Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O tiro de largada

A edição de aniversário de 31 anos do Diário do Pará circulou, no cabalístico dia 25, com 320 páginas. Não há indicação sobre esse volume na primeira página, como é praxe na imprensa, nem em qualquer outro espaço do jornal do senador Jader Barbalho. É preciso contar página por página, fazendo a conversão das páginas tablóides, em formato menor, para o formato standard (que têm o dobro de tamanho).

A imprensa paraense ainda não respeita suficientemente os seus leitores para prestar-lhes a informação correta. O Diário preferiu retirar da sua capa a numeração total das páginas. Seu inimigo, O Liberal, da família Maiorana, optou por manter a manipulação: apregoa na capa que sua edição daquele mesmo domingo tinha 220 páginas, contando as dos suplementos como se fossem em formato grande. Feita a conversão, verifica-se que o número correto é o de 182 páginas.

Também ainda é prática da imprensa paraense avançar sobre anunciantes potenciais para levá-los a programar suas publicidades reforçadas para edições especiais, como as de aniversário (além de outras típicas de caça-níqueis). A edição de aniversário do Diário não contou, porém, com qualquer peça do governo do Estado, que, como entidades públicas e privadas, costuma responder presente a essas chamadas especiais Nem, evidentemente, da sua aliada, a prefeitura de Belém, igualmente controlada pelo PSDB.

O único anúncio fornecido por um órgão ligado indiretamente à administração estadual foi do Banco do Estado do Pará. A direção do Banpará teve o cuidado de não saudar o aniversariante, como seria de praxe. Apenas fez propaganda do sorteio de brindes entre seus clientes da conta-poupança. Como se fizesse uma veiculação rotineira, não de aniversário. Além do Banpará, a outra presença estadual foi a do secretário especial de promoção social, Alex Fiúza de Melo. O jornal publicou um artigo dele.

Declaração de guerra

No mesmo domingo 925/8), o gabinete do governador fez anúncio de meia página em O Liberal, congratulando-se pela liberação da pecuária do Estado da febre aftosa. O contraste tem um significado claro: o governo do tucano Simão Jatene deixou de ser apenas adversário do cacique do PMDB no Pará; agora eles são inimigos. E o grupo de comunicação da família Maiorana passou de aliado a parceiro. Ambos os lados se preparam para a guerra que já estão travando e se intensificará até a eleição do próximo ano. Imprensa e política mais uma vez esquecerão que deviam formar corpos distintos para se agrupar em uma bipolaridade na disputa pelo poder local, que tem sido uma das marcas mais constantes (e negativas) da ação da elite paraense. Quem for podre que se quebre.

Nem sempre foi exatamente assim. A polaridade foi menos aguda em outros momentos. Mesmo sendo criticado, o chefe do poder executivo (aquele que mais poder detém, sobretudo por ter a chave dos cofres públicos) contemporizava o tratamento. Deixava sempre a porta entreaberta para mais um dos surpreendentes (embora constantes) rearranjos políticos. Inimigos da véspera se congraçavam no dia seguinte, despojados da memória crítica do passado.

Ser completamente marginalizado da propaganda oficial nunca foi um hábito comum para os Maiorana. Mesmo Jader Barbalho, que se tornou o inimigo número um da segunda geração da família, depois da morte do fundador do império das comunicações, Romulo Maiorana, em 1986, acabou tendo que programar publicidade do Estado nos veículos do grupo em seu segundo mandato (1991/95).

Para um político pragmático como ele, não havia alternativa: a TV Liberal é afiliada à Rede Globo e O Liberal ainda era, disparado, o líder do mercado de jornais impressos. Todos os veículos foram usados para tentar impedir a vitória de Jader na eleição de 1990. Derrotados, sabotaram o início da sua gestão. Brindados com anúncios, foram mudando de posição conforme a ressonância das moedas no caixa da empresa. Jader concluiu seu governo sem problemas. E os Maiorana continuaram a receber generosa verba oficial.

Para o grupo de comunicação do senador, ser privado da principal fonte de faturamento, que é a publicidade oficial, não é uma situação nova, mas constitui sempre um grande desafio. Seja pela programação oficial, através da agência credenciada, ou por vias oblíquas, que não são contabilizadas, a grande imprensa paraense sempre foi dependente do governo. Mesmo aquela que às vezes se apresentava como crítica ou até abertamente oposicionista.

Durante muito tempo, uma das vias de sustentação era a Imprensa Oficial. Seus dirigentes compravam papel para imprimir o Diário Oficial e para cedê-lo, clandestinamente, ao jornal amigo. E assim eram mantidas outras formas de favorecimento, como o oferecimento de serviços públicos gratuitos ou a contratação de jornalistas que seus empregadores remuneravam em padrão próximo da indecência.

Tendo resistido a períodos excepcionalmente lentos de privação da publicidade do governo, os dirigentes do grupo RBA sabem que essa resistência tem limites. Dietas magras e mais longas podem ameaçar a sobrevivência do veículo de comunicação, ainda que ele tenha encontrado (e inventado) outros mecanismos de faturamento, que lhe proporcionam maior grau de autonomia.

O artigo que o senador Jader Barbalho escreveu para a edição de aniversário do seu jornal tem esse componente de preocupação embutido na sua retórica analítica, combinando o interesse particular (que, nele, é empresarial e político) com a defesa da causa pública. Alega o senador que não haverá saída para a situação ruim vivida pelo Pará enquanto “o ‘modus operandi’ de governar cheirar a vigarice, enquanto a preguiça dominar os meios públicos, ou enquanto a ação entre amigos for promovida pela propaganda que retira o dinheiro público que deveria ser usado na educação, saúde, segurança e na infra-estrutura do nosso Estado”.

Já em campanha, o dono do jornal proclama: “O ciclo dos governos da propaganda milionária e do descaso tem que acabar”. Cada cidadão paraense consciente responderia que sim. Mas perguntaria se o novo governo que se seguisse não retomaria essa prática que o senador peemedebista condena, na condição de oposicionista, mas não seguiu nos dois governos que comandou.

De fato, os grandes acontecimentos registrados no Pará nos últimos 20 anos, tornando-o destinatário de alguns dos maiores investimentos – públicos e privados – realizados no Brasil nesse período, com dimensão mundial (como a expansão da exploração mineral em Carajás, o maior investimento privado em curso no planeta), não tiveram tradução social e mesmo econômica. Daí o Estado ser o terceiro mais violento do Brasil. “Temos o pior município do país em desenvolvimento humano. O arquipélago do Marajó, antes uma atração internacional, tem 12 dos 50 piores lugares sem perspectiva de futuro para o país”, arrola o senador.

São realidades acusatórias, que tornam fantasioso o discurso do “Novo Pará” apregoado pelos dois governadores tucanos que ocuparam o poder estadual ao longo de 16 desses 20 anos, prolongados por quase três no novo mandato de Jatene. Realidade não alterada pelos quatro anos de Ana Júlia Carepa, que Jader ajudou a colocar no governo, integrante do mesmo partido, o PT, ao qual pretende se aliar para a disputa de 2014.

A declaração de guerra implícita na ausência do governo do Estado à edição de aniversário do Diário do Pará, com a resposta dada por Jader, modulada pela sua sagaz preocupação em não deixar emergir seu interesse particular na conjuntura, serve de preliminar à guerra que já começa a ser travada entre os dois maiores pretendentes ao governo do Pará.

Disputa pelo poder

O governador elegeu o grupo Liberal como sua arma de combate, mas ao mesmo tempo voltou à liça o jornal O Paraense, que sempre emerge em períodos de maior agitação política ou já em plena campanha eleitoral para fustigar Jader Barbalho. Depois de longa hibernação, o jornal retomou sua atividade em julho, com farta distribuição gratuita na portaria de prédios em Belém. É indício de que a linguagem vai ser violenta e panfletária, além da medida do que pratica o grupo Liberal, embora sempre raivoso quando se trata de apontar a corrupção do líder do PMDB.

Agora, o alvo é também o filho de Jader. Helder Barbalho já tem no seu currículo um mandato de deputado federal e dois como prefeito do segundo mais populoso município, Ananindeua. Mas não conseguiu fazer o seu sucessor. Teve que amargar a volta de Manoel Pioneiro num terceiro mandato, embora descontínuo, como exige a lei. Atenuou essa dura derrota com uma vitória discreta na eleição fora de época de Marituba, também na área metropolitana de Belém, município que teve cinco prefeitos em seis meses.

Agora parece não haver mais dúvida de que Helder será o candidato do PMDB ao governo e, na dobradinha com o PT, o partido terá o cabeça de chapa, mesmo que o ainda não totalmente definido coligado não aceite. O grupo Liberal e os tucanos batem na tecla de que os petistas precisam ter chapa própria e que o deputado federal Cláudio Puty vai disputar a indicação para o governo. Os peemedebistas sustentam que Puty negou essa hipótese em encontro com Jader, mas tudo é possível até a definição do PT.

Jader conta com aliados no governo federal e na representação estadual do PT para assegurar a combinação que reservaria aos petistas o cargo de vice-governador e a vaga de senador para Paulo Rocha. No entanto, prepara-se para caminhar sozinho, se necessário. Montou e está expandindo uma estrutura de suporte para o filho, contando com veículos de comunicação que já levam um programa de rádio de Hélder ao interior do Estado e programa de televisão que, veiculado no horário gratuito do TRE, aparece também na TV Liberal.

Como os desgastes de imagem não permitem mais que Jader dispute um retorno ao governo (que ele diz não pretender mais por opção pessoal), a imagem de Hélder é projetada como própria, autônoma, independente do pai, técnica, jovem, limpa. Justamente por isso o grupo Liberal repete monocordiamente que “filho de peixe, peixinho é”, relembrando como litania os casos de desvio de dinheiro público que envolvem Jader Barbalho.

Pela repetição em demasia desse catecismo, por enfraquecimento empresarial do grupo Liberal ou pelo grande desgaste da administração Jatene, essa prédica moralista não parece mais ter o mesmo efeito de antes. As principais empresas, sindicatos, representações corporativas, grupos de ensino e os demais poderes constituídos fizeram anúncios na edição de aniversário do Diário do Pará.

Vinte prefeitos mostraram as caras (e não apenas do PMDB), principalmente no nordeste, sul e sudeste do Estado, os principais redutos de Jader Barbalho, como o de Santarém. Até mesmo o presidente da Assembleia Legislativa, Márcio Miranda, cujo nome chegou a ser especulado como pretendente ao governo, patrocinou uma página de anúncio ostensivo.

São dados que sugerem novidades no quadro pré-eleitoral de mais uma disputa pelo poder, embora confirme um brocardo popular que pode se repetir mais uma vez: tudo muda para tudo ficar como está.

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Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)