Na sexta edição de programas especiais em comemoração aos 15 anos do Observatório da Imprensa na TV Brasil, Alberto Dines entrevistou o jornalista João Roberto Marinho, vice-presidente das Organizações Globo. Na abertura do programa Dines traçou um perfil do entrevistado: “Um dos executivos do vigésimo quinto maior grupo de mídia do mundo num ranking encabeçado pela Comcast, seguido pela Disney e o Google. Terceira geração de jornalistas numa saga iniciada em 1911, quando o avô, Irineu, criou o primeiro vespertino da capital federal, A Noite, paradigma até hoje do jornalismo ágil e palpitante. Seu pai, Roberto, foi fundador do grupo em 1925. Jornalista refinado, empresário atilado, figura lendária, um dos protagonistas do jornalismo brasileiro do século 20”.
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Como é que você se sente nessa condição pedestal em que vocês estão naturalmente?
João Roberto Marinho– Primeiro eu queria agradecer o convite, para mim é uma honra estar aqui nessa série de entrevistas.
Novamente…
J.R.M. –Novamente, mas na série de entrevistas dos 15 anos. Aliás, eu estive aqui há 15 anos. E nós nos sentimos com muita responsabilidade. Ter uma presença como temos na sociedade nos deixa com um sentimento permanente de responsabilidade. Isso fez parte da nossa história, é uma trajetória, como você disse, e nós fomos conquistando a preferência dos leitores e telespectadores brasileiros pouco a pouco. Isso tem décadas e décadas de história. O maior sucesso das Organizações Globo, sem dúvida nenhuma, além do jornal O Globo, foi a Rede Globo de Televisão, que começou em 1965 e que lutou muito para chegar aonde ela chegou. E ela só consegue essa preferência do telespectador brasileiro exatamente porque conquistou a confiança do telespectador brasileiro pela responsabilidade com que exerce o seu papel de uma televisão aberta para toda a sociedade.
Vocês gostariam de um pouco mais de concorrência, não? Serem perseguidos um pouco mais. Ou vocês acham que como está tá bom?
J.R.M. –Eu acho que a concorrência é muito saudável sempre. Ela nos aprimora. Eu me lembro, já na minha geração, da novela Pantanal, da Manchete, que foi um sucesso, como ela nos sacudiu. A gente nunca se acomoda com o que está fazendo, mas há momentos em que você está com mais conforto, vamos dizer assim, e deixa de perceber uma ou outra tendência do que está por vir, do que a sociedade está passando. E se você deixa de perceber e de responder a algum anseio, rapidamente perde essa audiência. Em televisão é muito fácil você mudar de canal. Hoje você aperta um botão do seu controle remoto. Diferente do jornal, que você é um assinante – para cancelar uma assinatura leva um tempo. Se você não gosta de alguma coisa algum dia, vem outro dia, outro dia. Enfim, você fica mais preso ao hábito. Na televisão você troca com um simples apertar de botão.
Os concorrentes, ao mesmo tempo, os que existem, eles se queixam de que vocês atraem uma importância, que eles sempre se sentem secundarizados. Como é essa coisa? Seria muito útil ter mais concorrência, mas ao mesmo tempo eles se queixam que eles estão em segundo lugar?
J.R.M. –Eu me lembro da luta que foi o início da Rede Globo de Televisão. Eu acho que todos deviam olhar para as trajetórias de sucesso como um exemplo. E nós lutamos muito a partir de um direcionamento estratégico muito claro de meu pai, que queria construir uma televisão que fosse para brasileiros feita por brasileiros, que prestigiasse o talento brasileiro, e que ela se diferenciasse exatamente por ter uma identificação com a nação brasileira muito forte. Que procurasse sair do conforto de simplesmente colocar filmes e séries americanas ou francesas ou estrangeiras. E lutasse para produzir aqui no Brasil, criar uma indústria de produção de televisão de qualidade. Foi uma luta hercúlea no início, mas nós fomos conseguindo ganhar mercado. Porque tinha uma concorrência, que você conhece melhor do que eu, até esse tempo. Então, quem está em segundo lugar tem que olhar para si e para a história de sucesso e lutar para buscar os pontinhos e roubar da gente. Esse é o normal.
É do jogo. O panorama jornalístico, como um todo, ou midiático, no Brasil, no mundo, está ruim. Muito em função da crise econômica europeia e a crise econômica americana de 2008, mas a situação brasileira, de repente, ela tumultuou. Nós estamos vivendo um momento, eu diria, de luto. Aliás um duplo luto. Primeiro, perdemos dois gigantes do jornalismo de gerações diferentes; o Ruy Mesquita e logo em seguida, seis dias depois, o Roberto Civita, que representavam, digamos, gerações diferentes, concepções diferentes. Além disso, dessas perdas pessoais que são muito dolorosas, nós estamos num momento muito difícil, com demissões, com o fantasma de internet que ele ainda não se materializou, não consegue ainda ser concorrente para o jornal O Globoou para a Folha de S.Paulo ou para O Estado de S.Paulo e, de repente, a imprensa brasileira está começando um regime quase de terror com as demissões sucessivas, os fins de cadernos, cadernos que são simbólicos como era o Sabático, agora a Ilustríssima, que vai ficar comprimida dentro do jornal. Como é que você vê esse momento, essas medidas são preventivas ou eram inevitáveis?
J.R.M. –Os jornais no mundo, independente da crise de 2008, já vinham passando por um momento difícil. Vamos pegar o exemplo americano que é o mais próximo de nós. É um país continental com jornais metropolitanos. Eu acho bem parecida a estrutura da imprensa americana com a nossa. Nos Estados Unidos, nas últimas décadas, houve um processo de consolidação de jornais. Em várias cidades os dois principais concorrentes se fundiram nos Estados Unidos. Isso muito antes desse crescimento da internet. Então, o jornal foi se tornando uma atividade onde se criaram grandes empresas mais fortes, mais consolidadas. O que está acontecendo no Brasil aconteceu nos Estados Unidos. Independeu da internet. Nós estávamos lembrando, conversando, que aqui no Rio de Janeiro houve época, na época do início de O Globo,em que havia 30 jornais no Rio. E isso pouco a pouco foi diminuindo, se consolidando e diminuindo o número de jornais. Foi uma tendência da indústria que aconteceu em todo o lugar. Junto com isso surgiu a tal da internet, que cria outras alternativas de comunicação, outras alternativas de busca de informação que concorrem, sim, com os jornais. Concorrem em tempo com os jornais, tira tempo de leitura, sem dúvida nenhuma. Mas, por outro lado, também gera uma oportunidade muito grande de um aumento de interação entre os jornais e as suas Redações e o público leitor. Então, a internet atrapalha e ajuda ao mesmo tempo.
Mas na medida que os jornais, hoje, estão se comprimindo, estão ficando muito mais compactos, o jornal impresso e a revista, também. Porque ele era o “amarrador dos fatos”. E hoje, com menos espaço, amarra-se menos. E a sociedade com um todo é um pouquinho prejudicada. Não sei se você concorda, eu leio hoje os jornais brasileiros em metade do tempo que eu lia meses atrás. Você não acha isso perigoso, um pouco?
J.R.M. –Não, eu não concordo. Se você olhar para os jornais de São Paulo, os jornais de São Paulo foram, alguns anos atrás, para uma tendência de cardenização e de criação de produtos e cadernos que nós, Globo, nunca concordamos com essa tendência. Então, eu acho que há duas posturas diferentes no mercado de jornais: O Globo e os jornais de São Paulo. Eu vou falar do que nós acreditamos. Nós acreditamos que o jornal, como você disse, ele é um veiculo que permite você ter uma informação com um pouco mais de densidade e permite você ter um mosaico de informações relevantes para o leitor que ele precisa saber naquele dia. Do que se passou, o que vem adiante, análises dessas coisas, artigos variados etc. Então, o fato de você cadernizar criou um custo desnecessário para os jornais e fragmentou a leitura…
Um desconforto
J.R.M. –Criou um desconforto e fragmentou a leitura. O que não é bom para o jornal. Eu acho que o que os jornais de São Paulo estão fazendo agora é bom. Acho que vão melhorar os dois jornais de São Paulo tendo menos cadernos. No caso de O Globo, se você prestar atenção na reforma que O Globo fez na década de 1990 e atualizada recentemente, vai ver que ao contrário da tendência de fragmentação de notícias com textos curtos e tal, que era moda por causa da influência da internet e dos meios eletrônicos, O Globo fez uma opção oposta. O Globo criou um projeto gráfico que privilegiava as matérias importantes e as matérias grandes mais aprofundadas, e criava uma diferença entre as matérias grandes das informações pequenas que você precisa saber mas não precisa aprofundar. Nós apostamos no aprofundamento do que era relevante e acho que foi uma reforma de muito sucesso.
Esse assunto eu acho extremamente interessante, provocado pelo chefe de um dos Poderes constituídos – me chama atenção, e aí entra a minha idade provecta – é que a imprensa brasileira de uma forma geral foi no passado mais liberal do que é hoje, por exemplo. Eu sinto hoje, é uma questão de opinião, mas comparando, olhando para trás, e eu sou obrigado pessoalmente a fazer isso, eu vejo que a nossa imprensa no passado era mais liberal no sentido filosófico da palavra.
J.R.M. –Eu discordo de você. Mas, primeiro, eu queria pegar, eu acho que você deu um exemplo muito bom da diversidade que a gente encontra hoje dentro do O Globo e é assim nos outros jornais. Você disse que alguns colunistas do O Globo atacaram o Obama, foram contra o Obama. O Globo, não. O Globo, editorialmente, não foi contra o Obama. Isso é um ótimo exemplo da diversidade de visões que você tem dentro de O Globo. Você têm colunistas à direita, colunistas à esquerda, a opinião do jornal e isso enriquece o jornal. Mas, enfim, não era esse o tema. Eu acho que se você olhar para todas as posições que a imprensa e nós, particularmente, temos assumido, vamos pegar nas questões de costumes e hábitos, nós sempre temos tido uma postura liberal. Nas grandes questões da sociedade, que a sociedade discutiu recentemente, como por exemplo o aborto do feto anencéfalo, nós tivemos uma atitude pró-aborto; na pesquisa com células troncos a nossa posição também foi uma posição progressista. Enfim, na defesa de minorias, na questão de relacionamento de pessoas do mesmo sexo, toda a nossa atitude tem sido uma atitude de evolução da sociedade, pró-evolução e acho que bastante liberal. Na questão mais de modelo de país, de economia e tal, sinceramente, Dines, eu tenho muita dificuldade hoje de definir o que é liberal e o que é conservador. Vou pegar dois exemplos para comparar: o Brasil é um país que desde o governo Geisel fez um projeto de aumento brutal da presença do Estado brasileiro na vida do cidadão, seja na economia, seja na interferência na vida do cidadão. E de lá para cá o Brasil tem aumentado a presença do Estado, assim, com pequenas variações. A carga tributária é um bom medidor disso, ela vem subindo sistematicamente ao longo das décadas. No governo Fernando Henrique ela deu um pulo.
O que eu acho é o seguinte: o capitalismo brasileiro e a imprensa brasileira é capitalista, ele está se debatendo, isso é visível, numa grande crise. Faltam investimentos. Ao contrário, está se desinvestindo, e a própria imprensa que é, digamos, o showroom do Jornalismo, ela está numa crise de gestão. Não é o Estado que está colocando impostos sobre a imprensa, porque a imprensa goza de uma série de facilidades, a imprensa brasileira está vivendo uma crise do capitalismo. Então, alguma coisa está errada nessa queixa, a presença do Estado, a imprensa brasileira devia estar pujante porque não há controle, não há impostos, não há contribuições. Como é que você vê isso?
J.R.M. –Isso não é verdade. O capitalismo brasileiro, a meu ver, está num rumo ruim pelo excesso de presença do Estado, pelas empresas dependerem do governo, elas dependem de financiamento do BNDES, elas têm uma estrutura de carga tributária e burocrática tremenda para conseguir cumprir os impostos nesse sistema – louco – tributário brasileiro. Os encargos nas folhas de pagamento são enormes. Enfim, o empresário brasileiro vive em muita dificuldade. É um país que em qualquer ranking de competitividade você vê que o Brasil tem custo para os empresários muito acima [da média].
É o custo Brasil.
J.R.M. –Isso é generalizado. Indo para a imprensa, não é verdade o que você está dizendo. O que a imprensa tem é a imunidade de imposto sobre o papel e produtos que são ligados à impressão do papel. E só isso. Para não depender de uma fábrica brasileira de papel ou coisa assim, para dar independência.
Para evitar a Argentina.
J.R.M. –Para evitar a Argentina, exatamente. Todos os outros impostos a imprensa paga normalmente como qualquer outra empresa. Todos os encargos, essa loucura tributária brasileira, a imprensa paga do mesmo jeito. E o que está acontecendo hoje na imprensa, e eu imagino que você esteja falando da mídia impressa, porque a Globonews é imprensa, também, e está muito bem, contratando, e o G1, idem, tem hoje uma redação fantástica operando na internet e tudo. Mas a dificuldade que os jornais estão passando, hoje, o ano, esse último período não foi bom para a mídia impressa, eles estão perdendo…
No Brasil
J.R.M. –No Brasil, os jornais e as revistas estão perdendo participação no bolo publicitário. Então, está mais difícil a quadra para a mídia impressa, obriga fazer um ajuste aqui um ajuste ali. Isso é do processo.
Mas, ao mesmo tempo, os custos trabalhistas diminuíram muito, sobretudo por parte de jornalistas com o regime de Pessoa Jurídica. Hoje, grande parte das Redações, num certo nível, são empresa individuais. E, ao mesmo tempo, essa facilidade não consegue gerar que nós tenhamos mais jornais, sobretudo, na base, mesmo. Poucos jornais comunitários, poucos jornais regionais. São poucos. Há um déficit de comunicação.
J.R.M. –Não são poucos, não. Em nossas Redações, essa forma de Pessoa Jurídica praticamente não existe. Eu não sei se em outros jornais isso existe, mas o Ministério Público não deixa, a Receita Federal não deixa. Enfim, infelizmente, a legislação brasileira não nos dá essa flexibilidade. Nós podemos ter contratos com grandes talentos ou com uma pessoa de vídeo, mas na televisão, isso nós temos contratos com Pessoas Jurídicas. Mas nas Redações de jornais isso não acontece. Nós somos impedidos de fazer isso, infelizmente. Até na questão de encargos. A Associação Nacional de Jornais conseguiu que o governo mande uma mensagem numa Medida Provisória para desonerar a folha dos veículos de comunicação, o que será bom porque isso vai ajudar um pouco os jornais. Você diz que no Brasil não tem jornais pequenos de bairros. No Brasil tem 500 e tantos jornais diários, isso não é pouco.
O assunto de regulação, autorregulação é um assunto quente. Ele permeia todos os assuntos os estamentos sociais ligados à mídia. A gente sempre tem que ver o exemplo americano, que é uma espécie de um paradigma nosso. Existe um órgão regular, fiscalizador da concorrência nos EUA desde 1934, tem 78anos, que é o FCC, a Comissão Federal de Comunicação. É um órgão adjunto ao Senado, mas que tem ampla liberdade. E eles têm até poder de interferir em programação, punir, mas ai na mídia eletrônica. Mas eles, basicamente, são um órgão fiscalizador da concorrência, da competição. Como é que você vê isso? É um exemplo que tem funcionado, evitou grandes concentrações, o New York Timesnunca pode ter uma televisão por em Nova York porque tinha um jornal
J.R.M. –É uma pena, né?
De qualquer forma, a lei é lei. Como é que você vê isso?
J.R.M. –De novo, eu acho que cada país é um país, tem as suas características e tudo. Mas a existência da FCC foi muito importante para o EUA. Na minha opinião, eu não concordo com varias das decisões do FCC, mas, enfim, entendo, é o que eles chamam de defesa da concorrência. Tem, por exemplo, a questão da propriedade cruzada, que você mencionou, que o New York Times não pode ter uma televisão em Nova York. Aí ele faz uma televisão em outro lugar, troca com outro que faz uma televisão em Nova York e faz um acordo. Enfim, essas coisas todas eu acho que não são boas e, principalmente, quando você olha a história dos jornais americanos, e nós já falamos sobre isso aqui, na grande maioria das cidades americanas os jornais se fundiram e ficou um jornal monopolista. Na grande maioria das cidades americanas. Então, eu pergunto: será que se lá atrás, quando tinha dois, três jornais concorrendo, se eles pudessem ter televisão, se eles pudessem ter uma televisão local prestando um serviço junto com o jornal, concorrendo com outro jornal que tivesse uma televisão local e cada um fosse afiliado a uma rede nacional de televisão, será que eles seriam obrigados a se fundir no futuro ou estariam competindo até hoje, prestando um melhor serviço àquela cidade? Eu, sinceramente – parece jogo de palavras isso –, tenho uma profunda crença de que se tivessem permitido se fazer grupos locais fortes de mídia, combinando jornais com rádio, com televisão, enfim, como acontece no Brasil, você teria uma presença de uma mídia local mais forte nos EUA, hoje, e mais diversificada do que se tem hoje. A atitude do FCC levou a uma concentração no meio jornal. O que aconteceu? Eles foram obrigados a virar parte de rede de jornais, que você conhece muito bem, há várias nos EUA. Eles perderam uma característica individual. Estão perdendo personalidade. Acho normal que exista uma agência nos EUA, mas para um país como o Brasil, que tem uma democracia jovem ainda, já é o período democrático mais longo da história do Brasil mas ainda é muito curto, desde a Constituição de 1988, e com todas as paixões que o nosso sangue latino coloca, eu acho preferível essa fiscalização toda estar em mais de um órgão do Estado brasileiro. A defesa da concorrência ela é feita pelo CADE. Vamos imaginar amanhã que o Estado de S.Paulo resolva comprar a Folha de S.Paulo. Eu duvido que o CADE aprove essa fusão. Assim, qualquer movimento de compra ou venda de uma empresa tem que ser comunicado ao CADE, ela é avaliada pelo CADE, o CADE julga a questão da concentração. Você tem o CADE julgando a questão da concorrência econômica, a ANATEL cuidando da questão de frequência de televisão, o Ministério da Justiça olhando a Classificação Indicativa dos programas de televisão – hoje tem Classificação Indicativa em toda a programação da televisão informada ao telespectador. um grupo do Ministério da Justiça que está sempre fiscalizando, vendo se está de acordo. Eu acho isso muito saudável para um país como o Brasil. E se houvesse uma agência que centralizasse isso tudo, com sete diretores nomeados pelo Executivo, eu, sinceramente, considero um risco para a imprensa brasileira.
Não, um só realmente é demais. Mas a ideia de termos vários organismos centralizadores, digamos, centrados nas suas atividades seria muito bom. O negócio do CADE, desculpe, mas houve grandes discussões aqui nesse programa quando a Gazeta Mercantil, a falecida Gazeta Mercantildo grupo do Luiz Fernando Levy, estava reclamando da associação entre o grupo O Globo e o grupo Folha para fazer um jornal, o Valor, que realmente acabou por estraçalhar, quer dizer, o jornal já estava condenado, já estava condenado. Mas eles reclamaram do CADE, nós discutimos isso aqui no programa Observatório da Imprensa. Mas eu acho que, não vou retomar esse assunto…
J.R.M. –Mas o CADE teve que aprovar essa operação. Eles olharam, julgaram e acharam que era bom para a concorrência e para o cidadão brasileiro surgir um novo jornal econômico, mesmo que fosse de propriedade de duas empresas jornalísticas. E não foi o Valor que acabou com a Gazeta Mercantil. Houve o empreendimento do Valor justamente porque a Gazeta Mercantil estava ruindo e deixando um espaço para um jornal econômico de qualidade. Aliás, do qual nos orgulhamos muito, porque o Valor é um produto espetacular.
A própria ANJ, pelo que eu sei, e já foi falado aqui também, o Otávio Frias Filho mencionou, há posições divergentes dentro do empresariado brasileiro com relação a autorregularão jornalística. Como é que você vê essa questão?
J.R.M. –O que aconteceu na Inglaterra… eu acho sempre complicado pegar exemplos de outros países, porque…
As dimensões são outras
J.R.M. –A atitude da imprensa é outra. Esquecendo esse problema específico, nós vamos falar sobre ele, mas você comparar os tabloides ingleses com qualquer outra publicação no mundo é incomparável. Se um grupo de jornais – não estou falando nem dos grandes jornais –, se um grupo de jornais brasileiros fizesse 10%, 20% do que os tabloides ingleses fazem, haveria um incêndio. Aqui, as pessoas iriam para as ruas apedrejar os nossos prédios. Comparar a Inglaterra com a gente é sempre muito difícil. Até por causa da existência desse tabloides se discute muito a questão da autorregulamentação. Havia uma autorregulamentação, havia um órgão externo que tentava acompanhar e não conseguia. Isso é impossível. Por quê? Porque no final, quando você vai para a Justiça, a lei inglesa privilegia a liberdade de expressão total. E é assim que deve ser. É assim que deve ser.
Mas tem aí a questão de responsabilidade.
J.R.M. –Claro, claro. E a lei exige responsabilidade. Impede racismo, impede incitamento à violência, como no Brasil, a Constituição brasileira, também. Se nós incitarmos a violência, imediatamente o Ministério Público abre uma ação contra a gente, nós vamos para a Justiça e vamos perder. Como aconteceu, aliás, com um concorrente nosso que levou a um programa duas pessoas de uma suposta organização criminosa que ameaçaram a imprensa, ameaçaram policiais etc. E o Ministério Público no dia seguinte entrou com uma ação contra o programa, conseguiu condenar na Justiça, teve um problema danado. O apresentador do programa perdeu credibilidade, o programa perdeu audiência rapidamente, ele deixou de ser um programa competitivo no domingo e, enfim, as instituições funcionaram num excesso que houve num programa. Voltando à questão da autorregulamentação, o que houve no News of The World foi crime. Eles fizeram coisas inimagináveis para nós, profissionais do Jornalismo. É uma coisa criminosa. E estão respondendo na Justiça por isso. Quando se fala de autorregulação, que devemos ter um conselho externo para ver se nós estamos cumprindo a autorregulação, na Inglaterra tinha tudo isso, essas coisas não funcionam. O que funciona é a prefêrencia e a confiança do leitor. Nós discutimos isso na ANJ, é claro que na discussão aconteceram opiniões divergentes. A minha é divergente da do Otavio [Frias Filho], por exemplo.
Isso é bom. É muito bom que haja essas divergências.
J.R.M. –Eu imagino que sim.
Só que ela não foi explicitada.
J.R.M. –A divergência de opiniões foi explicitada não da discussão dentro da Associação, porque era uma discussão que era naquele momento nossa, mas nos jornais muitas discussões aconteceram. No Congresso Brasileiro de Jornais, com cobertura da imprensa, houve a discussão sobre autorregulamentação coberta por todos nós. Todos nós publicamos gente a favor, gente contra. Enfim, a Associação decidiu, muito acertadamente, recomendar aos seus associados que produzissem os seus códigos de autorregulamentação, explicitassem o seu código e o colocassem acessível no site do jornal e uma referência no jornal a isso.
Entrando agora num terreno crítico. Surpreendentemente, há poucas semanas, uma das figuras, um dos expoentes da vida brasileira, uma figura fulgurante, o chefe do Poder Judiciário, Joaquim Barbosa, numa conferência no exterior fez uma crítica muito clara, muito explícita à grande imprensa brasileira, sobretudo aos jornais. Ele fala que falta à mídia brasileira pluralidade e os jornais estão muito com o víeis à direita. Como você vê esse pronunciamento do Ministro Joaquim Barbosa?
J.R.M. –Eu vejo com muita naturalidade. Nós somos criticados por pessoas, por pessoas públicas, por leitores, diariamente. É um dado da nossa realidade. Quem trabalha com informação, com opinião, diariamente…
Com velocidade
J.R.M. –Com velocidade está sujeito à crítica permanente. E a crítica nos ajuda. Ela nos faz sempre pensar e refletir sobre o que nós estamos fazendo. O Joaquim Barbosa, como você disse, ganhou uma notoriedade muito grande pelo julgamento do mensalão, por esse momento e tal, como o Lula ganhou uma notoriedade muito grande quando foi a campanha para presidência, quando assumiu a presidência era o queridinho da imprensa, naquele momento. Depois veio o mensalão, que já não foi tão bom para ele, já começou a ficar com raiva da imprensa. Essas coisas acontecem, isso aí é normal na nossa vida. Eu acho a crítica injusta no sentido de que os jornais procuram ter dentro de seus produtos uma diversidade de opiniões, inclusive diferentes das suas. Vou falar de O Globo, que é um produto que eu conheço mais. Você tem dentro de O Globo opiniões tão dispares quanto, para citar duas pessoas do mesmo espaço, o [Luis Fernando] Veríssimo e o Paulo Guedes, que ocupam aquele espaço na página de artigos. Você tem a Miriam Leitão e o Elio Gaspari. Enfim, você tem um conjunto de colaboradores: tem o Caetano Veloso e o Francisco Bosco, tem o [Arnaldo] Jabor. É um conjunto de colaboradores com opiniões diferentes entre si, visões de mundo diferentes e muitas vezes discordantes da visão do jornal. E isso para nós enriquece o produto, ajuda a fazer as pessoas pensarem e nos ajuda a pensar, também. Então, a crítica me parece, assim, injusta, mas é bom que tenha havido, é bom que ele tenha explicitado. A gente reflete mais um pouquinho.
Temos aqui um outro assunto na nossa pauta que interessa muito e tem a ver com televisão, mas tem a ver com toda a mídia brasileira. Nós temos, digamos, uma distorção no próprio caráter secular e laico do regime brasileiro e que graças a isso nós temos hoje inúmeras televisões, abertas ou não, e rádios, também, pertencendo a confissões religiosas. Muitos especialistas e estudiosos acham que a aberração central está nisso, não permitir que um legislador seja ao mesmo tempo um concessionário. Você acha possível evitar essa justaposição, essa distorção?
J.R.M. –Acho, a lei já diz que um legislador não pode ser o proprietário de uma concessão pública. Isso está na lei. Eu acho que talvez falte fiscalização, eu não sei, mas a lei diz isso. Eu imagino que se há deputados que são donos de concessão, eu acho que está errado, mas eu não sei se [existem], realmente. Agora, com relação à questão religiosa, acho que o Brasil está passando por uma transformação enorme nesse âmbito, onde a igreja protestante está ganhando um terreno relevante e ela tem uma estratégia de usar meios de comunicação para a sua pregação.
Pois é, esse é o problema, digamos, de caráter constitucional.
J.R.M. –A dificuldade dos modelos desses meios de comunicação, dessas televisões, é que os meios são colocados em nome dos pastores, dos indivíduos e nunca da igreja. Porque isso a Constituição não permite. Existe uma questão aí que é delicada e que talvez mereça uma discussão no Congresso [Nacional] para que realmente se crie uma forma mais clara do que se pode e o que não se pode fazer com relação a arrendamento de concessões, arrendamento de horários, esse tipo de coisa que tem distorcido o mercado de televisão e rádio no Brasil.
Me desculpe insistir mas esse assunto me preocupa muito, têm distorções não apenas sob o ponto de vista do mercado, mas sob o ponto de vista democrático. O Estado brasileiro, teoricamente, a República brasileira é secular. E nós temos na TV aberta aluguel de horários, horários nobres, inclusive, para confissões religiosas. Eu acho que o ser humano deve ter a liberdade total para crer e para descrer. Eu me incluo entre esses últimos. O Estado não é mais isonômico na questão de crença religiosa, deixou de ser. Agora, pode parecer que isso é secundário, mas de perdas e perdas nós podemos ter perdas substanciais em questões até políticas.
J.R.M. –Eu concordo com você. Eu acho, enfim, a evolução dos evangélicos, a troca de religião para cá e para lá, eu acho muito saudável, mas o aluguel de horários e o aluguel de concessão é uma distorção, fere o contrato de concessão que nós concessionários assinamos ao receber uma concessão. Quando nós assinamos, assinamos uma responsabilidade por tudo que colocamos no ar durante todo o período da nossa programação. Ora, se a gente aluga um trecho do nosso horário para terceiros usarem aquilo, como é que fica a questão da responsabilidade ali? Ao pé da letra da lei, acho que isso é ilegal e nós temos essa posição, claramente. Nós achamos que isso é ilegal. Tanto o aluguel de horário, quanto o aluguel de concessões.