Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Um princípio esperança para o impresso

Die Zeit é um jornal alemão semanal, conhecido por suas abordagens aprofundadas e pautas inteligentes. Na edição de 22 de novembro, publicou um detalhado dossiê sobre as transformações atuais no jornalismo, tendo como centro a crise do impresso. Na Alemanha, como em todo mundo, vários jornais fecharam suas portas este ano. A crise afeta com mais vigor os veículos locais e comunitários.

O título de capa, “Como o bom jornalismo pode sobreviver”, foi acompanhado por comentários, entrevistas com jornalistas e editores, prognósticos no campo da economia e da cultura. O tom esperançoso predominou, apaziguando o alvoroço apocalíptico que toma conta das redações e bastidores toda vez que algum jornal para de circular.

A Alemanha é o país do “princípio esperança”. Este termo, antes mesmo de ficar conhecido pela obra de Ernst Bloch, já circulava na boca do povo. Mas esperança, aqui, não é ingenuidade, mas a única alternativa para quem acompanha a ruína do mundo e chega ao fundo do poço. Não há escolha senão seguir em frente e reconstruir. Por isso, a esperança alemã é cinza, melancólica e produtiva.

Temos testemunhado, também no Brasil, um jornalismo que descreve com dignidade sua própria agonia. O texto que traduzi e reproduzo abaixo, cuja fonte é o dossiê do Zeit, não conta com minha aprovação completa. Mas cabe aos leitores o julgamento. Deixo-o como mais um exemplo para engrossar o debate que, neste Observatório, já contou com tantas contribuições importantes.

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Ainda há futuro de sobra: sete testes sobre jornalismo

Autores: Götz Hamann e Bernd Ulrich

Tradução: Danielle Naves de Oliveira

Fonte: Die Zeit, 22/11/2012

1. As editoras estão em crise também porque os leitores se transformam. E se os leitores se transformam, há futuro para o bom jornalismo

No centro de nossa atividade, encontram-se o leitor e a leitora. Ambos mudaram, tornaram-se mais sagazes, exigentes, interessantes. Passaram décadas sem ter uma boa alternativa ao jornal impresso. Além disso, especialmente na Alemanha, muitas pessoas se sentiam na obrigação de ler o jornal. Isso rendeu lucro aos editores e, aos jornalistas, uma posição privilegiada: eles podiam ser ousados e, ao mesmo tempo, manterem-se confortáveis; podiam fazer o papel de educador de seus leitores sem, com isso, quebrarem a cabeça sobre o público. Tudo isso é passado. Hoje, os leitores têm alternativas e não se sentem mais compelidos à leitura do jornal; se leem, é por prazer. Leitores que antes se debruçavam sobre veículos de direita, esquerda ou liberais, não se deixam mais levar pelo peso das ideologias – preferem originalidade e individualidade. Eles mudam e sempre mudarão. Têm nível e alta mobilidade. Que grande alegria poder escrever para leitores assim, que estímulo e que tarefa difícil. Eis a nova configuração do jornalismo. No plano das consequências, isso significa: aquele que fizer prescrições ao leitor, irá perdê-lo; aquele que apenas descrever, também. Mas quem tomar parte num diálogo vivo e tiver no leitor um atento interlocutor, esse sobreviverá.

2. Sinergia é histeria. Não sacaneie o seu leitor (ele sempre percebe)

Com a chegada da internet, muitos editores tiveram a esperança de dar continuidade à sua história de sucesso. Decidiu-se, no mundo todo, que os jornais pagos deveriam ter também um portal de notícias gratuito na rede. Contudo, há alguns anos já se sabe que, desse jeito, a conta não confere. Na maioria dos casos, a receita do online não consegue compensar as dificuldades do impresso. Da necessidade, surge então a ideia da sinergia poupadora de custos. Ela não foi vendida como medida de urgência ou redução, mas como o último grito do jornalismo moderno. Para reduzir os custos, as redações do impresso e do online foram unidas. Inclusive veículos do porte do Berliner Zeitung e do Frankfurter Rundschau foram submetidos à fusão.

Em ambas as modalidades, a sinergia não chegou de fato a se ajustar. O caráter do jornalismo impresso é radicalmente diferente do que o do jornalismo de notícias da maioria dos portais. Este último é de reação rápida, a cada hora ou minuto; o primeiro não tem como reagir imediatamente, precisa de pelo menos um dia, uma semana ou mesmo um mês. Um situa-se na inquieta curiosidade do instante; o outro, na ordem. Hoje, essa diferença vale ainda mais do que há dez anos. Dizendo claramente: jornalismo online e impressão são, em muitos aspectos, manifestação completamente diferentes da mesma profissão e, muitas vezes, chegam a ser duas profissões distintas. Normalmente, distinguem-se as profissões de fotógrafo, radialista, escritor, produtor de filmes e quando alguém tenta fazer tudo ao mesmo tempo, não se sai bem. Por esse motivo, também essa forma de sinergia é uma ilusão.

A sinergia em jornais ou revistas geralmente não emplaca porque o jornal não é um mero portador de informação, mas algo que agrega os leitores por meio de credibilidade, autenticidade e identificação. Por exemplo, os leitores do Frankfurter Rundschau sentem-se abandonados e afastados quando o conteúdo do jornal de sua cidade [Frankfurt] passa, de repente, a ser escrito por redatores de outra região, Berlim. É assim que jornais se transformam em produtos de troca, apenas sob nova embalagem. Não se pode, hoje, vender gato por lebre ao leitor, mesmo a menor tentativa será punida. Identidade e sinergia são, deste modo, uma contradição. Por isso, jornais impressos e portais precisam preservar suas almas em vez de correrem atrás de ilusões sinergéticas.

3. Homogeneidade e isolamento – as redações precisam se tornar mais variadas, femininas e internacionais

Na maioria das redações alemãs, há poucas mulheres, poucos imigrantes, principalmente em posições de liderança. Eis um erro, não só por motivos de justiça, mas de qualidade. Jornais têm a tarefa de compreender e apresentar o mundo e, por isso, precisam portar em si mesmos as diferenças da sociedade. Na prática, o mundo lá fora é muito mais variado e emocionante do que dentro das redações. À homogeneidade étnica – hoje, mais do que antigamente – está vinculada também uma homogeneidade social. Durante décadas, profissionais vindos de classes sociais baixas encontraram no jornalismo uma profissão e nela se realizaram com excelência. Hoje, a maioria dos jornalistas vem da classe média – e isso limita os horizontes da experiência. Homogeneidade e isolamento se tornaram, em virtude desses desdobramentos, um grande perigo para o jornalismo, pois produzem o que há de pior, um deus-nos-acuda: o tédio agitado. No entanto, homogeneidade e isolamento podem ainda ser superados com pouco dinheiro e bastante boa vontade.

4. É mais fácil dar corda às espirais provocativas do que rompê-las

Quando a capital da Alemanha ainda se chamava Bonn e ninguém ainda havia dito que governava o país com [publicações do tipo] Bild, BamS ou Glotze, havia jornalistas de direita e de esquerda. Em milésimos de segundo, ambos os lados sabiam identificar se uma sugestão da coalizão partidária CDU tinha algum valor ou se Josef Strauss, genial retórico, conseguiria também ser um bom ministro da defesa. O nome Strauss foi escolhido aqui, aleatoriamente, para substituir nomes políticos que mandavam na época, como Herbert Werner, Willy Brandt e Helmut Kohl. Sob tais condições, as espirais provocativas não eram nem metade do que são hoje. A provocação dificilmente passava do campo da direita para o da esquerda e, quando sim, com sinais trocados.

Hoje isso é diferente. Os campos se dissolveram. Os jornalistas mostram-se bastante uniformes diante de seus objetos de reportagem. Tentar romper com essa posição fundamental, através de alianças com um único jornalista ou veículo, é sinal de não ter compreendido a paisagem mediática atual. Dirigentes partidários e políticos estão ao alcance dos meios de comunicação e, podem, da noite para o dia, virar caça. E a questão é saber se aquele que lançou a espiral provocativa conseguirá sair dela ileso. Para os jornalistas, a dificuldade está não ultrapassar a fronteira rumo aos comentários escandalosos. Não colocar mais lenha na fogueira e, ao mesmo tempo, não recuar por compaixão ou acanhamento. Mas: a longo prazo, a espiral provocativa é danosa não só aos políticos, mas também aos jornais. Trata-se de um jornalismo que se comporta como se não houvesse amanhã.

5. Quem paga, leva – e quem aceita o convite sem dar satisfações ao leitor, cria um problema em vez de resolver

Para quem está de fora é difícil imaginar, mas trata-se de um dos principais pontos fracos de muitas redações: os orçamentos para pesquisas e viagens de reportagem são insuficientes, pequenos demais. Muitos editores reagiram à globalização diminuindo o número de correspondentes. Viagens internacionais? Acontecem, na maioria das vezes, apenas com o patrocínio daquele que é tema da matéria. A viagem de imprensa, que antigamente chegou ao status de mau hábito e utilizada como fonte de lazer, hoje é condição necessária à cobertura. Claro que viagens podem ser justificadamente organizadas e pagas por políticos, empresas e instituições; no entanto, o ideal é que elas sejam financiadas pelo veículo jornalístico. Quando isso não for possível, deve-se lançar um debate sobre o melhor modo de as redações levarem esse tipo de patrocínio ao conhecimento do público.

6. Jornalismo sem pesquisa não é jornalismo – além de indigno do leitor

É inerente à figura do jornalista que ele faça pesquisas e desenvolva uma imagem própria do mundo. Assim se fundamenta seu papel social: ora ele é observador ou guardião, ora gatekeeper ou, mais recentemente, algo que pode se chamar de curador. Porém, cada vez mais a realidade faz do redator um assalariado que, colado em sua cadeira, reescreve textos pré-fabricados, monta colagens, copia coisas de terceiros e trabalha para vários veículos, sejam eles impressos ou online. Esse tipo de trabalho não tem valor para o leitor e, como jornalismo, é duramente punido, pois seu custo na banca é apenas de alguns centavos e, na rede, não tem a mínima chance de leitura. A pesquisa dos fatos precisa de tempo e é uma pena quando a pesquisa é impedida pelo próprio o objeto da reportagem.

7. O futuro ainda é longo

Haverá, em vinte ou trinta anos ainda carros? Facebook? iPhones? Não sabemos. Haverá, em vinte ou trinta anos, jornais? Também não sabemos. Mas o que sabemos é: daqui a duas ou três décadas, as pessoas ainda precisarão se locomover, por isso terão algum meio de transporte. Igualmente, as pessoas ainda não conseguirão se informar sobre todos os assuntos por contra própria, muitos não vão querer ter o trabalho de selecionar tudo e, por consequência, existirão pessoas cujo trabalho será auxiliá-las nisso. Provavelmente, esses profissionais serão chamados de jornalistas. Enquanto houver palavras, haverá jornalismo para escrevê-las. E essa profissão continuará sendo umas das mais bonitas do mundo.

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[Danielle Naves de Oliveira é jornalista e doutora em Ciências da Comunicação]