Os meninos são ninjas de marketing, fugazes. Quem acompanhou as bobagens ditas no ar viu que é tão ruim que chega a ser divertido
Decano do jornalismo, professor, observador da imprensa, Alberto Dines anda entusiasmadíssimo com os ninjas a ponto de compará-los à imprensa alternativa surgida na resistência à ditadura. Ouso discordar do mestre.
Os ninjas (e similares) têm transmitido o reality show da vida ativista durante horas, coisa que –convenhamos– não há mesmo muito jornalista que vá e possa fazer. Jornal fecha edição. TV tem tempo valioso. Rádios registram takes. Ninjas rodam bruto e hoje há liberdade de expressão, além de tecnologia.
Mas antes havia qualidade e inteligência, nomes importantes, líderes. Éramos vários grupos e tendências. Lembro quando fundamos o jornal “Nós Mulheres”, feminista.
Uma guerra para fechar cada edição. Tudo era difícil para todos: alguns, apoiados por organizações políticas e partidos na clandestinidade; outros, por vaquinhas, o crowdfunding da época, ajudados por artistas ou militantes de boas famílias.
No sobrado da rua Capote Valente, 376, havia duas redações: “Nós Mulheres” no porão emprestado e o “Versus” no térreo. Horas vagas na militância jornalística. Todos eram assim. Nada se podia pagar. Poucos eram editores profissionais.
E para buscar os jornais nas raras gráficas que aceitavam o risco de trabalhar para “subversivos”? Ou caloteiros, que às vezes também éramos? Filmados, fotografados, seguidos e perseguidos pela polícia política.
Parte da fantasia
Bombas explodiam nas redações ou em bancas que ousavam vender nossos jornais. Ou, como aconteceu no Bar da Terra, que frequentávamos. Ali, se a bomba tivesse sido mais certeira, dizimaria boa parte de quem fazia a imprensa nanica, como simpaticamente era vista.
Era uma imprensa que juntava jornalistas, intelectuais, pesquisadores, pensadores, contatos do exílio, o que de melhor havia. Formulávamos um país melhor.
Nada contra a Mídia Ninja. Acompanho muitas manifestações por eles. Mas daí a dizer que o que vêm fazendo é igual à imprensa alternativa, que são gênios da informação, calma lá. Alguém que tenha tido a pachorra de acompanhar a linguagem descompassada da cobertura, o português assassinado, as bobagens ditas no ar, a desinformação, a ignorância política ou que tenha tido a disposição de ler os comentários da audiência viu que é tão ruim que chega a ser divertido.
O jornalismo da vida real é feito sem brincadeira, por profissionais, que deveriam ter melhores condições de trabalho, de tempo, de estrutura. Denúncias, entrevistas, investigações e reportagens requerem técnica e –por que não dizer?– proteção, em suas várias formas.
Não há esse duelo “velho” jornalismo, “novo” jornalismo. Vejo uma visão empobrecida de quem ouviu cantar o galo por aí, falando em “crise narrativa” –expressão cunhada pelo Fora do Eixo Pablo Capilé, que insiste na confusa e rala análise que faz onde pode, se enrolando todo.
Mestre Dines, com todo o respeito: não terá o senhor se entusiasmado demais? Ninjas são parte da nossa fantasia, aquela coisa oriental de luta. Os meninos são ninjas de marketing, de sorte de sigla: Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação. Não se sustentam nas pernas. Não têm qualidade. São fugazes. Como o papa alerta, jovens podem ser as maiores vítimas da manipulação.
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Marli Gonçalves, 55, jornalista, é diretora da Brickmann&Associados Comunicação