No ano passado, o Jornal Pessoal me possibilitou receber dois prêmios: o Vladimir Herzog e o da Imprensa Estrangeira. Um amigo (da onça?) me questionou sobre minha coerência. Eu dissera que não disputaria novos prêmios. Como então recebia logo dois?
Não foi por dinheiro, como deduziu esse amigo. Nenhum dos dois prêmios é em moeda – do país ou do exterior. Para nenhum deles me apresentei como concorrente. Fui apenas consultado sobre o momento seguinte ao da escolha: se iria a São Paulo e ao Rio de Janeiro receber a honraria, a mim atribuída por decisão dos conselhos de cada um dos dois prêmios. Eu não disputei nada, mas a generosa e sensibilizadora lembrança me animou a aceitar a iniciativa.
A última, da Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira no Brasil (ACIE), foi particularmente surpreendente. Ela é dada “ao jornalista brasileiro que mais se tenha destacado no ano”. Representantes de 91 veículos de comunicação de 22 países decidiram a escolha. Ao receber a plaqueta, no Rio, percebi a sua significação.
Até 2003 o prêmio ficou mais com autoridades do que com jornalistas: de 24 personalidades premiadas, apenas seis eram de fato jornalistas. Ministros, políticos, artistas, ativistas sociais e até o ex-presidente Lula foram escolhidos. De 2004 até agora, porém, o prêmio voltou às origens: todos os premiados foram jornalistas, profissionais com destaque na imprensa nacional, como Míriam Leitão, Alberto Dines, Mino Carta e Zuenir Ventura.
No dia 13 de dezembro do ano passado fui o primeiro jornalista da Amazônia a ser premiado. A entrega da plaqueta ocorreu numa data feliz: uma nova diretoria assumiu o comando da ACIE e a entidade lançou o seu anuário, publicação eclética de 146 páginas. Ela conta com mais de 283 sócios efetivos, representando 91 empresas jornalísticas de 22 países.
Deve ser um número recorde em matéria de cobertura internacional do Brasil e, quem sabe, da América Latina. Confirma o crescente interesse mundial pelo nosso país e a melhor informação que se está procurando. Nenhum jornal ou qualquer órgão da imprensa voltará a declarar Buenos Aires como a capital brasileira.
Amazônia incógnita
A maioria dos correspondentes estrangeiros (162 jornalistas) está agora baseada em São Paulo. O centro econômico-financeiro nacional desbancou o Rio de Janeiro (que abriga 99 correspondentes) como a base principal de trabalho.
Essa mudança se deve certamente à importância econômica que o Brasil assumiu nos últimos tempos, embora tenha perdido nesta semana a tão custosa e demorada sexta posição no ranking internacional para o Reino Unido, situação sobre a qual gente do governo, como o panglossiano ministro Guido Mantega, devia refletir melhor.
Brasília sedia apenas 22 representantes da imprensa estrangeira, sem dúvida por preferirem as fontes diretas das principais notícias do que a burocracia no poder. A versão oficial perdeu boa parte da sua credibilidade anterior. E os chineses, não por acaso, são os mais interessados em acompanhar o país que lhes fornece matérias-primas e insumos básicos fundamentais. A agência estatal de notícias da China tem efetivo menor apenas do que a Associated Press e a Reuters. Mas deverá ultrapassá-las nos próximos anos.
No encontro no Rio. disse aos presentes que me considerava mais um deles. A Amazônia é tão longe, tão distinta do Brasil e é assolada por problemas tão antigos, que viraram memória em lugares mais civilizados do mundo, e ao mesmo tempo tão vanguardistas, que também me sentia como correspondente no estrangeiro.
A pauta amazônica inclui itens como matanças de índios, trabalho escravo, conflitos de terras, destruição maciça da natureza, o maior trem de carga do mundo, a maior fábrica de alumina, a quarta maior hidrelétrica que existe, e etc. e etc.. Situações paradoxais e conflitantes, que raramente são referidas na grande imprensa nacional. Se falta o conhecimento, a desinformação ou a ignorância predominam. Para o Brasil, no apurar das contas, a Amazônia é uma desconhecida para o Brasil.
A acolhida ao discurso que fiz levou o jornalista Lucas Mendes a fazer um comentário a respeito da minha premiação e do meu trabalho (quase como correspondente brasileiro de guerra) no programa Manhattan Connection, que é transmitido de Nova York pela Globo News.
Talvez tenha sido a primeira vez que os clientes da ORM Cabo, que retransmite o programa em Belém, me tenham visto no ar. Verão de novo? Se depender dos donos da TV a cabo, não. Meu nome não pode aparecer nos seus veículos de comunicação. Mesmo que meu Jornal Pessoal divulgue fatos de inquestionável interesse público, os profissionais do império de comunicações da família Maiorana são obrigados a me ignorar.
Não é uma atitude sensata, além de entrar em contradição com a linha editorial que a Rede Globo tem procurado adotar e estimular que seja seguida pelos seus afiliados, como o grupo Liberal no Pará. Mas pelo menos os temas deviam ser retirados desse índex medieval.
O resultado dessa cegueira imposta é que não só os brasileiros não conhecem a Amazônia: ela também é uma incógnita para os seus próprios habitantes. A imprensa não se presta ao trabalho de fazer a apresentação.
“Símbolo de resistência”
Ver jornalista do porte de Lucas Mendes se interessar, a partir de Nova York, pelo que faz um repórter do front amazônico, dá uma sensação ao mesmo tempo estranha e reconfortadora.
Confirma uma noção que às vezes se torna fantasiosa: de que o mundo gira e a Lusitana roda independentemente dos que se consideram donos da maior fronteira dos recursos naturais do planeta, como se fossem senhores feudais, de baraço e cutelo, com direito sobre a vida e a morte, a fala e o silêncio, o pensamento e o vazio.
Ainda bem que o mundo é maior – e mais atento. Na rede mundial de computadores, a comunicação que fiz da premiação, no portal do Yahoo, recebeu comentários de pessoas de várias partes do país, que muito me animaram. Reproduzo algumas delas para dividir, com os leitores, minha alegria.
Algumas das mensagens enviadas ao Yahoo:
>> MJ SP – Prêmios sempre me cheiram picaretagem. Porém, desta vez, extremamente justo. Parabéns.
>> Patrícia – Você é um guerreiro, sempre foi hostilizado em sua própria terra. Merece este prêmio mais que ninguém.
>> Casca Grossa – Parabéns, Lúcio. Você é o grito da Amazônia. Te aplaudimos, aqui da Bahia. Não desista nunca.
>>Messiasil – Parabéns Lúcio Flávio, és nosso “David”, “água mole que fura”. Sucesso maior para o JP!
>> Aderson – Parabéns Lúcio Flávio. Sou grande admirador e leitor assíduo do seu Jornal Pessoal. Muito merecido o seu reconhecimento nesse nível
>> Jabez – Há muito merecido. Um dos poucos que retratam nosso mundo – a Amazônia – como quase ninguém vê.
>> Fernando – Parabéns Lucio Flavio! Pelo premio e pelas críticas. Estamos em 2012, mas parece que a gestão publica de nossa região ainda está no período colonial.
>> Vera Lucia – Parabéns Lucio Flávio por esse prêmio pra lá de merecido. Sou uma leitora assídua de seus artigos aqui no Yahoo e sempre os envio para minha rede social. Só fiquei triste por não ter assistido ao Manhattan Connection quando Lucas Mendes mencionou seu trabalho. Já trabalhei em assessoria de imprensa de um órgão público federal, e seu viés jornalístico é realmente super relevante neste país que desconhece completamente a Amazônia.
>> Gessandro – A sociedade paraense fica feliz pelo seu sucesso. Pelo menos a sociedade de bem do Pará.
>> Dokavisi Ferreira – O prêmio vele pelo esforço de Lúcio Flávio em defender os interesses da sociedade amazônica e, por que não, do Brasil.
>> Gleydson – Prêmio mais do que merecido. Muita gente não faz ideia da importância do seu trabalho em prol da Amazônia, mas nós paraenses o conhecemos e o admiramos. Sucesso a você e ao Jornal Pessoal, que eu leio assiduamente!
>> Heleny – Parabéns. Gosto da fluidez de teus textos e da seriedade dos temas, espero que mais pessoas ti leiam.
>> Wander – Aqui em Minas torcemos por você.
>> Cláudio – Mocorongos e papa chibés se orgulham de tê-lo como um jornalista sério e corajoso (é isso que esperamos de jornalistas). Continue na luta, pois você não está só!
>> Gleydiane – Você é um orgulho para todos os amazônidas. Os poderosos podem querer te calar, mas o povoo é contigo.
>> Adilson Viana, de Breves – Você merece por ser um símbolo de resistência contra a imprensa mal feita, desonesta, sensacionalista, inescrupulosa, e "pessoal".
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[Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)]