Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Internet: é só o começo

O crescimento acelerado da internet no Brasil ainda não produziu na mídia jornalística uma transformação comparável à que as redes sociais, a indignação e as dúvidas viscerais sobre o futuro do país fizeram explodir nas ruas e estradas e mudar, em alguns dias, a resposta do poder a cidadãos que se manifestam e aos que os apoiam.

Nesse processo, como ocorre há bem mais de uma década, redes sociais produziram e distribuíram informação à margem dos canais de comunicação criados e consumidos pelo establishment. Não há fenômeno social isolado no tempo e no espaço: cada mudança nas novas redes sociais provoca modificações nas outras redes, mais antigas.

Para ajudar a pensar, já seria alguma coisa evitar as confusões que sistematicamente envolvem esses assuntos. Tentemos uma pequena crônica da emergência da internet no território da informação jornalística. Se ela puder diminuir a confusão aí permanentemente instalada, terá serventia.

No início era a palavra

Há vinte anos entrou para a família das comunicações um rebento da telemática chamado internet. Enquanto a criança se limitou a brincar com palavras, seus parentes jornal e revista, telégrafo/telex, telefone, indústria fonográfica, cinema, rádio e televisão trataram-na como uma curiosidade simpática.

O tempo, nessa família, atropela o ritmo das mudanças de hábitos. Logo a criança entrava na adolescência e exibia dotes sedutores que não escondiam suas garras de tigresa. A curiosidade foi substituída por um misto de atração e ansiedade.

Chegada à juventude, com corpo de adulto e cabeça nem tanto, as redações jornalísticas, e principalmente seus patrões, passaram a ver a adolescente internet como um espectro a rondá-los. Mas não era só susto. O assanhamento da menina se traduziu em cifras.

5% das verbas

Dados recentes, produto de levantamentos incompletos (Projeto Inter-Meios, apud Mídia Dados 2012), mostram que em 2008, do bolo total de publicidade estimado no país – R$ 21,4 bilhões – a prima internet ganhou uma fatia de 3,5% (R$ 749 milhões). Em 2011, o bolo chegou a R$ 28,4 bilhões. A jovem atrevida pôs a mão em 5,1% (R$ 1,44 bilhão).

O que perturba os parentes mais velhos da família não é o montante. É a velocidade de crescimento. O faturamento bruto do conjunto das mídias aumentou 32,7% no período. O da internet, 93,3% (sempre tendo em mente que o levantamento, incompleto, não capta dados de alguns dos maiores portais; portanto, cresceu ainda mais).

A tia televisão não está triste. Passou de 58,9% para 63,8% do total. O vovô jornal e a vovó revista, esses sim estão amargurados, embora não tenham perdido a segunda e a terceira posições no retrato da família. O meio jornal caiu de 15,9% para 11,8%. Revista, de 8,5% para 7,2%.

O tio rádio não saiu de onde estava: 4,2% em 2008 e 4,0% em 2011. Quem começou a ter maiores ambições foi a prima TV por assinatura: cresceu de 3,7% para 4,2%. (Outras mídias consideradas são “out of home” – 1,1% em 2011, guias e listas – 4,2% – e cinema – 0,3%.)

Apesar do crescimento acelerado, a internet ainda não consegue realizar no Brasil seu potencial em “quantidade” e “qualidade”.

A parte do leão é da TV

Vejamos primeiro os números do país em 2012: 195 milhões de habitantes em 61,3 milhões de domicílios, dos quais 36,5% (40% em 2013) providos de microcomputadores com acesso à internet (rádio, 83,4%; televisão, 96,9%: telefone fixo ou celular, 89,9%). Densidade da banda larga: 8,6 por 100 habitantes (ver site da Associação Brasileira de Telecomunicações, Telebrasil).

Até que essas proporções se modifiquem, e enquanto a atual convivência de meios eletrônicos não for substituída pela sempre anunciada convergência, a televisão continuará com a parte do leão da receita publicitária. E não é para menos, se ela chegava em 2012 a 59,4 milhões de domicílios, enquanto a internet chegava a 22,3 milhões de domicílios (embora houvesse, somando-se locais de trabalho e de estudo, e telefonia móvel, 94,2 milhões de usuários da rede).

A maior revolução das comunicações ocorrida até aqui no Brasil foi a transformação da telefonia móvel em commodity (o número de celulares ativos chegou a 261,8 milhões em 2012), a despeito de seu preço exorbitante e de prometer muito mais do que o serviço de fato prestado.

Casamento poderoso

Essa revolução se tornará cada vez mais impressionante quando as primas telefonia móvel e internet se casarem. Por enquanto estão só “ficando”. Mas, mesmo quando habitarem o mesmo espaço do mundo digital, sua conjunção não liquidará nem a palavra falada, nem a informação textual hierarquizada e editada, nem a imagem fixa ou em movimento, nem as emissões de rádio e televisão.

O poder da associação telefonia-internet foi comprovado pelo vertiginoso sucesso das redes sociais, que se mostram capazes de contribuir até para mudar regimes políticos. Concorreram para isso, de forma decisiva, o barateamento e a maior facilidade na convocação das manifestações, como anotou o jornalista Renato Cruz (“O caos da rede”, O Estado de S. Paulo, 23/6; o foco de Cruz, porém, foi outro: a impossibilidade de se controlar a convocação, os objetivos e o comportamento dos participantes, devido ao modo individual como se incorporam aos atos públicos).

Ainda desajeitada

Vejamos agora a questão da “qualidade”. Os meios e plataformas usados pela internet criaram possibilidades inimaginadas algumas décadas atrás, mas estão longe de ter conseguido a facilidade, a fluência, o conforto obtido nos meios hoje chamados tradicionais. Embora os dispositivos de controle remoto ainda estejam distantes da modernidade, ligar um aparelho de televisão é bem mais simples do que usar um computador ou navegar na rede. No rádio, basta girar um botão ou apertar uma tecla.

Os meios de comunicação tradicionais, jornais eminentemente incluídos, estão entre os menos inteligentes na relação com as realidades e as miragens digitais. Jamais entenderam uma verdade proclamada pelo escritor e cientista Arthur Clarke: toda revolução tecnológica promete mais do que é capaz de entregar imediatamente e inimaginavelmente menos do que no futuro se poderá obter dela.

A internet cabe esplendidamente nessa avaliação. De início, suas potencialidades mais etéreas foram exageradas e dadas como iminentes. Pouco se percebeu que ela funciona tanto melhor quanto mais desenvolvida é a tecnologia própria dos ambientes que interliga.

Dois exemplos bem óbvios. Do lado do melhor aproveitamento, os bancos brasileiros – modernizados em marcha batida para sobreviver em contexto altamente inflacionário (e dele tirar partido) – usaram a rede em seu benefício. E o internet banking interessava aos dois lados do balcão. No polo negativo, depender de uma conexão discada para entrar na rede com um PC antigo é irritante, embora 15 anos atrás isso fosse “o máximo”. Síntese: impossível usar linha discada para fazer operação bancária.

Como meio de transmissão de entretenimento e informação, a rede seria econômica e logisticamente imbatível, por deixar a cargo do usuário a compra do equipamento de recepção. E suprimir a etapa da reprodução física e da distribuição. Mas isso o rádio e a televisão também fazem, e desde muito antes, com equipamentos domiciliares ou portáteis cujo desempenho ainda é muito superior, em seus territórios específicos, do que se pode encontrar na internet.

A explicação é o custo muito pesado dos softwares que adaptam conteúdos digitais a novos dispositivos, ou a atualizações de seus sistemas operacionais e programas.

Cruzamento de ignorâncias

Os jornalistas, algo intimidados devido à sua ignorância coletiva em mais esse campo específico de conhecimento, não perceberam que nenhum integrante das equipes de informática desembarcadas nas redações nos anos 1980, em geral bons profissionais e companheiros de trabalho leais, tinha ideia do processo de produção de um jornal.

As equipes de informática, mesmo trabalhando em parceria com editores, não foram muito além de tentar amoldar as rotinas das redações, filhas da segunda revolução industrial, aos instrumentos da primeira era computacional. Era o que podiam fazer, a menos que tivessem sido tomadas duas providências: dar a analistas de sistema e outros técnicos noções essenciais de jornalismo, e a jornalistas um conhecimento menos impressionista de informática. Mas nunca há tempo/dinheiro para essas providências, que, paradoxalmente, teriam economizado despesas ainda maiores e desperdícios difíceis de quantificar.

Para piorar as coisas, o Brasil vivia então sob o regime de reserva de mercado para a informática, que resultava em deixar o país cada vez mais distante da ponta das descobertas, invenções, experimentações e aplicações do processamento de dados na pesquisa científica e tecnológica e no mundo da produção e dos negócios.

Informatização “burra”

Assim, a chegada da informatização às redações, apesar de todo o ganho que propiciava ao aposentar a máquina de escrever, a lauda, as cópias feitas com papel carbono e a necessidade de usar corretores, tesouras, fita durex, emendas manuscritas ou datilografadas espremidas entre as linhas originais do texto, foi uma informatização relativamente “burra”.

E nas etapas seguintes foi necessário mais do que aprender a usar as novas ferramentas ao se passar de uma ponta tecnológica para a seguinte. Foi preciso também dar voltas pelos meandros de um aprendizado torto.

Isso não deve ser entendido como atributo negativo dos jornalistas. Em qualquer terreno que se examine – do entretenimento à publicidade, da educação ao debate público –, só se enxergou uma parte dos benefícios que se poderiam tirar da interatividade: a parte que cabia em orçamentos feitos com a cabeça virada para trás.

Ilustre leitor

Este Observatório pode se orgulhar de ter trabalhado desde a primeira edição com a ideia de que a participação dos leitores permitida pela internet seria um divisor de águas. Ela não só democratizava a comunicação como fornecia uma ideia de quem eram eles. No início, chegou a publicar, numa edição de fim de ano, a lista de seus interlocutores (ver na última edição de 1996).

Hoje, com seus portais e outros meios, os veículos podem obter informações infinitamente melhores a respeito de seus públicos do que a pretendida por Samuel Wainer quando ficava rondando a banca de jornais perto de sua casa para tentar deduzir, observando os compradores da Última Hora, quem era o “seu leitor”. Ressalte-se que Wainer não fez um grande jornal porque conseguia “entender a cabeça de seu leitor”, mas porque em sua própria cabeça tinha ideias poderosas cuja tradução no jornal atraiu leitores.

Houve uma época em que se vislumbrou uma possível interlocução vantajosa. Tudo quanto era colunista colocava após a assinatura o seu endereço eletrônico. Os leitores, supunha-se, poderiam ser fontes privilegiadas ou exclusivas. Como a experiência deu mais chateação do que notícia quente, a prática foi rapidamente confinada a seções ou editorias que contam com quem possa fazer uma triagem das mensagens e, de fato, não da boca para fora, dialogar com os interlocutores.

Informação e compreensão

Outra coisa que permanece basicamente a mesma é o tempo médio necessário para passar da informação ao conhecimento e a partir dele elaborar uma compreensão. Há um crescendo que vai das coisas mais simples às mais complexas. Com um complicador: quem garante que alguma coisa é simples?

Não se pode pensar no mesmo ritmo de afluxo das informações. Até porque o bombardeio informacional ocupa tempo que antes era usado para decantar os fatos e fazer, individual ou coletivamente, articulações mentais segundo eixos verticais (no tempo) e horizontais (contextualização).

Uma dificuldade peculiar decorre de que os designers da internet ainda não foram capazes de alcançar o estágio de sofisticação e de completude dos objetos jornal, revista ou livro, cujas formas atuais se inscrevem num processo milenar de experimentação. Não é só uma questão da cultura (no sentido de “técnica”) dos diagramadores do texto impresso. Toda a formação letrada das pessoas, desde a invenção da escrita, até uma geração atrás, usou suportes em átomos: o texto (que pode ser marcado, comentado etc.) e a estante.

O que há de mais interessante na internet é o hipertexto, que a antecedeu de décadas e foi um grande diferencial em relação a tudo que veio antes. Mesmo o hipertexto não tinha caído do céu: incunábulos tinham margens largas onde cabiam marcações (dos editores ou dos leitores), comentários, ilustrações, vinhetas.

Onde se lê melhor

Quando a edição jornalística souber explorar o potencial dos novos suportes – telefones móveis, tablets e o que mais surgir –, ou especialmente quando chegar ao mercado algum equipamento concebido precipuamente para receber edições jornalísticas digitais, caminhará para o fim o processo industrial de impressão e toda a patética logística de distribuição em grandes cidades. Jornais de maior prestígio tenderão cada vez mais a ser de fato nacionais. Poderá haver novamente uma combinação das duas modalidades, como a praticada pela falecida Gazeta Mercantil quando descentralizou a impressão em diferentes cidades do país.

A internet, como a conhecemos hoje, não é um território confortável para a leitura. O dispositivo para ler e-books tem sobre a navegação na rede uma grande vantagem: reproduz o contexto da leitura solitária esilenciosa. O jornal, revista ou livro chega ao indivíduo, que, diferentemente do que ocorre com a televisão e o rádio, vai lê-los quando quiser ou puder.

Na internet, o indivíduo é colocado numa espécie de mercado persa onde há gente gritando de todo lado e a propósito de tudo. O leitor solitário e isolado pode se concentrar no conteúdo que tem diante dos olhos (muitas vezes não consegue, mas essa é outra discussão).

Publicidade afogada em pop-ups

Se os jornalistas ainda não souberam tirar o melhor proveito da internet, os publicitários não estão autorizados a se vangloriar. Para dar um exemplo magno: recorrem cada vez mais abusivamente a pop-ups que dificultam a navegação.

Problema tão antigo na rede que versões do falecido Netscape já tinham bloqueadores. Os pop-ups são de tal modo rebarbados por usuários treinados que há antídotos chamados Ad Killer, Kill Popup, Popup Annihilator, Popup Assassin, Popup Burner etc.

Mas os principais desafios colocados para os jornais não estão na internet. Ela é uma ferramenta cada vez mais importante do jornalismo. A batalha decisiva também não ocorre nos departamentos de marketing e na alta direção administrativa, mas na Redação. Garantidas condições mínimas de sobrevivência econômica, as categorias relevância e credibilidade deveriam dar as cartas.

Os melhores: elogio e crítica

No livro Os melhores jornais do mundo: uma visão da imprensa internacional (2a ed., 2008), Matias Molina argumenta que os campeões “se destacam pela relevância, que vem do fato de serem lidos por uma elite e pelos ocupantes de altos cargos públicos, cuja opinião ajudam a formar”.

Nesse sentido, cabe uma crítica cortante feita pelo antropólogo Mauro Cerbino, da Flacso, Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (ver entrevista publicada no site amaivos):

“Claro que os meios de comunicação não são apenas reprodutores [do discurso maior], também são os que produzem o discurso maior, que pretende ser objetivo e inquestionável. Tanto na Espanha como no Equador, a única visão que o comum das pessoas leigas possui é a visão dos meios de comunicação… Os meios de comunicação se encarregam de representar simbolicamente e alimentar o imaginário dos cidadãos, fazendo o ‘trabalho sujo’ por conta do Estado. (…) Os meios de comunicação trabalham diretamente com a constituição da opinião pública, são alimentadores dos funcionários, aqueles que dão as chaves interpretativas da realidade”.

Cuidem de seu negócio

Molina constata em sua pesquisa, publicada originalmente na forma de artigos no jornal Valor: “A importância [dos melhores] jornais é muito superior às suas dimensões econômicas”. Máxima que deveria ser lida e relida por dirigentes de empresas jornalísticas volta e meia seduzidos pela possibilidade de agregar outros negócios, por estapafúrdios que sejam.

Disso acaba resultando um mix decepcionante. Esses patrões não se tornam campeões nos novos negócios, em setores onde há gente muito mais competente. Com raras exceções, também não cuidam devidamente do negócio que herdaram, e que nunca poderá ser tratado acertadamente por executivos cuja formação e cuja prática estão longe de ser regidas pelo compromisso de prestar primordialmente um serviço público: informar segundo um padrão aceitável de honestidade e animar amplamente a arena do debate público democrático.