Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Diário do Pará’, de novo um jornal de partido

Há dois meses o Diário do Pará se comprometeu com os seus leitores a investigar, esclarecer e divulgar a causa de um erro grosseiro que cometeu em julho: divulgar, como sendo na Santa Casa de Misericórdia do Pará, cena chocante que se passara ,na verdade, em um hospital de Honduras, com as características agravantes de parecer grosseira simulação. A imagem foi usada em denúncia contra a má administração do governo do Estado.

Dois meses depois o compromisso não foi honrado – e dificilmente o será. O erro primário teve por origem a campanha sistemática que os veículos de comunicação de propriedade do senador Jader Barbalho passaram a fazer contra o governo de Simão Jatene, que se tornou seu inimigo político. O jornal e as emissoras de rádio e televisão do líder do PMDB vasculham tudo que pode ser usado para colocar em má situação o governador tucano, que deverá disputar a reeleição contra Helder Barbalho, ex-prefeito de Ananindeua, como candidato do pai ao governo do Estado.

Como vale tudo e há açodamento na divulgação de fatos ruins, o grave deslize de julho acabou acontecendo, seguido por outros menos evidentes e chocantes, que ainda deverão se repetir até que as urnas decidam quem vai assumir o controle da administração estadual. Em matéria de governo, o império jornalístico dos Barbalho voltou a ser um braço político do seu dono, de forma tão escancarada e antiprofissional como em outras oportunidades.

Este é o contexto que explica a derrapada de junho. O jornal recebeu a imagem de um internauta, em meio a outras fotos e informações. Uma repórter encarregada de apurar o material se absteve de usar a imagem de uma criança colocada dentro de uma caixa de papelão, no chão, ao lado de uma cama. Aquilo podia ser mesmo uma montagem e certamente o local não era a Santa Casa, em Belém. Bastava observar as características do piso naquela imagem.

As advertências foram deixadas de lado e a alta direção do jornal, incluindo o senador e seu filho, responsável pelo jornal, decidiram à última hora usar a foto, que já circulara pelas redes sociais com sua identidade correta. A informação foi enxertada e a foto publicada na capa do jornal (como isso aconteceu no fechamento da edição, a matéria interna não trouxe esses dados).

Mais fantasia

O critério da decisão foi político e não jornalístico. A imagem causaria impacto imediato. Mesmo que o engano fosse descoberto e obrigasse a direção do jornal a voltar atrás, como aconteceu (sem a consequência da divulgação da origem do erro), o mal estaria feito.

O Diário do Pará conseguiu superar a concorrência de O Liberal, assumindo a liderança na vendagem de impressos no Pará, com sua cobertura cada vez mais popularesca e sensacionalista. Presume-se que esse tipo de leitor é mais fácil de enganar e aceita uma mensagem falsa se ela for apresentada com estardalhaço. O meio pode influir sobre o reconhecimento da mensagem.

O sucesso do Diário levou à hipertrofia essa presunção mercadológica. Mas ela acarreta um risco, ao qual o jornal está novamente sujeito: a perda da credibilidade junto ao público que dispõe de mais informações para fazer a sua análise e julgamento. Jornal sensacionalista e desequilibrado, a serviço dos interesses políticos do seu dono, o Diário pode abrir mais terreno para o avanço de O Liberal como suposto órgão profissional, que não tem vinculação política automática nem é órgão de partido. E que, além disso, é mais discreto e sério do que o seu concorrente.

Pessoas ainda mais bem informadas sabem que não é assim. Mas, com seus exageros e desequilíbrios, o Diário do Pará pode estar contribuindo para que cada vez mais leitores de jornais achem que é assim. Uma fantasia a mais a fazer a infelicidade do Pará.

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Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)