A presidente Dilma Rousseff cortou tributos sobre a cesta básica de alimentos e produtos de higiene. Se toda redução for repassada aos consumidores, haverá quedas de preços entre 9,25% e 12,5%. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, recebeu a missão de convencer os empresários do varejo a colaborar. A desoneração custará ao Tesouro cerca de R$ 5,5 bilhões em 2013 e R$ 7,4 bilhões, em 12 meses. Isso todos os jornais publicaram, com pouca diferença em relação ao noticiário da TV. Até aí, nenhuma dúvida muito importante e nenhuma crítica séria. A iniciativa deixa o Brasil mais próximo de países com tributação muito menor sobre a comida. Se os jornais ficaram devendo alguma informação relevante, foi em outro ponto.
Todos mencionaram, também, o interesse da presidente em conter a inflação. Segundo o Estado de S.Paulo, a ideia inicial era anunciar a redução de tributos em 1º de maio. De acordo com essa versão, a novidade foi antecipada para 8 de março, Dia da Internacional da Mulher, por causa da alta dos preços ao consumidor no primeiro bimestre. Embora o aumento mensal do IPCA, a taxa oficial, tenha recuado de 0,86% em janeiro para 0,60% em fevereiro, o acumulado em 12 meses chegou a 6,31%, muito perto do limite superior da faixa de tolerância (5,5%).
Com a desoneração da cesta, o governo poderá cortar 0,60 ponto porcentual do resultado final de 2013. Política anti-inflacionária? Este é o ponto mais importante ignorado, pelo menos até sábado (9/3), na parte noticiosa dos jornais. Faltou abrir espaço para uma discussão seria do assunto.
E depois?
Segundo todo o noticiário, o governo tem tratado a administração de preços como política de combate à inflação. Isso inclui várias formas de intervenção, como o controle de preços da gasolina e do diesel, a redução das tarifas de energia, por meio de mecanismos complexos de imposição e de negociação, e a desoneração fiscal de vários produtos. Há, em termos econômicos, uma diferença importante entre a redução de preços por meio desses mecanismos e o combate à inflação.
No curto prazo, essas iniciativas resultam numa contenção dos índices. Em fevereiro, por exemplo, o IPCA e outros indicadores de inflação foram fortemente afetados pela redução da conta de luz. Essa redução cortou 0,48 ponto porcentual do IPCA e contribuiu para reduzi-lo a 0,60%. Sem esse benefício, o IPC-Fipe, apurado no município de São Paulo, teria subido 0,43% em vez de 0,22% em fevereiro. Mas qual o alcance dessas reduções? Ou, inversamente, qual seria o efeito inflacionário de um aumento de qualquer desses preços ou tarifas?
O aumento de um preço, ou de alguns preços, altera a relação entre valores, mas é insuficiente para causar um aumento generalizado de preços, em geral caracterizado por um processo de realimentação. Essa possibilidade depende de vários fatores, como a expansão do crédito, o aumento do gasto público, o nível de emprego, a evolução da massa de rendimentos, o descompasso entre demanda e oferta e, é claro, a disposição dos indivíduos de gastar ou de economizar.
Elevação de custos pode iniciar um ciclo inflacionário, mas só se for possível o repasse dos aumentos. Sem isso, algumas pessoas serão prejudicadas, mas a cadeia de remarcações será curta.
Desonerações podem ser muito boas para os consumidores, ou para uma parte deles, mas política inflacionária é outra coisa. Cortes de alguns preços podem conter, por algum tempo, o avanço dos índices de inflação. No caso da cesta básica, o governo estima para este ano uma redução de 0,60 ponto de porcentagem no cálculo final do IPCA. E depois? Se os fatores inflacionários permanecerem, o nível geral de preços voltará a subir. Essa foi a advertência divulgada na sexta-feira (8/3) pela Fundação Getúlio Vargas, ao publicar o primeiro IPC-S de março.
Taxa básica
O IPC-S é um índice atualizado semanalmente e sempre relativo a um período mensal. Na primeira quadrissemana do mês, o indicador subiu 0,52%, bem mais que no fechamento de fevereiro, quando havia ficado em 0,33%. Explicação: o efeito estatístico da redução da conta de luz começava a esgotar-se e os índices retornavam ao ritmo “normal”. Essa foi uma das notícias econômicas mais significativas daquele dia, mas foi ignorada, de modo geral, nos grandes jornais. Afinal, para que dar atenção a um mísero IPC-S quando há tantos outros dados atraentes sobre a inflação?
Será interessante acompanhar, nos próximos meses, o efeito combinado das pressões inflacionárias ainda sensíveis no Brasil e das desonerações proporcionadas pela política oficial – e, naturalmente, observar a evolução dos indicadores no médio prazo. O jogo poderá ser alterado se o Banco Central decidir, na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), elevar de novo a taxa básica de juros como resposta à inflação. Mas isso dependerá de um entendimento com a presidente da República.
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Rolf Kuntz é jornalista