Goethe ou Aliança Francesa? O Brasil precisa investir mais na promoção cultural.

A propósito, como você viu nosso país a partir da perspectiva americana?

P.R.N. – Vi um país com um enorme potencial desperdiçado. Pode soar clichê, mas efetivamente o Brasil possui várias características que podem levá-lo a um papel de líder global em diversas esferas, como a econômica e cultural. Mas, pelos obstáculos colocados por sermos um país bastante desigual (e racista), isso não se concretiza da forma que poderia. É verdade que nos últimos anos a imagem do Brasil vem melhorando, mas é difícil entender o motivo de nossa música ainda não ser tão conhecida no exterior como deveria, por exemplo. E mais, como explicar que ainda não estamos nem de perto no topo dos países que mais recebem turistas no mundo? As respostas estão ligadas à falta de investimento na educação, o que gera a violência e a perda de talentos. Por dia, perdemos vários jovens em idade produtiva para a criminalidade e pagamos o preço disso.

Universidade negra

Você teve a oportunidade de fazer visitas monitoradas a instituições emblemáticas do jornalismo americano, como o New York Times, o Washington Poste a ABC. Que impressão teve dessas visitas?

P.R.N. – Para mim foi um momento muito emocionante, em primeiro lugar. Pois até mais ou menos 20 anos não imaginava nem mesmo que chegaria a uma universidade, por conta da realidade social onde nasci, então você pode imaginar o que é ter a oportunidade de conversar com o editor mais importante do mais conceituado jornal do mundo, como o New York Times ou visitar uma grande rede de TV, como a ABC. Mas, falando do ponto de vista da visita em si, achei muito interessante perceber que mesmo essas grandes empresas de mídia possuem incertezas quanto a futuro e estão constantemente investindo em pesquisa para saber melhor como será o jornalismo do século 21. Como os americanos são fanáticos por números, em cada conversa eu ficava impressionado com os dados que apresentavam das tendências e mudanças do perfil do público dessas empresas. Não posso deixar de registrar o belo edifício da empresa Bloomberg, especializada em economia, que parece com aqueles cenários de filmes futurísticos com alimentação gratuita em todo o prédio para funcionários e visitantes. Um luxo que poucas empresas podem ter. Foram momentos enriquecedores para minha vida profissional.

Como você descreveria o ambiente acadêmico do qual participou?

P.R.N. – A vida acadêmica nos EUA é um mundo à parte. Realmente o investimento que se faz na educação de nível superior lá é algo impressionante. Tive a oportunidade de passar um tempo no MIT, em Cambridge, e percebi como aquela cidade é movida pelo conhecimento. Vejo que são universidades bastante competitivas e buscam estar antenadas com as tendências globais de seus campos de estudo. Além disso, a liberdade dada ao estudante é muito maior do que temos no Brasil, a começar com a possibilidade de se graduar em áreas totalmente diferentes. Acredito que uma cooperação maior com as universidades de lá possa ser bastante benéfica para o Brasil, assim como tem sido para a Índia e a China.

Quais experiências foram marcantes nesse convívio acadêmico?

P.R.N. – Acho que o fator mais marcante na minha vida acadêmica nos EUA foi fazer um curto, mas intenso, estágio no Media Lab do MIT, que é um centro de excelência em tecnologia, um paraíso para quem gosta de computação, internet e ciência. Ficava impressionado com os projetos que via lá no laboratório, as conferências e as constantes premiações para a inovação a que jovens são expostos. Isso é bem diferente do que vejo aqui no Brasil. Tive a oportunidade de fazer uma apresentação no MIT, sobre meu trabalho no Brasil, para um público seleto de professores, diretores de fundações e hackers. Isso foi muito bom! A outra coisa foi conhecer Howard, uma centenária universidade negra, criada quando aqui ainda havia escravidão e que até hoje forma milhares de jovens negros para diversas áreas. Ver aquela quantidade de jovens negros bem vestidos nas bibliotecas e laboratórios me marcou, pois é justamente o oposto do que vemos no Brasil, onde jovens negros são uma rara minoria, principalmente nas universidades de elite.

Revista sobre empreendedorismo negro

Com as novas plataformas propiciadas pela internet, como os blogs, hoje qualquer pessoa pode dar um furo. De que forma a perda da primazia da informação pela grande mídia é vista nos ambientes jornalísticos pelos quais você passou nos Estados Unidos?

P.R.N. – A preocupação com a qualidade da informação é a mesma que temos no Brasil. A diferença é que lá a profissão de jornalista não é regulamentada. Nos EUA, uma pessoa “está” jornalista e não “é”. No sentido de que enquanto você está atuando em algum veículo, você tem a prerrogativa social de exercer a profissão. Sendo assim, acredito que lá haja uma cultura mais aberta aos blogueiros independentes. O debate lá é que, apesar do número de blogs, sempre vai haver a necessidade de um jornalista para interpretar esse furo que pode vir por vezes de um cidadão comum que poste algo em uma rede social. Ou seja, não se discute o direito ou não de esse cidadão se comunicar, mas sim que em um determinado momento essa notícia precisará ser analisada por um profissional, e essa credibilidade social é dada ao jornalista. Penso que nos EUA há uma liberdade de expressão um pouco maior, mas é claro, limitada por interesses econômicos.

Em termos de qualidade da informação, é possível estabelecer termos comparativos entre os nossos principais jornais e revistas e seus pares americanos?

P.R.N. – Acredito que os veículos nos EUA são mais explícitos em relação as suas preferências políticas e por isso possuem suas legiões de seguidores específicos, como no caso da Fox, declaradamente de direita, ou republicana, e o New York Times, visto como liberal (no sentido americano), ou seja, mais progressista. A eleição de Obama foi uma prova disso. Acredito que isso seja positivo para que as pessoas saibam qual a ideologia estão “comprando”. Por falar nisso, há um projeto bem interessante lá no MIT que estuda colocar uma espécie de tabela informacional, como em alimentos, nos veículos de mídia dizendo o quão liberal ou conservador eles são, para que as pessoas desenvolvam um maior senso crítico ao ler uma notícia.

Quais jornais ou revistas você costumava ler em sua temporada americana? Por que os lia?

P.R.N. – Eu lia muito o Washington Post por estar morando na área de Washington D.C, a revista Wired de tecnologia e títulos da comunidade negra como Ebony e Essence Magazine. Em especial, ganhei de um amigo a assinatura da revista Black Enterprise sobre empreendedorismo negro, o que me deixou muito bem informado sobre o dinâmico mercado afroamericano que movimenta cerca de 1 trilhão de dólares por ano. Essa revista é uma mistura da Pequenas Empresas, Grandes Negócios com a Você S.A no Brasil, com a diferença de ser focada na comunidade negra. Com menos de 5% de executivos negros nas 500 maiores empresas do Brasil, demoraremos um bom tempo para ver um título como esse por aqui.

Faço a mesma pergunta em relação à mídia televisiva.

P.R.N. – Assisti muito aos canais da TV a cabo, que são intermináveis. Há muita opção na TV americana. Em especial, fiquei admirado em ver que existem pelo menos quatro grandes emissoras dedicadas ao público negro de lá. Uma delas, a BET International, foi fundada na década de 80. Há também a TV One, a Bounce TV, em canal aberto, e um novo, o Canal Aspire, que o ex-jogador de basquete Magic Johnson acabou de lançar.

Afora a experiência americana, quais experiências apresentadas por seus colegas de outros países lhe chamaram a atenção? Por quê?

P.R.N. Participar de um grupo internacional de jornalistas de diversas partes do país me fez amar ainda mais o meu trabalho e saber que compartilho ideias e desafios semelhantes com pessoas em outras partes do mundo. Fiquei encantado com histórias contadas por uma amiga que escreve para o jornal Times of India sobre os desafios para superar a pobreza e a corrupção daquele país. Fiquei também encantado com a luta contra a ditadura no Zimbábue. De minha amiga sul-africana, aprendi várias histórias sobre a luta para eliminar o fantasma do apartheid. Aprendi sobre a Ásia e sobre as guerras civis do Nepal. Soube muitos detalhes das questões étnicas dos Balcãs por minha amiga croata e outra da Bósnia. E até mesmo o silêncio de minha amiga chinesa sobre questões políticas já falava muito para mim. Enfim, foram experiências que marcarão minha vida para sempre.

No Brasil, a grande imprensa estabelecida nos grandes centros, como Rio e São Paulo, direciona sua cobertura para o mainstreamcultural e para os bastidores da vida política em Brasília. É como se o restante do país não existisse. Nesse sentido, o que você pôde observar em relação aos Estados Unidos?

P.R.N. – Creio que não seja muito diferente. O nosso “sul maravilha” é a Costa Leste deles, com Nova York, Washington, Boston etc. Há alguns outros centros da notícia, como Atlanta e Los Angeles, mas em geral é muito similar ao Brasil. Você vai ouvir falar muito pouco sobre o Kentucky na mídia dos EUA, assim como é difícil ouvir falar do Acre aqui, a não ser quando se fala de tragédias.

Marco legal para a comunicação

E ainda com relação à questão anterior, como está a saúde dos pequenos jornais nos Estados Unidos? Existe alguma experiência (me refiro a jornal impresso) de êxito de vendas nesse nicho fora dos tentáculos dos grandes conglomerados?

P.R.N. – Na internet, sim. Acredito que o Huffington Post seja o maior exemplo disso, com uma explosão meteórica em poucos anos, sendo o maior blog do mundo em influência. Apesar disso, ele já se fundiu com a AOL e hoje faz parte de um grande grupo. Vejo que a mídia étnica lá consegue sobreviver bem, mesmo em tempos de crise, por falarem o idioma e entenderem as nuances da cultura à qual se dedica. Estudei uma matéria sobre isso e fiquei muito interessado em aprender mais sobre assunto, por isso comprei algumas boas publicações para me ajudar a entender o motivo de a mídia étnica hoje crescer proporcionalmente mais do que a tradicional nos EUA. Uma pista é que até 2050 os caucasianos não serão mais maioria por lá, ou seja, cada vez mais grupos excluídos, como negros, latinos e indígenas, estão ocupando mais espaço e produzindo conteúdo.

No geral, qual o interesse das pessoas pelos jornais nos Estados Unidos? Elas os leem com frequência ou, como em boa parte do mundo, correm para a tevê e para a internet?

P.R.N. – Na minha percepção acho que eles leem muito mais. Era até engraçado pegar o metrô e ver todos lendo algo no tablet, celular ou impresso. Acho que era até um código cultural de não dar margem a conversas com desconhecidos, mas o fato é pelo incrível tamanho do mercado editorial de lá e o sucesso do e-book, não é possível deixar de notar que, em geral, eles adoram ler. Claro que a TV é super usada e as redes sociais da mesma forma.

Depois de concluída sua experiência americana, você está otimista com relação ao mercado da mídia no Brasil?

P.R.N. – Sou uma pessoa otimista sempre e vejo que temos condição de aumentar a qualidade da nossa democracia ao melhorar nossa mídia, democratizando-a e dando voz aos excluídos. Vejo com bons olhos a internet e seu poder de penetração nas diversas classes sociais. Só espero que tenhamos de fato um novo marco legal para a comunicação no qual possamos definir regras, papéis e incentivos para os pequenos produtores de mídia. Ao fazer isso vamos realmente cumprir um papel histórico que pode levar o Brasil a outro patamar como nação emergente.

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[Paulo Lima é jornalista e editor da revista eletrônica Balaio de Notícias]