Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Longa vida ao impresso?

Os profetas do fim da mídia impressa devem estar surpresos e esperando o momento de proclamar que tinham razão.

Na França, duas novas revistas, dirigidas a públicos diferentes, acabam de chegar às bancas com todo o estardalhaço que costuma acompanhar o mundo glamuroso da moda, do luxo, da inteligência, da sofisticação e do nu artístico.

A centenária americana Vanity Fair ganhou em julho uma versão francesa totalmente made in Paris, dirigida pelo respeitado e conhecidíssimo jornalista Michel Denisot, que abandonou seu posto de apresentador do Grand Journal do Canal Plus para dirigir a Vanity francesa. No primeiro número, a beleza de Scarlett Johansson. Chic, mas totalmente vestida na capa e nas páginas internas, Johansson deu uma entrevista intimista a uma amiga de longa data, Ingrid Sischy, na qual fala de seus amores, dos diretores com quem trabalhou e da fantasia que os homens fazem em torno dela. O título da entrevista, “Uma americana em Paris”, remete ao legendário musical de Vincent Minnelli, An American in Paris. Ela comprou um apartamento na Rive Gauche, onde vive com o escritor francês Romain Dauriac, caminha no Jardin du Luxembourg e costuma frequentar o restaurante Le Select, de Montparnasse. E passa, no fim da noite, no Rosebud, da Rue Delambre para um drink com amigos.

Apostando no público intelectual, a revista deu duas páginas ao filósofo comunista Alain Badiou, um dos maiores conhecedores da obra de Platão na França, para contar, com exclusividade, aspectos do roteiro que está escrevendo para Hollywood, intitulado A vida de Platão.

Inteligente, branchée

Semana passada, em outra linha, uma nova revista apareceu nas bancas francesas. Melhor dizendo, reapareceu, ressuscitou. A Lui, criada em 1963, foi relançada com grande estardalhaço, matérias de jornais e entrevistas em espaços nobres da TV francesa, como o Grand Journal de Canal Plus.

À frente da Lui, como diretor da redação, está o escritor, cineasta e ex-publicitário Frédéric Beigbeder, que pretende transformar a revista em “bandeira sexo-hetero-intelectual” da imprensa masculina. A julgar pelo primeiro número e pela presença maciça dos anunciantes mais prestigiosos do luxo e das grandes marcas francesas e internacionais (são 60 páginas de publicidade no primeiro número), a Lui veio para ganhar a aposta.

Na apresentação de lançamento, em Saint-Germain-des-Prés, Beigbeder estava acompanhado de Marcela Iacub, que tem uma página na revista. Iacub é a escritora, intelectual e jurista franco-argentina que lançou este ano o escandaloso livro Belle et bête, no qual conta sua experiência como amante de Dominique Strauss-Kahn, transformado no livro em “cochon”, a “bete” do título. O processo que seguiu a publicação do livro não atrapalhou em nada as vendas. Ao contrário.

O homem está em vias de extinção? Beigbeder pensa que ainda há lugar para o gênero masculino, mesmo se o macho da espécie humana fabrica cada vez menos espermatozoides nos testículos. Alguns sociólogos veem o gênero masculino como um “macho hedonista pós-68”. O dono da revista, Jean-Yves Le Fur, parece crer que esses “machos hedonistas” são numerosos, pois a tiragem inicial é de 350 mil exemplares. Para o lançamento da Lui millésime 2013 não houve número zero nem teste de leitores. E parece que, apesar da crise (ou seria por causa dela, necessidade de se evadir?), o mercado é favorável.

A redatora-chefe da Lui, Yseult Williams, diz que apesar de ser dirigida aos homens, a revista será lida também por mulheres. “O grande desafio é transpor o espírito libertário da Lui dos anos 1960 aos dias de hoje”, disse ao jornal Libération.

A beleza nua de Léa Seydoux, a nova estrela do cinema francês, é a grande atração do primeiro número. Premiada com a palma de ouro no Festival de Cannes deste ano juntamente com a atriz Adèle Exarchopoulos e o diretor Abdel Kechiche, pelo filme La vie d’Adèle Léa foi entrevistada por Frédéric Beigbeder. Em Cannes, pela primeira vez a palma de ouro foi partilhada entre um diretor e duas atrizes. A entrevista é deliciosa, inteligente, branchée. Reflete o mundo da cultura com pitadas de sofisticação e charme. Mas sem afetação.

Traders movidos a cocaína

Uma grande matéria de investigação assinada por Augustin Scalbert tenta provar que a cocaína, ou melhor, seu excesso, é o verdadeiro responsável pela crise de 2008. Ao ler a matéria intitulada “Cocaína: Quando Wall Street derrapa”, ficamos sabendo que na City de Londres e em Wall Street o grande combustível que faz girar a cabeça dos traders e dos responsáveis pelas finanças do planeta não é apenas a ambição de ganhar mais e mais dinheiro. A cocaína é o grande responsável pela total irracionalidade que tomou conta dos mercados.

Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve, o banco central americano, um dia declarou: “Essa loucura geral, essa ausência de medo de qualquer sanção são ligadas à cocaína. Você pensa ser indestrutível e isso o impulsiona”. Segundo a reportagem, o economista francês Jacques Attali fez uma constatação semelhante: “A crise financeira é, dessa forma, o anúncio do que seria o mundo sob a cocaína: um pesadelo de irrealidade eufórica, inconsciente e suicida.”

Revolução dos costumes

A crônica de Marcela Iacub não decepciona os que esperam dela inteligência, ousadia e espírito libertário. Para livrar os homens dos filhos feitos sem seu consentimento, a jurista propõe que eles se esterilizem e depositem o esperma em bancos criados para este fim. “Eles poderão usar esse estoque quando quiserem se tornar pais. Nessas condições, a paternidade se tornaria tão livre quanto a maternidade. Se o sexo masculino depositasse a mesma confiança nesse sistema bancário que aquela que tem no que gere seu dinheiro, conseguiríamos enfim ser iguais diante do gozo”, imagina Iacub.

O jornal Libération parece não acreditar muito num público enorme pronto a aderir à nova Lui. Segundo o Libé, a revista se dirige majoritariamente aos heterossexuais de Saint-Germain-des-Prés. “Isto é, a um punhado de pessoas.”

Haverá lugar para revistas de belos ensaios fotográricos de nus femininos com a oferta abissal da internet? Esperemos que a nova Lui dure mais que a primeira versão, criada em 1963. Depois de acompanhar a revolução dos costumes das décadas 1960 e 70 e marcar época na imprensa escrita francesa, começou a declinar até o desaparecimento no início dos anos 2000.

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Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paris