Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cemitério de elefantes

Nas oportunidades que tive de cobrir visitas presidenciais e de dignatários norte-americanos ao Brasil, em priscas eras, um aspecto sempre me impressionou muito: a idade avançada dos repórteres daquele país, designados para as viagens. “Idade avançada” talvez seja exagerado para profissionais na faixa dos 60 anos, que, com hábitos saudáveis, um bom plano de saúde e um pouco de sorte, provavelmente atingiram os 80. Mas é totalmente cabível, quando o termo de comparação é a imprensa brasileira, em que é cada vez mais raro ver um repórter grisalho em ação, quanto mais um cabeça-branca.

Bem mais jovem que os caras, eu ficava admirado com o grau de informação e a acuidade das perguntas que faziam, tanto a seus governantes quanto aos nossos. Aprendia com a sua capacidade de análise. Invejava a segurança deles, ao enfiar a questão mais cabeluda pelas ventas do entrevistado, em tom bastante agressivo, sem pestanejar nem, muito menos, gaguejar. Aqueles velhinhos abusados eram tudo o que eu queria ser quando crescesse.

Muito bem, eu cresci e hoje sou um deles. Um colega de faixa etária, bem entendido, pois a vida me levou para outras atividades profissionais. A vida e a rotina da nossa profissão. Mesmo que quisesse, que eu ainda preferisse o garimpo da notícia ao tratamento dela, na redação ou na ilha de edição, eu não teria a chance de exibir os meus últimos fios de cabelo encanecidos ao olhar de uma fonte. Lugar de tiozinho, no jornalismo pátrio, é na retaguarda, não na linha de frente. Isso para os poucos que ainda restam na ativa. Para a maioria, lugar de jornalista veterano é a rua mesmo. A da amargura.

Dinossauros de escol

Eu vi quando começou, nos anos 1980, o processo de “rejuvenescimento” da nossa imprensa. Razões administrativas do credo neoliberal determinaram o corte de legiões de coleguinhas maduros, verdadeiras bibliotecas ambulantes, mas também profissionais caros e pouco maleáveis. Em poucos anos, as redações estavam repletas de garotos – sem veteranos à vista para orientá-los, para evitar que cometessem velhos erros. Por melhores que fossem – e muitos eram –, eles não tinham ainda o conteúdo e o senso crítico que só a vivência oferece. Não tenho dúvidas de que esse foi um fator, entre outros, do empobrecimento do nosso jornalismo.

Hoje vejo à minha volta jornalistas veteranos, ainda com muita lenha para queimar, angustiando- se no desemprego, na inatividade forçada. Repórteres e outros mais: fotógrafos, editores, cinegrafistas, a fauna inteira. Lembro o quanto aprendi com Samuel Wainer, Osvaldo Peralva, Newton Rodrigues ou Cláudio Abramo, já lendários dinossauros quando os conheci, apenas de conviver com eles no dia a dia. E lamento que os novos profissionais e o público não tenham mais a oportunidade de beber na fonte da sabedoria acumulada.

******

Gabriel Priolli foi editor executivo e diretor de redação de Imprensa entre 1987 e 1991; hoje é produtor independente de TV