Falta pouco para a imprensa nacional e o jornalismo brasileiro celebrarem um notável bicententário. Em janeiro de 2013, completam-se os 200 anos de criação do periódico O Patriota – Jornal Litterario, Político, Mercantil, & C., publicado pela Impressão Régia. Este órgão – hoje denominado Imprensa Nacional, que tantos serviços prestou e presta à nação, foi também precursor com essa publicação, ou seja, de seus prelos saiu o primeiro jornal brasileiro a publicar, ao mesmo tempo, artigos literários, científicos, políticos e mercantis. Saíram das rudimentares impressoras 18 números, circulação que se estendeu até dezembro de 1814.
Para se ter uma ideia da importância de O Patriota basta dizer que ele representou o surgimento do primeiro periódico com foco na difusão do conhecimento científico. Trouxe notável contribuição iconográfica (gravuras, quadros e tabelas) e abordou, em artigos densos e analíticos, temas sobre botânica, zoologia, filosofia, cartografia, viagens, literatura, história, medicina, matemática, química, topografia, hidráulica e navegação. Foi o primeiro jornal no Brasil a apresentar ilustrações.
Nélson Werneck Sodré e, sobretudo, Carlos Rizzini, dois dos maiores historiadores da imprensa brasileira, reconheceram a importância de O Patriota. Rizzini afirmou, com ênfase, que a publicação foi a melhor do gênero não só da Colônia, mas também do Reino e da Regência. Pode-se afirmar, por outro lado, que O Patriota foi arejado pelos ventos do Iluminismo do século 18, mas com uma conformação intelectual marcada pelo liberalismo pós-Revolução Francesa. Esse contexto, como se sabe, não existia no Brasil. Mas os jornalistas, colaboradores e editor do periódico tinham já consciência da conjuntura em transição, da crise.
Esses intelectuais eram, basicamente, integrantes do círculo do mecenato de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, conde de Linhares, considerado o grande cérebro do período colonial e que faleceu um ano antes da publicação de O Patriota. Foi ele, o conde de Linhares, quem redigiu o decreto de criação da Impressão Régia.
Modelo e inspiração
O editor do jornal era o baiano Manuel Ferreira de Araújo Guimarães (1777-1838), o primeiro jornalista profissional do Brasil. Era um dos eminentes integrantes de uma plêiade de letrados luso-brasileiros. Dela constavam ainda o nome do filósofo Silvestre Pinheiro Ferreira e nomes da geração que influenciaria, uma década depois, a independência do Brasil: o paulista José Bonifácio de Andrada e Silva, o baiano Domingos Borges de Barros (futuro visconde de Pedra Branca); o fluminense Mariano Pereira da Fonseca (futuro marquês de Maricá) – tesoureiro da Impressão Régia e da Fábrica de Pólvora no período de 1808 a 1821 –, o mineiro Manuel Inácio da Silva Alvarenga, José Bernardes de Castro, Camilo Martins Lage, Francisco de Borja Garção Stockler (barão de Vila da Praia), Pedro Francisco Xavier de Brito, José da Silva Lisboa (o futuro visconde de Cairu) e seu filho Bento da Silva Lisboa, José Saturnino da Costa Pereira, irmão de Hipólito José da Costa, o patriarca do jornalismo brasileiro.
Foi em O Patriota que o marquês de Maricá começou, em 1813, a publicar “Máximas, Pensamentos e Reflexões, sob o pseudônimo “Um Brasileiro”. Todos escreviam em O Patriota. E mais Antônio Araújo de Azevedo, conde da Barca, tão importante para a Imprensa Nacional e para o Brasil, afinal foi ele o responsável pela chegada às nossas terras da primeira tipografia, que deu origem à Impressão Régia. No prospecto de lançamento do jornal, o editor Araújo Guimarães – redator da Gazeta do Rio de Janeiro e fundador de Espelho – convoca os “sábios de nosso paiz” a publicar e a consolidar um espaço público das letras e das ciências. Esse texto foi impresso na Impressão Régia, e, hoje, está no acervo da Fundação Biblioteca Nacional.
O jornal era bem diferente em relação aos que folheamos todo dia. Fisicamente falando, tinha característica de revista. Tinha uma média de 110 a 130 páginas por edição. A circulação foi inicialmente mensal, e, depois, bimensal. Era financiado por 163 assinantes. A pedido da Casa de Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro, a Biblioteca Nacional digitalizou todas as 18 edições de O Patriota.
O Patriota teve um papel precursor na difusão das Luzes no Império luso-brasileiro. Foi, como lembra a estudiosa da publicação Roberta Felix da Silva, “uma das manifestações iniciais para a consolidação de uma esfera intelectual, que já estruturada mais tarde, abrigaria as discussões sobre 1822”. Já a pesquisadora Tânia Maria Bessone da Cruz Ferreira diz, no livro Iluminismo e Império no Brasil – O Patriota (1813 – 1814), que o jornal “foi um momento muito importante na imprensa brasileira, pois lançou raízes como periódico de grande credibilidade, tornando-se um modelo e uma inspiração”.
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[Pedro Paulo Tavares de Oliveira é jornalista, Brasília, DF]