Das primeiras manifestações do Movimento Passe Livre ao “casamento da dona Baratinha”, dos protestos na Copa das Confederações ao quebra-quebra no Leblon, milhares de pessoas têm acompanhado a crise por meio do Mídia Ninja, um coletivo de jornalistas que transmite tudo ao vivo e sem cortes, do olho do furacão, usando smartphones e redes 3G.
Ainda que sua audiência seja pequena, a novidade aponta para uma mudança de paradigma nas coberturas de acontecimentos de massa.
Ocupando o vácuo deixado pelos canais de televisão, os ninjas conquistaram espaço não pela qualidade técnica de suas imagens, mas pela ousadia com que se metem em situações de risco para entrevistar manifestantes e policiais, expondo sem filtros a ação (ou omissão) do aparato repressor e ensejando um inédito grau de controle social sobre situações que, se dependesse da mídia “tradicional”, sequer teriam sido divulgadas.
Isso posto, é preciso questionar a euforia com que muita gente se apressou a decretar o fim do jornalismo convencional, um morto sem sepultura atropelado pela revolucionária ação dos ninjas.
Para demonstrar a ingenuidade dessa tese bastaria lembrar que rigorosamente todos os escândalos que conspiraram para a insatisfação geral da sociedade foram investigados e denunciados por profissionais que apuram, ouvem diversas fontes, checam informações e passam pelos crivos da boa prática da profissão.
Grau de independência
Mas a melhor lição para quem acha que nada disso importa e basta estar do lado certo para fazer bom jornalismo foi a entrevista de mais de uma hora que o Mídia Ninja fez com Eduardo Paes na última sexta-feira.
Uma coisa é interpelar PMs despreparados no calor de uma manifestação, outra é entrevistar um político profissional: desinformados e fazendo perguntas sofríveis, os ninjas foram simplesmente jantados pelo prefeito. É evidente que isso não tira o mérito da cobertura dos protestos, mas convém baixar um pouco a bola: a falta de humildade é a primeira cilada que se apresenta para os ninjas.
Em longo texto divulgado nas redes sociais no dia seguinte à entrevista, em vez de se desculparem por perguntar se a Aldeia Maracanã será removida (?) e outras baboseiras, eles se limitaram a atribuir à demagogia do prefeito a culpa pelo péssimo trabalho que fizeram.
Vale lembrar também que “Ninja” quer dizer “Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação”, ou seja, a independência é um componente fundamental da credibilidade e do capital simbólico do coletivo — em uma palavra, da sua imagem. Ser independente é também fator de potencial identificação com os milhões de brasileiros que foram às ruas, em parte, por não se sentirem mais representados pelos partidos constituídos.
Ora, no último programa “Roda Viva”, na TV Cultura, o presidente nacional de um partido se referiu aos integrantes da rede Fora do Eixo, berço do Mídia Ninja, como “companheiros” que estão “próximos à gente”, passando a impressão de que eles seriam uma ferramenta de articulação político-partidária. Nada haveria de errado nisso, mas a falta de transparência confunde as pessoas: esta é a segunda cilada.
Num momento em que muita gente vive a sensação de estar sendo manipulada por cima e por baixo, pela esquerda e pela direita, por trás e pela frente, parece importante esclarecer qual é o verdadeiro grau de independência das narrativas do Ninja, que tanto tem impressionado pelo jornalismo e pela ação.
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Luciano Trigo é jornalista e escritor.