Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Mortes por ignorância

Nada mata mais crianças no Brasil do que a ignorância. Pesquisa do Estadão Dados mostra que nenhuma outra das 232 variáveis testadas influi mais nas mortes na infância do que a falta de estudo dos pais (ver “Mortalidade infantil esta diretamente associada à falta de estudo dos pais“). Na prática, se 1% dos adultos é alfabetizado, em média, mais 47 crianças sobrevivem à primeira infância (a cada 10.000 nascimentos)

A falta de conhecimento é perigosa, sempre. A matéria das mortes por ignorância dos mais pobres me fez lembrar outra matéria, que colocava o foco nos ignorantes ricos. Será que aqueles cidadãos com escolaridade completa, que gastam parte do salário a sustentar a mídia, podem ser perigosamente ignorantes, ao ponto de pôr em risco a própria vida e a da comunidade? Está demonstrado que sim.

A excelente e necessária matéria da Aretha Yarak, “O perigo de não vacinar as crianças“, alertou, ano passado, que no Brasil há um aumento no número de pais das classes mais altas que, com fundamentos errados, optam por não vacinar as crianças. A matéria citava um levantamento feito a pedido do Ministério de Saúde, com resultados preocupantes. Apenas sete de cada dez crianças da classe A tinham recebido a imunização completa, enquanto na classe E, a mais pobre, a cobertura era de 81%.

Pauta da hora

Na capital paulista já houve surtos de sarampo entre crianças não vacinadas, o que parece não ser do conhecimento de muitas mães que batem papo sobre o assunto esperando as crianças na saída da escola. É tempo de mudanças, porém no sentido contrário do que as ativistas do mundo natural propõem. A imunização pode não ser 100% segura, mais ainda é muito mais segura de que a falta dela.

Nesta semana, um brote epidêmico de rubéola (que afetou 25 pessoas, 12 das quais não tinham tomado as vacinas por decisão própria) foi seguido nos Estados Unidos até o seu foco, não casualmente uma igreja contraria às vacinas, a Eagle Mountain International Church em Newark, Texas (ver aqui). A ignorância cobrou o seu preço. Logo depois, quando ficou ciente do resultado, a igreja pediu para a congregação se vacinar.

Por mais racionais que sejam, os jornalistas de saúde sempre acreditamos firmemente no poder terapêutico da informação. Aqui temos uma missão. Mesmo se os mitos sejam talvez o obstáculo mais difícil de traspor, se as crenças parecem resistir às negações, se os argumentos contrários são sempre menos atraentes do que o rumor, devemos lembrar que muitas mudanças positivas têm origem na agenda midiática. No assunto das vacinas, parece existir aí uma boa pauta para tirar o nosso público da ignorância.

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Roxana Tabakman é bióloga e jornalista, autora de A saúde na mídia – Medicina para jornalistas, jornalismo para médicos (Summus Editorial)