Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A inovação e o futuro do jornalismo local

Há muitos anos, a ideia de publicar jornais locais em pequenas cidades brasileiras foi uma grande inovação. Os jornais do interior publicavam notícias relevantes, garantiam os direitos dos cidadãos e participavam ativamente da vida das suas comunidades. Esses jornais não eram somente uma novidade ou modismo de época. Conquistaram o público e se identificaram com essas comunidades, contribuindo ativamente para a manutenção e crescimento do país.

Com o passar dos anos, porém, os jornais do interior se viram diante de uma enorme crise. Testemunhamos impassíveis, impotentes ou até mesmo indiferentes à morte de muitos jornais. Em algum momento da nossa história recente, por vários motivos, as pequenas comunidades brasileiras deixaram de se importar com a preservação de grande parte dos nossos jornais. As pequenas cidades brasileiras ainda lutam pelas suas escolas, pelos seus hospitais e até mesmo pelas suas igrejas ou clubes de futebol. Mas não parecem se importar com a preservação e a sobrevivência daqueles veículos de informação que já foram tão importantes.

O que teria acontecido com essa relação histórica tão importante e produtiva entre os jornais e o público das cidades brasileiras? Sabemos que a crise na imprensa mundial está provocando uma revisão nos valores e objetivos do jornalismo, além de todas as outras mudanças em curso na área da tecnologia, sistemas de produção, formação de profissionais e modelos de negócio. Trata-se de uma revisão considerada ainda tímida porque a preocupação com os lucros permanece hegemônica, mas de qualquer maneira promissora porque cria novas alternativas para a atividade jornalística.

Tirania e ditadura

Sempre é possível culpar as novas tecnologias, a crise econômica, o novo cenário social e político, os erros da gestão familiar ou tantas outras razões para a morte dos jornais locais. Todas essas explicações são relevantes e justificadas. Merecem ser pensadas, analisadas e talvez, comprovadas.

Mas, entre todas as justificativas para os problemas enfrentados pela imprensa do interior, de forma alguma deveríamos culpar o público pelo triste destino de tantos jornais locais. Sua participação ou indiferença em relação aos jornais do interior não deve ser jamais justificada, ignorada ou menosprezada pelos responsáveis pelo futuro da imprensa.

Esse erro pode ser fatal não só para o futuro do jornalismo local, mas para o futuro do próprio jornalismo e até mesmo da democracia. Pela definição do pensador e jornalista Alberto Dines, devemos considerar o jornalismo como “a técnica de investigar, arrumar, referenciar e distinguir circunstâncias”. Ainda de acordo com Dines, devemos entender como circunstância a “situação, estado, condição de tempo e lugar, particularidade, atributo, causa ou motivo”. Sendo assim, devemos manter a atividade jornalística para compreender nossa identidade e realidade.

Dines destaca que as situações cotidianas e insignificantes, locais, nacionais ou internacionais, podem ser tão minuciosamente devassadas a ponto de se tornarem lapidares sobre a época e as próprias forças da história. Dessa forma, o jornalismo deve ser sempre considerado investigativo mesmo nas reportagens mais simples, e deve se consolidar como prestador de serviços à sociedade. O jornal local deve se confundir com a identidade do seu público.

Mas a crise no jornalismo não atinge somente o Brasil. Nos Estados Unidos, embora a tecnologia digital tenha propiciado um panorama de notícias e informações mais vibrantes do que nunca em várias comunidades, há mais veículos, sim, mas menos jornalismo local. Quando há vazios, isto é, menos jornalismo local de qualidade, haverá menos fiscalização do governo e… mais corrupção.

Em outras palavras: o descaso da sociedade com o noticiário local pode se tornar o descaso com a política das nossas cidades do interior. E o descaso abre caminho para ainda mais desgoverno e corrupção, o que é muito perigoso. Não há democracia sem a participação efetiva da sociedade e acesso livre à informação confiável. E essa é a matéria-prima da imprensa séria e de qualidade.

O jornalismo local, regional, nacional ou internacional ainda é a fonte primordial para que o público obtenha informações e tome decisões. Sem informações confiáveis e comprováveis, não há possibilidade de garantirmos a participação do cidadão no jogo democrático e na fiscalização da gestão pública.

A história comprova que indiferença e o descaso com a vida pública são as grandes justificativas para a instalação e preservação da tirania e da ditadura.

Jornalismo e cidadania

Abandonar o jornalismo local é abandonar a nossa história. Assim como um dia abandonamos o pequeno jornal à sua própria sorte, no futuro talvez estejamos abandonando a existência das cidades de pequeno e médio porte, como Nova Friburgo (RJ).

O modelo avassalador e usurpador das grandes empresas, das ideologias únicas ou das grandes cidades torna o jornalismo local e a existência dessas cidades algo ultrapassado, irrelevante e desnecessário. Dessa forma, a defesa do pequeno jornal local deve se confundir com a defesa da existência do cidadão e das pequenas cidades brasileiras. É importante reconhecer e louvar que “realmente não é para qualquer veículo de comunicação um jornal do interior chegar a 68 anos de circulação ininterrupta”.

Trata-se de “uma conquista e tanto, que merece destaque”. A Voz da Serra deve se orgulhar muito de seu passado. Afinal, este jornal “ajudou a escrever a história de Nova Friburgo, relatando os principais acontecimentos que são notícia no município, o que dá ao veículo credibilidade e o torna, sem dúvida, um formador de opinião”.

Mas esse passado não é mais suficiente para garantir o seu futuro. É preciso retomar as características inovadoras e participativas dos primórdios do jornalismo local no Brasil. O registro do cotidiano ainda é tarefa primordial própria da atividade jornalística. Mas, para o jornalista Carlos Castilho, é preciso incentivar o jornalismo participativo ao “estimular o crescimento dessa interação à medida que mais pessoas tenham acesso a ferramentas como blogs e redes sociais”.

Inovação não é ameaça para o futuro. Não somos e não devemos ser jamais reféns do passado. Mesmo que seja um passado de que tanto nos orgulhamos. Afinal, toda a mudança ou inovação implica ingressar num território desconhecido que transmite insegurança. E pouquíssimas pessoas gostam de conviver com a insegurança, a dúvida e a possibilidade maior de erro.

No caso do jornalismo participativo local ou nacional, existe uma razão adicional: a perda dos privilégios associados à exclusividade no manejo da informação. Mas esta é uma sensação passageira, que já afetou os jornalistas quando ocorreu a popularização do rádio e da TV. As redações, ou o que sobrar delas, vão acabar se acostumando a ter que dialogar com o público e os usuários da internet, em vez de ditar regras informativas e impor agendas noticiosas.

Futuro inovador

Há muitos anos, A Voz da Serra comprova que há muito espaço para o jornalismo local, independente e idealista, com credibilidade e a serviço da cidadania. Devemos continuar acreditando no jornalismo relevante enquanto difusor de notícias e prestador de serviços à comunidade. Diante de grandes eventos, desastres naturais como as grandes enchentes ou nos relatos da vida cotidiana, o jornal tem que se identificar com a comunidade para garantir a sua relevância e sobrevivência.

Tanto faz o suporte, impresso ou digital, o futuro da Voz da Serra está intimamente relacionado com a preservação do espírito questionador e inovador do próprio jornalismo. Um jornalismo que se confunde com os anseios da comunidade.

A Voz da Serra precisa recuperar e manter sua história de inovação e participação comunitária. Mais do que nunca, o passado não pode ser a justificativa única para garantir o futuro de um jornal. Há muitos anos, A Voz da Serra comprovou que há espaço para o jornalismo local, independente, idealista, a serviço da cidadania. A credibilidade e a inovação do passado, no entanto, não garantem a inclusão do jornal local no futuro das comunidades.

Impresso ou em plataformas digitais, é preciso preservar o interesse e a participação do público, principalmente os mais jovens, na produção e manutenção dos jornais locais. O futuro do jornalismo do interior não está garantido somente pelas suas realizações. É preciso preservar a vontade e a capacidade de participar da História ao se reinventar todos os dias com e para o público.

O futuro de um jornal com a história e a importância de A Voz da Serra deve se confundir com um novo jornalismo que se identifique cada vez mais com os sonhos e anseios dos cidadãos de Nova Friburgo.

******

Antonio Brasil é jornalista, professor da Universidade Federal de Santa Catarina