A capa da revista britânica The Economist de 26 de setembro, nada lisonjeira para o governo brasileiro, obedece a uma tendência que a publicação segue ao falar do país desde a década de 1970. “Em momentos de instabilidade e baixo crescimento, a cobertura diminui e se torna mais negativa”, diz o jornalista Jonatas Torresan, autor da pesquisa “A Survey of Brazil: o País nas Páginas da The Economist”, apresentada como sua dissertação de mestrado no programa de pós-graduação em relações internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O estudo analisou as reportagens de capa e outras, especiais, sobre o Brasil publicadas pela revista de 1970 a 2010.
A capa atual faz uma referência satírica a duas anteriores. Mostra, mais uma vez, o Cristo Redentor como imagem do Brasil – agora, um foguete em queda livre. O título pergunta se o país teria desperdiçado, ou estragado, sua chance (Has Brazil blown it?), em referência ao desempenho contido da economia. Em 14 de novembro de 2009, era um foguete decolando. Em 16 de janeiro de 1999, o Cristo ficava ao longe, deixando o primeiro plano para nuvens carregadas, símbolo de incertezas lançadas sobre a economia global pela crise cambial brasileira.
“Nos anos 2000, o Brasil foi muito elogiado, enquanto nos anos 1980 e 1990 houve muita crítica”, afirma Torresan. Segundo ele, há uma “gangorra de interesse e desinteresse” de The Economist pelo Brasil, de acordo com o momento econômico.
Situação social péssima
O impacto dos movimentos dessa gangorra pode ser grande. De acordo com Torresan, a revista tem atualmente tiragem de 1,4 milhão de exemplares, em inglês (80% distribuídos para fora do Reino Unido), e 4 milhões de leitores no mundo todo, dos quais 42% ocupam cargos de direção em suas empresas. A primeira constatação do estudo é sobre a quantidade de páginas e reportagens sobre o Brasil, que nunca foi tão grande quanto na época do chamado milagre econômico, na década de 1970, quando o país registrou um crescimento médio de quase 9%. O estudo mostra que, em 1972, foram 20 as reportagens de capa ou especiais. Em 1976, 24. No segundo melhor ano do governo Lula, 2007, quando o Brasil registrou crescimento de 6,1%, foram apenas 9.
Apesar da quantidade, o conteúdo das páginas sobre o Brasil não era exatamente lisonjeiro na década de 1970, como não foi também nas décadas seguintes. O país só passou a ganhar alguma representação positiva na revista a partir do fim da década de 1990, por causa dos resultados obtidos com políticas sociais, afirma Torresan. Analisando milhares de páginas da publicação, ele concluiu que a primeira reportagem positiva sobre o desenvolvimento social do país foi publicada somente na década de 2000.
O estudo mostra que, na década de 1970, foram 20 os textos negativos, 20 os neutros e 10 os positivos. Na década de 1980, os números foram, respectivamente, 8, 7 e 6. Nos anos 1990, 16, 11 e 7. Nos anos 2000, 8 negativos, 5 neutros e 13 positivos (pela primeira vez, mais positivos que negativos). Durante o regime militar, o Brasil podia até estar bem, mas a situação da população era o que mais despertava atenção e críticas por parte da revista, que via o país, de acordo com Torresan, como “um país que crescia muito, que tinha muitas promessas, mas que tinha uma situação social péssima para boa parte da população”. Os temas preferidos por The Economist sobre o Brasil nos anos 1970, eram a vida na cidade, o crescimento desordenado, as favelas.
“Com Mantega, estão malhando desde o começo do ano”
Isso começou a mudar a partir dos anos 2000. Não só porque o Brasil estava melhorando, mas porque Estados Unidos e Europa entraram em recessão. “O Brasil passou a ser visto como ‘um bom exemplo’, entre aspas”, diz Torresan. Além disso, a história de Lula, visto no exterior como o operário que chegou ao poder, sempre interessou muito a The Economist. “Ele [Lula] tem uma imagem dentro do país e outra, fora. É visto [pela revista] como uma pessoa exótica, chama a atenção da mídia, sobretudo com relação à expansão do mercado consumidor, que é o que interessa para o leitor da revista”, afirma. Segundo Torresan, o estudo mostra que The Economist se interessa mais pelo personagem de Lula que pelo de Fernando Henrique Cardoso. “Ele [FHC] era um intelectual. E você tem mais intelectuais presidentes da República do que alguém como o Lula.”
Para descobrir a forma como o Brasil ganhou espaço na revista, Torresan estudou de forma mais detalhada os textos do período de 2006 a 2010. Nessa análise, incluiu todas as reportagens sobre o Brasil, não só as de capa e as especiais. O resultado foi ter encontrado uma representação de global player para o Brasil na segunda metade dos anos 2000. Mas, afirma, o país nunca foi tratado como país desenvolvido.
Quando o estudo fica restrito ao período de 2006 a 2010, 60% das matérias sobre o Brasil falam de política nacional, 10% de política econômica e 30% de política externa. De 1970 a 2010, na análise geral, 55% dos textos eram sobre política nacional, 37% sobre a política econômica brasileira e apenas 8% sobre política externa. Esse maior interesse pela política externa é explicado, de acordo com Torresan, principalmente pela maior participação do Brasil em negociações internacionais – no Oriente Médio, por exemplo – e em organismos multilaterais.
Sobre a capa do dia 26, que não entrou no estudo, Torresan diz que é possível fazer uma observação sobre o ministro Guido Mantega. “Não me lembro de outro ministro da Fazenda estar com uma exposição tão negativa [em The Economist].” Outro ministro que teve grande exposição foi Delfim Neto, que dirigiu a economia, primeiro na Fazenda e depois no Planejamento. “Mas Delfim tinha destaque como ministro poderoso, não era exposição negativa. No início dos anos 1970, os editores de The Economist estavam admirados com o crescimento do Brasil, apesar de criticarem a interferência do Estado na economia. Com Mantega, são só coisas ruins. Estão malhando desde o começo do ano.”
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Fábio Brandt, do Valor Econômico