Gripado, o ex-vereador de Porto Alegre Nelcir Tessaro pretendia esticar o sono na manhã de 29 de abril para melhorar das dores no corpo. Ainda na cama, em casa, ouviu a notícia de que havia sido preso pela Polícia Federal por envolvimento em um esquema de venda de licenças ambientais. Como poderia, se sequer havia posto o pé na rua?
Tessaro foi preso pela imprensa, mais ninguém – em um desses enganos que todo jornalista tenta não cometer, mas nem sempre consegue evitar. O problema afeta a credibilidade profissional, agride fontes e audiência e parece assombrar cada vez mais o jornalismo online, onde o “furo” é definido por minutos e a pressa flerta com o erro.
No caso do ex-vereador gaúcho, o erro partiu de Zero Hora. A editora de Política Rosane Oliveira o relacionou entre os presos ao postar em seu blog, no início daquela manhã, uma lista com os primeiros capturados pela polícia. Dali, a informação foi replicada em sites e rádios do mesmo grupo do jornal e tornou-se “verdade” para o público, mesmo que por pouco tempo.
Correção no ambiente digital
Rosane percebeu o equívoco menos de uma hora depois. Ficou “gelada”, como diria depois, e tentou corrigi-lo. Às 8h48 ela informava, no mesmo blog, que Tessaro não havia sido preso na operação Concutare, que levou para trás das grades 18 pessoas, entre elas os secretários municipal e estadual de Meio Ambiente, motivo pelo qual pediu desculpas públicas, o que é incomum no mercado. Mais tarde, ao vivo, na Rádio Gaúcha, ela voltou a se desculpar ao entrevistar o ex-vereador dizendo que, “uma fonte confiável, que também se enganou”, havia passado a informação. A entrevista foi plantada só para o político dizer a todos os amigos e eleitores que estava em casa, não na cadeia. Tessaro foi um gentleman. Limitou-se a dizer que tudo não passou de um engano, sem fazer condenações.
O erro foi tão desconfortável no Rio Grande do Sul que, dias depois, ao palestrar para estudantes da Unisinos, Rosane voltou a falar no assunto e se desculpar. “Não me consola saber que, dos quatro (citados como presos no início da manhã) eu estava certa em três e errada em um.”
Jornalista nenhum está livre de erro, apesar de, pelo seu “dever ser”, ter compromisso com a verdade, a precisão e a exatidão. Corrigir o erro, no entanto, não é mérito. É obrigação. O problema é que isso, contrariando a iniciativa de ZH, talvez seja incomum no ambiente digital. Quem garante que uma notícia errada em blog ou site não seja atualizada, no sentido de reparada sem comunicação do erro, em vez de corrigida?
“Os bastidores da notícia”
Para clarear a questão, vejamos o caso do jornalismo impresso. O erro estampado em uma página de jornal é concreto. Não pode ser apagado instantes após a impressão. Resta corrigi-lo no dia seguinte. Na internet pode não ser assim. Uma notícia com erro de informação pode ser “atualizada”, em vez de corrigida. Nesse cenário, a consciência do profissional e o compromisso com a verdade são testados com mais frequência.
O caso de Zero Hora é só mais um entre tantos outros, e muitos estudiosos se debruçam sobre esta relação conflituosa entre valores clássicos do jornalismo na apuração da notícia, como a precisão, e a pressa às vezes comprometedora do online. Silvia Moretzsohn é um exemplo. Em Jornalismoem tempo real: o fetiche da velocidade (2002), ela diz que há certa irracionalidade na aceleração do tempo e no conceito de atualidade jornalística, já que, aparentemente, “o chegar antes parece mais importante que a qualidade”. A autora chama de fetiche a aparente necessidade do chegar na frente ante dizer a verdade.
No fatídico 29 de abril, Zero Hora aproveitou o agito da operação Concutare para gravar um vídeo(ver aqui) e marcar com um “veja os bastidores da notícia” o aniversário de 49 anos do jornal, que atinge 8 milhões de visitas/mês na internet e 184 mil exemplares/dia, segundo o Instituto Verificador de Circulação (ver aqui).
decisões editoriais
Na gravação de seis minutos aparecem jornalistas desde o início da manhã envolvidos na cobertura. Há o depoimento de editores de homepage, de repórteres e de fotógrafos. Rosane de Oliveira também aparece andando apressadamente pela redação, fazendo postagens em seu blog e dizendo que, em casos como aquele, a notícia “vai se publicando aos pedaços”, não de forma consolidada.
Um ponto curioso está no fim do vídeo. Dois jornalistas conversam diante de um telão que mostra os conteúdos mais acessados naquele momento. Em gráficos nervosos, atualizados em tempo real, o programa indica o que o público está lendo mais no site. Dito de outra forma, mostra o que está vendendo mais e dá munição para a equipe corrigir rumos da cobertura. Uma editora avalia a situação: “Olha só, a notícia principal já começou… Já está estável, quase caindo, e está subindo a matéria de interpretação.”
Pela continuação do diálogo nota-se que o gráfico determina decisões editoriais, como “matar” uma matéria que esteja com audiência fraca e turbinar textos que estejam em ascendente. E tudo isso para ontem, como não poderia deixar de ser. O desafio ali, como em outros jornais online país afora diante do caos ou do dia comum, é fazer isso sem errar, mantendo os compromissos éticos e, sobretudo, deixando os inocentes curarem a gripe em paz.
******
Jeferson Bertolini é mestrando em Jornalismo