Inflação em alta e Petrobras em baixa foram grandes temas nos dias anteriores ao Carnaval. Mas a continuação dos dois assuntos ainda ocupou bom espaço nas primeiras páginas de sábado (9/2), ao lado de fotos dos primeiros desfiles de escolas de samba.
“Mantega fala em piso para o dólar e agita o mercado”, informou em manchete a Folha de S.Paulo, ao lado da imagem de uma sambista da Rosas de Ouro. O Estado de S.Paulo exibiu uma foto da Acadêmicos do Tatuapé e noticiou logo abaixo: “Declaração de Mantega obriga o BC a agir para segurar o dólar”. No mesmo dia o Estadão dedicou uns três quartos de página, no caderno de “Economia”, ao endividamento da Petrobras e aos projetos, ainda em estudos, de refinarias no Ceará e no Maranhão.
A confusão no mercado cambial foi um desdobramento da história da inflação. Numa declaração à agência Reuters, o ministro da Fazenda havia mencionado a cotação de R$ 1,85 por dólar, como se fosse um piso. O mercado reagiu derrubando a moeda americana e a autoridade monetária entrou em cena para conter a queda.
A declaração de Mantega havia exacerbado a expectativa de uma pressão oficial contra o dólar, baseada num raciocínio muito simples: se a inflação está muito alta e o BC ainda evita elevar os juros, resta às autoridades, de imediato, intervir no câmbio para conter os preços. A afirmação do ministro pode ter sido uma trapalhada, mas estava em sintonia com as preocupações dominantes no setor financeiro.
Costume antigo
Na sexta-feira (8), a inflação havia sido o grande assunto econômico da maior parte dos jornais. Em janeiro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), referência principal para a política monetária, havia subido 0,86%, a maior taxa mensal desde abril de 2005. A alta acumulada em 12 meses havia chegado a 6,15%, muito perto do limite de tolerância fixado pelas autoridades – 6,5%. Em declaração à colunista Miriam Leitão, divulgada no site do Globo, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, havia descrito a situação como desconfortável.
Alguns analistas entenderam essas palavras como um sinal de possível mudança na política de juros e esse detalhe foi destacado pelos jornais. Mas o sinal ainda era duvidoso, porque Tombini insistia em prever um recuo da inflação no segundo semestre. Daí a dúvida: se houvesse alguma ação imediata, seria no câmbio? Esse havia sido o procedimento padrão desde o fim do ano.
Além de amplo, o noticiário foi um pouco mais fundo que de costume na discussão do problema. Desta vez, os redatores deram mais atenção a um detalhe frequentemente ignorado ou menosprezado em coberturas anteriores: o grau de contágio da alta de preços. O índice de difusão bateu em 75%. Traduzindo: houve aumentos em três quartos dos itens cobertos pela pesquisa do IPCA.
“Não é só uma questão de itens específicos subindo e causando essa pressão, mas sim uma alta bem generalizada e que mostra que o Banco Central tem motivos, mesmo, para estar desconfortável”, disse um economista citado pelo Estadão. A Folha mencionou esse detalhe logo abaixo do título principal, no caderno “Mercado”. O Valor destacou no título a elevação de “mais de 70%” dos preços.
Nos 12 meses anteriores, em várias ocasiões o índice de difusão esteve na vizinhança de 66% e em alguns meses superou essa marca, mas esse ponto raramente foi valorizado nas coberturas. De alguma forma, prevaleceu o velho costume de indicar os famigerados vilões da inflação, como se uma alta de preços disseminada por dois terços dos itens fosse explicável apenas pelo encarecimento de alguns produtos.
Safra recorde
Um esforço considerável foi dedicado também à cobertura do balanço da Petrobras. Em 2012 o lucro líquido foi 36% menor que no ano anterior e isso, naturalmente, repercutiu no mercado de ações. Mas os detalhes mais importantes da história foram outros. Era preciso explicar a piora dos resultados financeiros da empresa e indicar suas perspectivas. A presidente da estatal, Graça Foster, e o diretor financeiro, Almir Barbassa, comentaram os dados com uma franqueza notável e indicaram novas dificuldades à frente neste ano. De modo geral, os jornais aproveitaram bem o material e poderiam ter ido mais longe na explicação, se recuassem alguns anos na coleta de informações e, especialmente, de decisões perigosas.
O Estadão continuou explorando o assunto nos dias seguintes. No sábado (9), noticiou um alerta da presidente Graça Foster ao ministro da Fazenda, presidente do Conselho de Administração da estatal, sobre o endividamento da empresa e o risco de rebaixamento por alguma agência de classificação. Na mesma página, o governador do Ceará, Cid Gomes, aparece reclamando à presidente Dilma Rousseff contra a demora do início das obras de uma refinaria no seu estado. Sem menção desse detalhe no texto, o episódio é um bom exemplo de como a política pode interferir na gestão da empresa e comprometer suas condições financeiras e sua capacidade de realizar os investimentos mais necessários.
Fora das grandes coberturas datadas e obrigatórias, o primeiro grande lance da semana foi a informação, divulgada na quarta-feira (6/2) pelo Estado de S.Paulo, de um novo mecanismo inventado no Ministério da Fazenda para facilitar o cumprimento contábil da meta fiscal. Os outros jornais entraram na cobertura do tema nos dias seguintes. Na quinta-feira, em mais uma antecipação, o Valor chamou a atenção para as dificuldades de armazenagem de uma nova safra recorde de grãos, estimada em 185 milhões de toneladas pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
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[Rolf Kuntz é jornalista]