Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Manipulação contra o programa Mais Médicos

Na sexta-feira (23/8), o jornal Estado de Minas publicou uma polêmica reportagem sobre a possível retaliação do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG) aos médicos cubanos que vão trabalhar por meio do programa Mais Médicos, do governo federal, nas regiões norte e nordeste do estado e nas periferias de alguns municípios da região metropolitana de Belo Horizonte.

De acordo com a matéria, intitulada “Minas fecha a porta para médicos cubanos”, o CRM-MG pretende denunciar os médicos caribenhos por exercício ilegal da profissão, “uma vez que o governo permite a vinda desses profissionais sem a obrigatoriedade de enfrentar o processo de revalidação do diploma estrangeiro e o exame de proficiência em língua portuguesa”.

Segundo o presidente do CRM-MG, João Batista Gomes Soares, equipes da entidade vão fiscalizar se os profissionais cubanos têm o diploma revalidado no Brasil e a carteirinha do CRM-MG. “Se não tiver, vamos à delegacia de polícia e o denunciamos por exercício ilegal da profissão, da mesma forma que fazemos com um charlatão ou com curandeiro. Não vou respeitar medida provisória [responsável pela contratação dos médicos cubanos], que é coisa da época da ditadura. […] Nossa preocupação é com a qualidade desses médicos, que são bons apenas em medicina preventiva, não sabem tirar tomografia. Vou orientar meus médicos a não socorrerem erros dos colegas cubanos”, ameaçou João Batista.

Desprezo pela vida humana

Pois bem, vamos à interpretação dos fatos. É absolutamente normal que o Estado de Minas seja contrário ao programa Mais Médicos. Afinal de contas, qualquer política pública que vise a beneficiar as parcelas mais carentes da população (ainda que de maneira paliativa) é contrária aos interesses das elites econômicas (nesse caso, o corporativismo médico) e malvista pelos grandes veículos de comunicação do Brasil.

Entretanto, devemos questionar a manipulação de informações e a distorção da realidade. Ora, os profissionais cubanos não atuarão no Brasil sem a devida revalidação do diploma e sem a aprovação no exame de proficiência em língua portuguesa. São requisitos básicos. Sendo assim, a não ser que se queira confundir a população e direcioná-la para determinada linha de pensamento, não faz sentido algum todo esse imbróglio promovida pelo Estado de Minas e pelo CRM-MG.

Não obstante as tentativas por parte da imprensa brasileira em ridicularizar de todas as formas os médicos cubanos que vão trabalhar no Brasil, o presidente do CRM-MG, João Batista Gomes Soares, em suas declarações para o Estado de Minas, se considera acima das leis do Executivo Federal (prática corriqueira das elites tupiniquins) e demonstra claro exemplo de conduta antiética ao orientar seus colegas a não atender pacientes prejudicados por prováveis casos de erros médicos por parte dos cubanos. Essa postura demonstra claramente o total desprezo pela vida humana (sobretudo da população pobre) apresentada por alguns profissionais da medicina brasileira.

Perda de privilégios

Já no final da reportagem, ao comentar o fato de o Estado brasileiro não pagar os salários diretamente aos profissionais cubanos, mas repassar o equivalente a essas remunerações ao governo de Havana, a jornalista Sandra Kiefer, autora da matéria, aproveitou para declarar o seu repúdio ao regime castrista. “O propalado acordo bilateral, portanto, fere a lógica socialista. Representa de forma inequívoca a exploração do homem pelo Estado: haverá lucro com o trabalho alheio. Mais uma anomalia de uma decisão que tem causado enorme indignação na classe médica brasileira”, provocou.

Lembrando uma declaração de Alberto Dines, enquanto em outros países os veículos de comunicação limitam-se a expor suas opiniões somente nos editoriais, no Brasil os jornais aproveitam notícias para fazer editoriais. Ademais, como bem destacou um artigo publicado no site de um partido político, “é natural que o governo cubano seja retribuído pelos médicos, considerando que ele está fornecendo uma grande quantidade de mão de obra qualificada, formada em universidades públicas e gratuitas e que trabalham num sistema de saúde estatal, gratuito e de qualidade, muito superior ao brasileiro”.

Por outro lado, conforme o pensamento marxiano, uma das estratégias de dominação mais eficazes da elite é apresentar a sua ideologia como se fosse a visão de mundo de todos os setores da sociedade. Deste modo, ao declarar que “Minas fecha a porta para médicos cubanos”, o Estado de Minas pretende apontar que os mineiros em geral são contrários à vinda de médicos estrangeiros para atuar no estado, quando, na realidade, é somente um determinado segmento social – o CRM-MG, temendo a perda de alguns privilégios com a “concorrência” dos profissionais da ilha caribenha, que se opõe ao programa do governo federal.

Portanto, um simples exercício hermenêutico sobre o título da reportagem do periódico nos faz chegar a conclusão de que o Estado de Minas quer impor o seu ponto de vista elitista como a opinião predominante de toda a população mineira. Nada mais falacioso e antidemocrático.

 

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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas, Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG