Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quando o interesse cala a imprensa

Procuradoria da República denuncia o dono da ORM Air e do grupo Liberal por sonegação de imposto e evasão de divisas. Usando fraude, tentou importar um jatinho de R$ 33 milhões como se fosse apenas arrendá-lo. Apesar de tudo, pode acabar saindo da embrulhada com o avião.

No dia 15 de abril o Ministério Público Federal no Pará ofereceu denúncia penal perante a 4ª vara da justiça federal, em Belém, contra Romulo Maiorana Júnior, principal executivo do grupo Liberal. O empresário foi apontado pelo MPF como responsável pelos crimes de sonegação de imposto e evasão de divisas na importação fraudulenta, dos Estados Unidos, de um jatinho executivo para sua empresa de táxi-aéreo, a ORM Air.

A Receita Federal, que constatou os delitos em processo fiscal, já totalmente concluído, determinou o perdimento do avião, no valor de 16,4 milhões de dólares (33 milhões de reais). O jatinho, que estava no hangar da ORM Air, no aeroporto de Val-de-Cans, foi transferido para o pátio do aeroporto, sob a responsabilidade do Infraero, já como propriedade da União. Mas a qualquer momento poderá voltar à sua origem.

É que a ORM Air requereu à justiça federal – não em Belém, onde os fatos aconteceram, mas no Distrito Federal, a pretexto de ser a sede do governo federal, novo proprietário do bem – uma ação ordinária para reaver a posse do aparelho. O juiz constatou que a apreensão estava bem fundamentada e os argumentos apresentados pela empresa não se sustentavam. Mas considerou demasiada a pena do perdimento. Pelo critério da proporcionalidade, entendeu que o cabível no caso era o pagamento do imposto devido. Se a ORM o quitasse integralmente, o jatinho devia ser liberado.

Os seis procuradores federais lotados na capital paraense assinaram a denúncia contra o dono da empresa de táxi aéreo, circunstância que lhe dá um reforço institucional maior. Ao mesmo tempo, dilui por todos uma responsabilidade que seria solitária se apenas um procurador assumisse a autoria da denúncia.

Mesmo datada do dia 12, a peça só foi protocolada no dia 15. Nela, além de Romulo Maiorana Júnior, foi denunciada Margareth Monica Muller, dirigente da Birdy Aviation & Consulting, que prestou consultoria à ORM Air para a compra e venda do avião.

Acusam-nos de praticar crimes contra o sistema financeiro nacional (mais conhecido por crime de colarinho branco) e a ordem tributária, que podem resultar na pena de prisão por no mínimo cinco e, no máximo, 15 anos de detenção, além de multa. Os procuradores federais pediram também que o executivo seja obrigado a recolher 683 mil reais de imposto sonegado. Pagamento que, na ação de Romulo Jr., poderá lhe proporcionar a recuperação da posse do avião.

Contratos falsos

A Receita Federal começou a investigar o rumoroso caso quando a ORM Air Táxi Aéreo apresentou, no aeroporto de Belém, para despachos de importação, em junho do ano passado, um jato executivo Gulfstream G-200, fabricado nos Estados Unidos.

A empresa declarou que o avião fora importado pelo regime de admissão temporária com utilização econômica, “sob a alegação de que o bem era objeto de um arrendamento operacional sem opção de compra”. Conforme a denúncia, apesar da informação, a Receita Federal “observou que a instrução do despacho aduaneiro da aeronave foi efetuada com documentos contendo informações falsas, objetivando ocultar a real operação efetivada” pela empresa de táxi aéreo de Romulo Maiorana Jr.

No curso da investigação que fez, a Receita Federal constatou que os documentos da importação se referiam à existência de um arrendamento operacional “apenas para mascarar a real operação envolvendo a aeronave, qual seja: um contrato de compra e venda em que a empresa ORM AIR figura como verdadeira adquirente da mercadoria”.

A transação começou com uma entrada no valor de cinco milhões de dólares, realizada mediante dois depósitos. O primeiro de US$ 1 milhão, efetuado em 5 de outubro de 2011, através de contrato de câmbio. O segundo depósito, de US$ 4 milhões, foi realizado em 28 de março do ano passado em outro contrato de câmbio, isto é, remessas de divisas do Brasil para os Estados Unidos.

A Receita Federal demonstrou que esses contratos de câmbio foram emitidos pela ORM Air em favor do intermediador da operação de aquisição do bem, que funciona como o agente de depósitos e documentos em garantia, a Aero-Space Reports. Essa empresa manteve sob sua custódia “documentos preenchidos e assinados pelo vendedor em favor do comprador e dos depósitos para pagamentos da aeronave, sob guarda, em uma conta de depósito conhecida como ‘escrow account’”.

Para completar o valor da entrada, de US$ 5 milhões, e concluir a compra, com mais US$ 11,4 milhões, a ORM Air contratou um financiamento junto a uma instituição financeira norte-americana, o First Source Bank, em 20 de fevereiro do ano passado. Só que esse financiamento foi consumado em nome de uma interposta pessoa contratada pela ORM Air, o Wells Fargo Bank. Em 3 de abril de 2012, esse novo personagem assinou um contrato de empréstimo com garantia com o First Source Bank.

Notam os procuradores da República que “logo no início desse contrato de empréstimo, o Wells Fargo Bank deixa consignado estar ‘agindo não em seu nome, mas unicamente como administrador proprietário fiduciário’”. Deixou bem claro que agia em nome ORM Air.

Os seis procuradores lotados em Belém (Ubiratan Cazetta Igor Nery Figueiredo, Bruno Araújo Soares Valente, José Augusto Torres Potiguar, Felício Pontes Jr e Marcel Brugnera Mesquita) fizeram questão de ressaltar que a ORM Air “contratou e instituiu, mediante remuneração, uma interposta pessoa para manter a titularidade temporária da aeronave nos Estados Unidos da América, sob sua vontade, em seu benefício e mantendo o poder de controle de transferência da propriedade do avião”. Pagou o serviço do administrador fiduciário para não aparecer como a proprietária verdadeira do avião, a uma observação superficial, ou que aceitasse plenamente sua declaração.

Romulo Maiorana Júnior mentiu duas vezes para o Banco Central e as autoridades federais junto às quais sua empresa tratou da importação do jato executivo.

A ORM Air mentiu primeiramente quando informou que a primeira remessa, de um milhão de dólares, devia-se a um pagamento antecipado de importação de uma mercadoria que teria como data de embarque 1º de novembro de 2011.

“Essa informação, inteiramente falsa, iludiu as autoridades brasileiras, uma vez que não haveria, como não houve (e os denunciados estavam cientes disso), qualquer embarque de mercadoria nessa data. O contrato de câmbio deveu-se à importação da aeronave, que somente veio a ingressar no Brasil em 2012, até mesmo porque o contrato de compra e venda a ela relacionado apenas foi celebrado no dia 12 de março de 2012”, afirmam os procuradores.

Ao dar informações falsas ao Banco Central sobre essa operação de câmbio, “praticando, dolosamente” crime contra o sistema financeiro nacional, Romulo Maiorana Júnior se sujeitou à pena de detenção, de um a quatro anos, e multa.

A ORM Air mentiu de novo em 1º de junho de 2012, ao fornecer ao Banco Central o documento exigido para autorização de remessas de divisas vinculadas ao pagamento da compra da aeronave. A empresa alterou “a verdadeira natureza da operação, deixando de consignar a existência do financiamento de importação para informar um falso arrendamento operacional sem opção de compra”. Seria um aluguel ou arrendamento. Ao final do contrato, o avião voltaria ao pleno domínio do seu proprietário, nos Estados Unidos.

No entanto, como ressalta a denúncia, a operação era mesmo de compra e venda, “cujo pagamento foi objeto de entrada acobertada por contratos de câmbio e um posterior financiamento contraído junto ao First Source Bank, sendo falsa a informação de que houve mero arrendamento operacional sem opção de compra (aluguel simples)”.

Além desses crimes, Romulo Maiorana Júnior e Margareth Muller “praticaram outra conduta criminosa prevista na Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional”. O crime consiste na falsidade dos contratos de câmbio, emitidos pela ORM Air em favor do intermediador da operação de aquisição do bem da Aero-Space Reports, em uma conta de depósito conhecida como “escrow account”.

Tutela negada

O milhão de dólares da primeira remessa, depositado nos Estados Unidos em 5 de novembro de 2011, ficou nessa conta no exterior até o dia do fechamento do negócio, consumado em 12 de março do ano passado, sem o conhecimento do Banco Central, o que caracteriza fraude à norma que exige o registro do recurso como sendo capital mantido no exterior.

O crime é de evasão de divisas. A pena prevista é dois a seis anos, e multa.

Já é muita coisa, mas não é tudo. A denúncia diz que, além dos delitos contra o Sistema Financeiro Nacional, as condutas do dono do grupo Liberal e “também ofenderam a Ordem Tributária”.

No dia 26 de junho de 2012, Romulo Jr., na gestão da sua empresa, “apresentou a aeronave para despacho de importação pelo Regime de Admissão Temporária com utilização econômica, sob a alegação de que o bem era objeto de um arrendamento operacional sem opção de compra, através de uma petição requerendo Regime Especial de Admissão Temporária”.

Relata a denúncia: “A falsidade desses dados, considerando que a real operação envolvendo a aeronave foi uma compra e venda e não o assinalado arrendamento operacional, implicou o não pagamento dos tributos devidos pela entrada do bem no Brasil. O valor do IPI devido pela importação era de R$ 1.707.988,40. Contudo, em virtude das informações falsas prestadas sobre a natureza da operação, os denunciados deixaram indevidamente de pagar R$ 683.195,40, ao alegarem tratar-se de arrendamento operacional sem opção de compra – admissão temporária com suspensão parcial de impostos”.

Esse crime sujeita Romulo Jr. à pena de detenção de dois a cinco anos, além de multa.

A denúncia vai agora ser apreciada pela justiça federal. O processo foi remetido, por prevenção, ao juiz Carlos de Almeida Campelo. Foi ele quem declarou a prescrição da pretensão punitiva federal contra Romulo Jr. e seu irmão, Ronaldo Maiorana, por fraude cometida para o recebimento de incentivos fiscais da Sudam para outra empresa, de propriedade dos irmãos, a Tropical Indústria Alimentícia. O juiz tentou impor sigilo de justiça ao processo e impedir que este jornal tratasse do assunto, mas voltou atrás na decisão de fazer a censura ao Jornal Pessoal, ao qual ameaçou de punição com multa.

A Receita Federal já concluiu o processo fiscal, no qual formalizou uma representação fiscal para fins penais, inclusive com aplicação da pena de perdimento da mercadoria. Para evitar esse desfecho, o grupo Liberal lançou uma campanha jornalística contra a construtora Freire Mello, tentando atingir, por via indireta, a esposa de um dos donos dessa empresa, Cláudia Mello, inspetora da Receita Federal. Foi ela a responsável pela instrução do processo que levou ao pedido de perdimento do avião.

Já os procuradores da República, ao final da sua denúncia penal, ressaltam que, “neste momento, opta-se por não incluir no polo passivo da ação a sócia da ORM Air Taxi Aéreo, Lucidea Batista Maiorana, pois, demais de possuir elevada idade (nascida em 10/05/1934), não há elementos seguros para se afirmar que essa sócia efetivamente estava na administração da empresa ao tempo da realização das operações narradas. Sua assinatura no recibo da aeronave, contudo, é um início de prova que poderá levar, acaso consolidada por outros elementos, ao aditamento desta ação penal”.

Antecipando-se em quase duas semanas à apresentação da denúncia pelo MPF, a ORM Air protocolou uma ação ordinária junto à 16ª vara federal do Distrito Federal, em Brasília. Pediu que lhe fosse dada “a plena e integral fruição” do jatinho para pode registrá-lo legalmente, o que a fiscalização da Receita Federal no aeroporto de Belém impediu.

O juiz substituto Társis Augusto de Santana Lima não concedeu essa liberação, em tutela antecipada, por reconhecer que não podia ser imputada à fiscalização «falta de compreensão da natureza da operação, formalismo excessivo ou parcialidade na apreciação do pedido de licença de importação», como alegou a empresa. Admitiu que realmente os indícios eram de se tratar de um contrato de compra e não de arrendamento.

Mas não concordou com a aplicação da perda de perdimento do bem em virtude da falsa documentação apresentada para liberar o avião importado sem o pagamento dos tributos devidos. O juiz observou que devia ser observada a “proporcionalidade entre a pena e a conduta [que] decorre de uma garantias constitucional da individuação”.

Entendeu o juiz que se a empresa pagar os impostos devidos poderá ter direito à liberação do avião. No caso da União, a quitação do IPI e o pagamento do Imposto de Renda somariam pouco mais de R$ 2,8 milhões. Para o Estado seriam R$ 2,7 milhões de ICMS, que também deviam ser pagos para que o avião voltasse ao hangar da ORM Air. E, quem sabe, a partir daí, tomar rumo sem controle oficial.

Só o recurso que a Fazenda Nacional ficou de apresentar contra a decisão, que negou a tutela antecipada que Romulo Maiorana Jr. queria para voltar a ter seu precioso jato, mas concedeu-lhe o que pediu, apenas condicionando o atendimento à quitação do imposto, poderá impedir esse desfecho, algo surpreendente e, talvez, inusitado.

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Jornalismo utilitário no Diário dos Barbalho

A matéria, produzida pela assessoria de comunicação social do MPF sobre a denúncia passou a circular pela internet, sendo reproduzida em sites e blogs, inclusive no Diário do Pará on-line. Surpreendentemente, porém, no dia seguinte a edição impressa do jornal de Jader Barbalho nada – absolutamente nada – publicou a respeito. Surpresa e curiosidade se espalharam pelo Estado inteiro. Afinal, além da importância intrínseca da notícia, há a rivalidade mortal entre os Barbalho e os Maiorana, desde a política até os negócios.

O silêncio sepulcral do jornal dos Barbalho só foi interrompido na edição dominical do último dia 21. O Diário do Pará deu manchete na primeira página com o assunto e duas páginas internas. Cumpriu assim a orientação dada por ordem direta do senador do PMDB: tratar dos Maiorana apenas na edição dominical, mesmo que o fato seja divulgado no início da semana.

Pelo critério jornalístico, um despautério, como diria a vovó Zulmira, personagem do humorista Stanislaw Ponte Preta. Não se esfria notícia quente como essa, de grande interesse público. A decisão, porém, se fundamenta num peripatético critério de marketing, já que a edição dominical vende muito mais do que o jornal dos dias da semana. Ou numa insondável estratégia política: fazer os Maiorana sangrarem por alguns dias e conseguir o maior impacto possível para a revelação dos fatos.

Pode ser que assim a vingança pessoal e política tenham mais efeitos. Porém o jornalismo será tão sangrado quanto os inimigos dos Barbalho.

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Os temas perigosos ou proibidos

Mal a assessoria de comunicação social do Ministério Público Federal distribuiu a nota sobre a denúncia contra Romulo Maiorana Júnior, escrevi um artigo para o novo site do jornal O Estado do Tapajós. Sendo a primeira reação externa ao comunicado oficial do MPF, o artigo circulou pelo país. No site da publicação santarena foram registrados 1.232 acessos, algo razoável para um endereço ainda pouco conhecido.

Nenhum comentário, porém, foi postado. O controle do site identificou 14 tentativas de postagens de anônimos na porta de entrada da caixa de mensagens. Elas não foram completadas, provavelmente porque a editoria do jornal exige e-mail para identificação.

Tem sido invariavelmente assim. Questões atinentes ao – ainda – mais poderoso grupo de comunicação da Amazônia são de interesse público. Muitas pessoas que acompanham o noticiário sobre o grupo Liberal (como o fazem em relação ao império de comunicação dos Barbalho) gostariam de manifestar sua opinião ou expressar repúdio ao procedimento desses veículos de comunicação, mas desistem quando não podem se valer do anonimato.

Elas sabem que se sujeitam, ao assumir sua identidade, a vários tipos de represálias por parte de quem possui emissoras de rádio e televisão, jornais ou portais na internet. Alguns personagens que já se portaram abertamente diante dos grupos de comunicação sofreram por essa atitude prejuízos pessoais ou empresariais.

Basta citar o exemplo mais recente, da Construtora Freire Mello, atingida pelo grupo Liberal pela circunstância de um dos seus donos ser casado com a inspetora da Receita Federal em Belém, Cláudia Mello, responsável pelo processo fiscal que resultou na declaração de perdimento do jatinho da ORM Air.

Uma campanha foi desencadeada contra a construtora, supostamente para denunciar os crimes ambientais por ela cometidos em seu empreendimento imobiliário em uma das raras áreas de floresta de Belém. Na verdade, a campanha jornalística do grupo Liberal era para fazer a inspetora recuar e rejeitar a punição à empresa de Romulo Maiorana Júnior por importação ilegal de um jatinho dos Estados Unidos.

Registro precioso

Seria interessante fazer um levantamento de quantas vezes e com qual enredo o grupo Liberal se vingou dos seus desafetos manipulando suas matérias jornalísticas para prejudicá-los. Quem quiser um muro das lamentações poderá escrever para este jornal, sob a garantia de sigilo absoluto, inclusive em juízo. Mas quantos terão coragem de se apresentar, no tradicional off usado pelos jornalistas para proteger suas fontes?

Pode-se ter uma ideia antecipada analisando as postagens nos blogs e sites da internet de matérias críticas aos Maiorana. O acesso é grande, mas incomparavelmente maior é o vácuo em relação a comentários de internautas. A mesma relação pode ser observada no universo dos blogs. Mesmo blogs combativos ou de oposicionistas formais claudica quando o assunto é Maiorana. A cautela resvala pela pura covardia quando o receio dessas pessoas interessadas tem uma explicação mais mundana: elas não querem deixar de sair nas colunas sociais de O Liberal, ou querem continuar a ocupar um espaço no jornal para seus cometimentos literários, técnicos ou científicos.

Escritórios de advocacia que lidam profissionalmente com a “casa” e costumam não ter a remuneração devida (ou remuneração alguma) por seus serviços, recebem como compensação anúncios vistosos (na sempre presente figura da permuta comercial, consensual ou coercitiva) ou referências elogiosas nas colunas, que se derramam em louvores ao suposto jurista.

O poder coercitivo dos Maiorana, como de certos barões da grande imprensa, tem a envergadura dos barões russos surgidos da privatização pós-soviética, mas com raízes remotas fincadas em séculos de despotismo, incluindo a tirania dos bolcheviques, e dos chefões de máfia, seja a italiana como a japonesa ou mesmo a francesa.

Ela exerce sua influência sobre ampla base territorial e um difuso espaço social, de tal forma que nem sempre se consegue detectar a sua presença e os seus efeitos danosos, cuja profundidade deixa de ser percebida porque se espraia como vírus. Acaba influindo sobre juízos e análises de pessoas dotadas de discernimento e conhecimento, mas não da mesma dose de percepção ampla dos fatos e de seu contexto mais amplo.

Essas pessoas, com grandes doses de boa intenção e até de generosidade, costumam criticar a atenção que dou à grande imprensa e, em particular, aos Maiorana. Nesse caso, o anonimato é raro. Algumas, com linguagem rebuscada e lógica de grande força aparente (ou superficial), me elogiam em tese e me fazem restrição em concreto, no caso particular. Eu estaria perdendo tempo, energia e até bons sentimentos ao me dedicar a um combate radical e viciado aos Maiorana, quando podia estar tratando de outros temas mais relevantes.

Sei que algumas pessoas são sinceras e pensam em me ajudar quando me transmitem essas suas opiniões. Nem assim essas análises estão iluminadas pela compreensão concreta da realidade. Acabam contribuindo para me desviar do eixo das decisões, que é o tema central da política (o que fazer) e a reproduzir uma visão caricata e, aí sim, mal intencionada do meu jornalismo. Ajudam os poderosos a manipular a opinião pública e a isolar os que combatem essa ação negativa. Ajuda de efeitos mais poderosos do que o dos meus inimigos declarados porque exercida por meus supostos (ou efetivos) amigos. Eles podem ser mais perigosos do que os inimigos, alerta a sabedoria popular (Deus, cuida dos meus inimigos que dos meus amigos cuido eu).

Outro dia um amigo me informou de São Paulo ter tido acesso por e-mail a uma notícia sobre um projeto chamado Geografias Imaginárias. O projeto, segundo seu vago entendimento, consistia numa excursão fluvial de intelectuais por várias partes do Pará e da Amazônia entrevistando pessoas que pensam a região.

Esse generoso amigo leu na comunicação por e-mail “um excerto daquele jornalista do Varadouro, lá do Acre, falando que o cara era importantíssimo para a região por isso e por aqui, e que seu trabalho era determinante. Acabei escrevendo um e-mail falando que ser conhecido como jornalista que revelou o Chico Mendes é bom e louvável, mas é pouco como trabalho jornalístico atuante e contínuo, e falei sobre ti, o dom Quixote caboco. Tiraram o meu comentário…”.

Informei ao amigo que o jornalista referido, Elson Martins da Silveira, é meu amigo de longo tempo, uma das pessoas que recebe este jornal como cortesia devido a importância de tê-lo como leitor (e diante da incapacidade empresarial do Jornal Pessoal deprestar o serviço de assinatura). Eu o coloquei como correspondente de O Estado de S. Paulo em Macapá e, depois, em Rio Branco, no Acre. Elson participou do Bandeira 3, em 1975.

Eu colaborei com o Varadouro e outros empreendimentos dele. É um excelente jornalista, uma pessoa digna e um grande amigo. Sua cobertura jornalística do Acre é o melhor registro da história da ocupação e devastação do Estado, Incomodou poderosos, que o ameaçaram. Num momento em que a ameaça vinha do então governador Geraldo Mesquita, consegui o apoio do meu chefe em São Paulo, Raul Bastos, e, por ele, do próprio Júlio Mesquita Neto, para respaldar nosso corajoso e eficiente correspondente.

Centro do poder

Fui com o Elson para uma audiência privada com o governador na sede do executivo estadual. Geraldo Mesquita entoou a litania dos governadores contra os correspondentes que relatam a verdade para fora dos seus limites territoriais e jurisdicionais, onde o déspota melhor exerce os seus poderes. Os despachos do correspondente ecoam em melhores caixas de ressonância e voltam à origem amplificados, o que gera a irritação e o ódio dos sátrapas locais, que se consideram senhores de baraço e cutelo.

Quando o governador erguia sua voz ao mais alto volume, disse-lhe que ele não estava comprando uma guerra com Elson Martins, mas com o Estadão, na época um poderoso formador de opinião pública, sem escala de semelhança com seu pálido e medíocre reflexo dos nossos dias. Se continuasse a perseguir nosso correspondente, partiríamos para aquela pedagógica confrontação: quem for podre que se quebre. O governador recuou. Elson continuou o seu trabalho, que podia render o melhor livro sobre a história recente do Acre.

Elson continua na sua terra a fazer o que aprendeu a fazer como poucos: observar a realidade e relatá-la. Infelizmente, o Varadouro durou pouco, muita coisa mudou, o PT foi para o poder sem mudar o poder e deixando de ser a promessa que representava para os que o consideravam algo próximo da utopia. Duas pessoas recebem o JP naquela área: Elson e o bispo de Rio Branco por muitos e heroicos anos, dom Moacir Grechi, hoje em Rondônia. Espero que eles continuem a ler este jornal quando ele fizer 26 anos, em setembro, se fizer.

Será que outra publicação alternativa verdadeiramente alternativa chegou a tanto? Daria uma boa pesquisa. Os que não querem que o JP penetre no centro do poder decisório podiam se encarregar dela. Dariam assim sua valiosa contribuição a este tema.

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Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)