Nos últimos 15 meses, adquirimos 28 jornais diários por um total de US$ 344 milhões. Isso pode intrigá-los por dois motivos. Primeiro: há muito tempo venho dizendo, em cartas e em nossa assembleia anual de acionistas, que a circulação, faturamento publicitário e lucro do setor jornalístico como um todo estão destinados a cair. Essa previsão continua válida.
Segundo: as propriedades que compramos ficam abaixo de nossos requisitos de tamanho para aquisições. Podemos tratar do segundo ponto com facilidade.
Eu e Charlie [Munger, sócio de Buffett] amamos jornais. Se a sua situação econômica da publicação faz sentido, nós a compraremos mesmo que fique muito abaixo do limite de tamanho que requereríamos para, por exemplo, adquirir uma companhia que produza widgets [pequenos aplicativos, como relógio, calendário e previsão de tempo]. Já tratar do primeiro ponto requer que eu ofereça uma explicação mais elaborada, que incluirá dados históricos.
Notícias, para definir com simplicidade, são aquilo que as pessoas não sabem que desejarão saber. E as pessoas buscam suas notícias – aquilo que é importante para elas – nas fontes que ofereçam a melhor combinação possível entre imediatismo, facilidade de acesso, confiabilidade, abrangência e baixo custo. A importância relativa desses fatores varia de acordo com a natureza das notícias e da pessoa que as deseje.
Sem substituto
Antes da televisão e da internet, os jornais eram a fonte primária de uma incrível variedade de notícias, fato que os tornava indispensáveis para porcentagem muito elevada da população. Quer os interesses do leitor fossem internacionais, nacionais, locais, esportivos ou financeiros, seu jornal usualmente seria o primeiro a lhe fornecer as mais recentes informações.
De fato, um jornal continha tanta informação interessante para o leitor que comprá-lo sempre valia o investimento, mesmo que apenas algumas poucas páginas atendessem ao interesse específico de um leitor individual. O melhor é que tipicamente os anunciantes arcavam com a maior parte do custo de produção, e os leitores se beneficiavam disso.
Além disso, os anúncios exibiam informações de interesse vital para legiões de leitores, e, na prática, ofereciam ainda mais “notícias”.
Os editores provavelmente farão uma careta diante dessa afirmação, mas para muitos leitores descobrir que apartamentos ou empregos estavam disponíveis, que supermercados estavam oferecendo promoções de final de semana ou que filmes estavam em cartaz, onde e em que horários, podia ser muito mais importante do que as opiniões expressadas na página de editoriais.
E o jornal local, por sua vez, era indispensável para os anunciantes. Se a Sears ou a Safeway construísse uma loja em Omaha, seria preciso um “megafone” para informar aos moradores por que eles deveriam visitar essas lojas.
As grandes lojas de departamento e os grandes supermercados brigavam para superar os rivais com anúncios de múltiplas páginas, sabedores de que os produtos anunciados encontrariam vendas aceleradas. Já que não existia qualquer outro megafone comparável ao oferecido pelos jornais, estes não precisavam se esforçar para vender anúncios.
Enquanto um jornal fosse o único em sua comunidade, era certo que os seus lucros seriam extraordinários, e não fazia diferença se fosse bem ou mal administrado –como confessou um grande proprietário de jornais do sul dos Estados Unidos em uma declaração famosa: “devo minha posição na vida a duas grandes instituições norte-americanas: o nepotismo e o monopólio”.
Ao longo dos anos, a maior parte das cidades passaram a contar apenas com um jornal – ou dois jornais concorrentes, que terminariam por unir forças e operar como entidade econômica unificada. Essa contração era inevitável porque a maioria das pessoas só queria ler e pagar por um jornal. Nos casos em que existia concorrência, o jornal que obtivesse vantagem clara na circulação recebia quase automaticamente a maioria dos anúncios.
Anúncios atraíam leitores, e leitores atraíam anúncios. Esse processo simbiótico condenava o jornal menor à extinção, e se tornou conhecido como “a sobrevivência dos mais adiposos”.
Agora o mundo mudou. Cotações de ações e os detalhes dos eventos esportivos nacionais já se tornaram notícia muito antes que as rotativas comecem a girar. A internet oferece informações extensas sobre os empregos e as casas disponíveis em cada mercado.
A televisão bombardeia os telespectadores com notícias políticas, nacionais e internacionais. Em uma área de interesse após a outra, os jornais perderam, portanto, a sua “primazia”. E, com a queda de suas audiências, caiu também sua receita publicitária – o faturamento dos classificados de empregos, por muito tempo uma imensa fonte de renda para os jornais, caiu em mais de 90% nos 12 últimos anos.
No entanto, os jornais continuam a reinar na veiculação de notícias locais. Se você deseja saber o que está acontecendo em sua cidade – notícias sobre o prefeito, impostos locais ou o resultado do time de futebol americano da escola secundária –, não há substituto para um jornal local que esteja fazendo bem o seu trabalho.
Jornais indispensáveis
Um leitor pode facilmente se entediar depois de ler dois parágrafos sobre as tarifas canadenses ou os desdobramentos políticos no Paquistão, mas uma reportagem que fale sobre ele e seus vizinhos será lida até o fim.
Onde quer que exista um senso bem disseminado de comunidade, um jornal que atenda às necessidades especiais de informação daquele local continuará a ser indispensável para proporção significativa dos moradores.
Porém, mesmo um produto valioso pode se autodestruir caso adote uma estratégia de negócios incorreta. E esse processo esteve em curso nos últimos dez anos em quase todos os jornais, não importa o tamanho. As empresas que os controlam –entre as quais a Berkshire Hathaway, em Buffalo– ofereciam seu conteúdo gratuitamente na internet enquanto cobravam somas consideráveis pelos exemplares em papel.
Como isso poderia levar a outra coisa que não uma forte e firme queda nas vendas da versão em papel? Sob essas condições, o “círculo virtuoso” do passado se reverte.
O Wall Street Journal adotou desde cedo um modelo de acesso pago. Mas o principal exemplo para os jornais locais é o Arkansas Democrat-Gazette, controlado por Walter Hussman Jr. Walter também adotou cedo um formato de acesso pago, e nos dez últimos anos sua publicação manteve a circulação de maneira muito superior a qualquer outro grande jornal dos Estados Unidos.
A despeito do exemplo excelente oferecido de Walter, foi apenas no último ano ou pouco mais que outros jornais, incluindo os da Berkshire Hathaway, passaram a experimentar arranjos para acesso pago. O modelo que funcionar melhor – e a resposta quanto a isso não está clara – será amplamente copiado.
Charlie e eu acreditamos que jornais que ofereçam informação abrangente e confiável a comunidades bem integradas e tenham uma estratégia sensata de Internet continuarão viáveis por muito tempo. Não acreditamos que o sucesso virá por meio de cortes do conteúdo noticioso ou redução na frequência de publicação.
De fato, uma cobertura fraca das notícias resultará em base de leitores fraca. E a publicação em periodicidade que não seja diária, algo que vem sendo tentado em algumas grandes cidades e metrópoles, certamente deve diminuir a relevância dos jornais com o passar do tempo, embora possa talvez propiciar melhores lucros em curto prazo.
Nosso objetivo é manter os nossos jornais bem recheados de conteúdo que interesse aos leitores, e receber pagamento adequado daqueles que nos considerem úteis, quer o produto que consomem esteja em suas mãos ou na internet.
Nossa confiança é reforçada pela disponibilidade da excelente equipe de gestão de Terry Kroeger no Omaha World-Herald, um time com capacidade para gerir um grande grupo de jornais.
Os jornais individuais, porém, serão independentes em sua cobertura noticiosa e opiniões editoriais – votei em [Barack] Obama; de nossos 12 diários que expressaram apoio a um candidato presidencial, 10 optaram por [Mitt] Romney.
Nossos jornais certamente não estão isolados das forças que vêm causando queda de receita. Ainda assim, os seis pequenos diários que estiveram sob o nosso controle por todo o ano de 2012 não perderam faturamento no período, resultado muito superior ao experimentado pelos diários das grandes cidades.
Além disso, os dois jornais de maior porte que operamos por todo o ano – o Buffalo News e o Omaha World-Herald – limitaram a sua perda de faturamento a 3%, um resultado também superior à média.
Entre os jornais das 50 maiores regiões metropolitanas dos Estados Unidos, nossas publicações em Buffalo e Omaha ficam perto do topo do ranking em termos de penetração em seus territórios base.
Essa popularidade não acontece por acidente. O crédito cabe aos editores desses jornais (Margaret Sullivan no Buffalo News e Mike Reilly no Omaha World-Herald), responsáveis por publicar informações que tornaram seus jornais indispensáveis às suas comunidades – Margaret, lamento dizer, recentemente nos deixou e aceitou um posto no New York Times, um jornal cujas ofertas de emprego são difíceis de resistir. Foi uma excelente contratação para eles, e desejamos tudo de bom a ela.
Desempenho excepcional
O faturamento da Berkshire Hathaway com seus jornais certamente cairá com o tempo. Mesmo uma estratégia sensata de internet não bastará para prevenir uma modesta erosão. Mas, dado o custo de aquisição, creio que esses jornais se enquadrarão ou excederão os nossos critérios econômicos para aquisições. Os resultados registrados até agora confirmam essa avaliação.
Charlie e eu, no entanto, continuamos a operar sob o princípio econômico 11 e não manteremos em operação qualquer negócio condenado ao prejuízo incessante.
Um jornal diário que adquirimos como parte de uma transação múltipla com a Media General apresentava prejuízos consideráveis sob a gestão daquela companhia. Depois de analisar os resultados da publicação, não vimos solução para os prejuízos e decidimos relutantemente fechá-lo.
Todos os nossos diários remanescentes devem se manter lucrativos por muito tempo. A preços apropriados – e isso significa múltiplo muito baixo ante a receita atual – adquiriremos mais jornais do tipo que gostamos.
Um marco nas operações jornalísticas da Berkshire Hathaway aconteceu no final do ano quando Stan Lipsey deixou o posto de publisher do Buffalo News. Não exagero ao dizer que o jornal estaria extinto, a essa altura, não fosse por Stan.
Charlie e eu adquirimos o Buffalo News em abril de 1977. Era um jornal noturno, dominante nos dias de semana, mas desprovido de edição de domingo. Em todo o país, as tendências de circulação favoreciam os jornais matutinos.
Além disso, o domingo estava se tornando cada vez mais crítico para a lucratividade dos diários metropolitanos. Sem edição de domingo, o Buffalo News estava destinado a ser derrotado pelo seu concorrente matutino, que contava com uma versão dominical gorda e bem estabelecida.
Por isso, começamos a publicar uma edição dominical, no final de 1977. E foi então que o pandemônio começou. O concorrente nos processou, e o juiz de primeira instância Charles Brieant Jr. promulgou uma decisão severa que paralisou a introdução de nosso jornal.
A decisão foi revertida posteriormente – depois de 17 longos meses – por votação unânime do segundo circuito de recursos.
Enquanto esperávamos o julgamento do recurso, perdemos circulação, sofremos pesados prejuízos e corríamos o risco constante de fechamento. Foi então que chegou Stan Lipsey, meu amigo desde os anos 1960, quando ele e a mulher venderam à Berkshire Hathaway um pequeno jornal semanal em Omaha.
Descobri que Stan era um jornalista extraordinário, conhecedor de todos os aspectos de circulação, produção, vendas e edição –ele teve papel decisivo na conquista de um prêmio Pulitzer para aquele pequeno semanário de Omaha, em 1973.
Por isso, quando os problemas do Buffalo News se agravaram, pedi que Stan abandonasse a vida confortável que levava em Omaha e assumisse o controle em Buffalo.
Ele nem hesitou. Com a ajuda do editor Murray Light, Stan perseverou durante quatro anos muito sombrios até que o Buffalo News enfim derrotou a concorrência, em 1982. Desde então, apesar das dificuldades econômicas em Buffalo, o desempenho do jornal vem sendo excepcional. Tanto como amigo quanto como administrador, Stan é simplesmente o melhor.
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Warren Buffett o principal acionista, presidente do conselho e diretor executivo da Berkshire Hathaway, com sede em Omaha, no Nebraska (EUA)