Nada como 20 horas diárias de luz para clarear e compartilhar ideias! Na semana passada (24-28/06), mais de 800 pessoas, de quase 80 países, participaram da 8ª Conferência Mundial de Jornalistas de Ciência, realizada em Helsinque, na Finlândia, em pleno verão de 20ºC, quando os dias são longuíssimos.
A singularidade das condições climáticas locais compôs estimulante cenário para a discussão de uma grande variedade de temas, de ética, integridade e independência à cobertura do ceticismo climático e de movimentos anticiência, passando por mídias sociais e jornalismo investigativo.
Os assuntos foram analisados de perspectivas diversas por representantes sobretudo de nações com tradição na área – como Estados Unidos e as da Europa –, mas também de países um tanto menos óbvios – como Líbano, Costa do Marfim e Samoa.
Em ambiente marcado pela diversidade, prevaleceram valores, anseios e desafios convergentes, todos eles relacionados ao papel crucial do jornalismo científico no mundo moderno, fortemente impactado pela ciência e cada vez mais vulnerável às pressões do homem e da natureza.
Somados, os debates refletiram um consenso sobre a importância de os jornalistas examinarem criticamente evidências científicas e comunicarem de maneira responsável e independente o desenvolvimento da ciência e suas implicações para a sociedade – preocupação registrada na declaração final da conferência.
Grande apelo à liberdade de expressão, ao acesso facilitado a informações, à transparência e à melhor comunicação entre organizações envolvidas no empreendimento científico e na elaboração de políticas do setor também permeou o evento, sendo igualmente incluído na declaração, segundo a qual o impulso atual para o jornalismo científico de qualidade nunca foi tão forte.
Dificuldades e desafios
Mas será de fato um bom momento para o jornalismo de ciência? Dificuldades de toda ordem foram apontadas durante a conferência. A falta de recursos esteve entre as principais preocupações dos jornalistas de países desenvolvidos, onde a mídia em geral – e o jornalismo científico em especial – foi fortemente afetada pela crise econômica.
Para nações mais carentes, no entanto, os debates mostram claramente que o buraco é mais embaixo: em geral, há pouco reconhecimento político sobre a importância da ciência e, consequentemente, interesse e espaço escassos para o jornalismo científico. Os poucos que se aventuram na cobertura da área esbarram, muitas vezes, na dificuldade de acesso a informações científicas e na falta de liberdade para exercer a profissão.
Relatos sobre as condições de trabalho em países periféricos da África, do Oriente Médio e da Oceania, por exemplo, estimulam uma reflexão mais aprofundada sobre o próprio programa da conferência, que tende a privilegiar discussões baseadas no panorama do jornalismo científico no primeiro mundo – ou em países em que ele se encontra mais ou menos consolidado, como no caso do Brasil e da Argentina.
Entre os desafios da profissão, destaque para aqueles impostos pelo novo contexto digital: em um mundo em que não faltam informações, nos mais diversos formatos (blogues, vídeos, áudios, redes sociais…), e em que todos são jornalistas em potencial, como fazer a diferença? No momento em que os leitores podem acessar, de um mesmo computador, notícias de ciência de diversos veículos, faz sentido todos reportarem a mesma coisa?
Caminhos
Diante de tantas dificuldades e dilemas, não restam dúvidas de que o jornalismo científico precisa se reinventar. O momento atual exige um profissional empreendedor e inovador, menos preso a uma única instituição. Nesse sentido, alguns caminhos foram apontados durante a conferência.
Em busca de recursos, independência e profundidade, jornalistas têm recorrido ao crowdfunding, modelo em ascendência de patrocínio coletivo de ideias e projetos, que vem sendo explorado, inclusive, por cientistas.
A revista eletrônica Matteré um fruto bem-sucedido dessa estratégia. No início de 2012, dois jornalistas de ciência experientes conseguiram arrecadar 140 mil dólares na Kickstarter – plataforma mais antiga no universo do crowdfunding – para criar uma publicação dedicada a longas reportagens de ciência. Hoje, estabilizada e com assinatura mensal a 0,99 centavos de dólar, a revista vem sendo elogiada no meio e tem inovado na interação com os financiadores e assinantes, que participam da seleção dos assuntos abordados na publicação.
Menos competição e mais colaboração – tanto entre jornalistas e público quanto entre os próprios jornalistas – também foi um lema defendido na conferência, mas que ainda é pouco praticado. Um exemplo interessante em outra área é o Homicide Watch D.C.. Apesar do tema sombrio, o premiado projeto do Distrito de Columbia, nos Estados Unidos, pode ser um bom modelo para o jornalismo de ciência. A iniciativa, sustentada por doações, integra uma rede crescente de sites no país dedicada a cobrir, por meio de reportagens originais, documentos judiciais, mídias sociais e com a ajuda de membros das comunidades locais, assassinatos cometidos em diferentes estados norte-americanos.
Sejam quais forem as dificuldades e os caminhos do jornalismo científico, é importante aproveitar ocasiões como a Conferência Mundial de Jornalistas de Ciência para reforçar os valores básicos que movem a nossa profissão, muitas vezes atropelados pela correria do dia a dia e pela pressão por produção e versatilidade.
Sem falar que, para os poucos que nos dedicamos à área no Brasil, é sempre reconfortante saber que não estamos sós e que o entusiasmo, os obstáculos e os dilemas que vivemos, mesmo que de ordens diversas, são compartilhados por colegas de todo o mundo – desenvolvido, subdesenvolvido, democrático, totalitário…
Em 2015 tem mais, na Coreia do Sul!
Confira aqui alguns destaques da conferência.
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A ascensão dos blogues de ciência
Eles são independentes, remunerados, escrevem sobre o que querem e têm a qualidade do seu trabalho cada vez mais reconhecida. Se você ficou com inveja – eu fiquei! –, este é um bom momento para iniciar seu blogue de ciência.
Com espaço de destaque na programação da 8ª Conferência Mundial de Jornalistas de Ciência, realizada na semana passada em Helsinque, na Finlândia, os blogueiros de ciência mostraram que vieram para ficar. Em menos de 10 anos, conseguiram, com um trabalho original, consistente e capaz de se espalhar rapidamente pela rede, consolidar um canal cada vez mais relevante na comunicação da ciência.
O prolífico e premiado escritor de ciência britânico Ed Yong se destaca nesse meio. Autor de matérias publicadas na Nature, BBC, New Scientist, Wired, no Guardian, Times, entre outros, Yong – também ativo no Twitter e no Facebook – habita a blogosfera científica desde 2006, quando ela ainda era um território amorfo e pouco respeitado.
Seu disputado blogue ‘Not Exactly Rocket Science’, iniciado em carreira solo no WordPress e com passagens pelo ScienceBlogs e pela revista Discover, encontra-se atualmente na National Geographic, onde divide espaço com três congêneres – entre eles o ‘The Loom’, de Carl Zimmer, outro fenômeno da blogosfera científica. Os quatro blogues compõem a seção virtual da publicação chamada ‘Phenomena’, descrita como um science salon (algo como ‘salão de ciência’).
O ‘Not Exactly Rocket Science’ – pelo qual Yong, segundo ele mesmo, ganha bem – é seu espaço de experimento e de lazer, e também o lugar de divulgar, “com total independência”, o trabalho que publica em outros meios.
Mudança de paradigma
Na conferência, Yong falou sobre as significativas transformações pelas quais vêm passando os blogues de ciência desde que estreou nessa arena. À guisa de ilustração, contou um caso antigo: certa vez, ao ler um comunicado de imprensa (press release) sobre estudo publicado em determinado periódico, entrou em contato com a assessoria da publicação e pediu a íntegra do artigo, para ouvir da assessora que o material que tinha era mais que o suficiente para um blogue.
Não que o preconceito em relação a blogues tenha desaparecido por completo, mas, para quem acompanha a blogosfera de ciência, em especial a em inglês, é inegável que seu prestígio venha aumentando. Não é raro ver cientistas renomados – inclusive laureados com o Nobel – enveredando por essa seara. Também se torna cada vez mais comum o uso desse espaço para discussões de alto nível científico, que já chegaram a resultar em revisões e erratas de artigos em periódicos de grande impacto.
Na avaliação de Yong, muito do fortalecimento dos blogues de ciência se deve ao jornalismo científico de baixa qualidade. Segundo ele, vários surgiram para corrigir erros científicos divulgados na mídia. Nesse sentido, ressaltou a importância da precisão e do rigor científico nesse meio, cláusulas pétreas do ‘Not Exactly Rocket Science’.
Yong chegou a dizer que o processo de preparação de um post em seu blogue é “exatamente” o mesmo que o de apuração para a escrita de uma matéria jornalística, sendo a única diferença a presença de um olhar mais pessoal no primeiro.
Sua colocação traz à tona a velha discussão sobre a diferença entre fazer jornalismo e blogar. Apesar de valorizar ambas as iniciativas e considerá-las igualmente relevantes para a comunicação da ciência, há quem ainda veja uma distinção significativa – e saudável – entre uma coisa e outra. Yong, que deu a entender que já está cansado de discutir a questão, não se aprofundou muito nela.
Trabalho coletivo
Para Betsy Mason, editora de ciência da revista Wired, algumas características intrínsecas aos blogues os distinguem do jornalismo científico tradicional, como as diversas possibilidades de ângulos a serem exploradas, o tom pessoal e a independência editorial. Por outro lado, ela destaca aspectos importantes e comuns a ambos, como a ética e a transparência.
Na avaliação de Mason, a última campanha da Wired para angariar novos blogues é um exemplo de como a blogosfera de ciência vem crescendo e se diversificando. A revista recebeu 113 propostas, sendo 50% de cientistas e 25% de jornalistas; 50% eram homens e 47%, mulheres (3% não se identificaram); 42% ainda não tinham blogues; e 31% eram de fora dos Estados Unidos, país natal da revista.
Atualmente, a Wired conta com 10 blogues de ciência, sobre temas diversos, um deles coescrito pela própria Betsy Mason, que compartilha com os leitores sua obsessão por mapas. Todos são remunerados.
No Guardian, são 13 blogues de ciência, cobrindo temas igualmente variados. Também há remuneração pelo trabalho – os autores ganham um percentual do que suas páginas arrecadam com anúncios. “Não é muito, mas é um bom complemento”, diz Alok Jha, repórter de ciência do jornal, sem falar em cifras.
Segundo Jha, que também faz a sua parte dentro do segmento, a inclusão de blogues no site do jornal britânico é uma forma de neutralizar o ponto de vista do veículo, de incluir outras visões que representem de alguma forma os leitores, tanto do Reino Unido quanto de outros cantos do mundo.
Se alguém ainda tem dúvida de que a blogosfera científica esteja crescendo, tome essa: a Scientific American contabiliza 63 blogues de ciência em sua página na internet! Difícil imaginar como Bora Zivkovic – que, além de editor da trupe de blogueiros, também tem um blogue para chamar de seu – lida com isso.
Zivkovic ressalta que, ao escrever para uma revista de nome forte como a Scientific American, os pesquisadores só têm a ganhar: com acesso a todo o conteúdo da publicação, total independência e a grande visibilidade proporcionada, o que mais gostariam?
Então, quando vai lançar seu blogue de ciência?
Garimpo da blogosfera
>> Nacional
Bússola: mantido pelo Instituto Ciência Hoje e atualizado por jornalistas, pesquisadores e colaboradores.
Blog do Stevens Rehen: escrito pelo cientista e mantido pela UOL.
A neurocientista de plantão: assinado pela neurocientista Suzana Herculano-Houzel.
Gene Repórter: mantido pelo biólogo Roberto Takata
Por dentro da ciência: do físico Adilson de Oliveira.
Questões da ciência: escrito pelo jornalista Bernardo Esteves, na revista Piauí.
Imagine só: mantido pelo jornalista Herton Escobar, no Estado de São Paulo.
ScienceBlogs Brasil: condomínio de blogues científicos brasileiros.
Blogues de ciência da Folha de S.Paulo: Teoria de Tudo, assinado pelo jornalista Rafael Garcia, e Darwin e Deus, do jornalista Reinaldo José Lopes.
Unesp Ciência: da revista homônima.
>> Gringa
Dot Earth: assinado pelo jornalista Andrew C. Revkin, no New York Times.
Bad Astronomy: mantido pelo astrônomo Phil Plait, na Slate.
ScienceBlogs: condomínio de blogues de ciência escritos em inglês.
Phenomena: seção de blogues da National Geographic, composta por Not Exactly Rocket Science, mantido por Ed Yong, The Loom, escrito por Carl Zimmer, e outros dois blogues.
Wire Science Blogs: conjunto de 10 blogues mantido pela revista Wired.
Guardian Science Blogs: conjunto de 13 blogues mantido pelo jornal britânico Guardian.
Scientific American Blog Network: rede de 63 blogues mantida pela revista Scientific American.
Wellcome Trust Blog: mantido pela Wellcome Trust e escrito por vários colaboradores.
Leia também
Quanto mais retratação melhor – C.A.
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Carla Almeida, do Ciência Hoje On-line; a jornalista viajou para Helsinque a convite da Federação Mundial de Jornalistas de Ciência (WFSJ, na sigla em inglês)