Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

‘Palestina’ e as novas possibilidades de ‘storytelling’ na web

Quando Joe Sacco lançou a série de reportagens ilustradas que posteriormente viria a ser o livro Palestina – Uma Nação Ocupada talvez não imaginasse que a prática de fazer uma reportagem em quadrinhos pudesse ir tão longe. Das páginas cheias de ilustrações intrincadas de Sacco tem-se hoje um misto de quadrinhos e animação, com áudio inclusive. A recente reportagem multimídia Tomato Can Blues, feita pelo The New York Times, aponta uma direção que o jornalismo em quadrinhos inevitavelmente tomaria e acompanha a tendência de se pensar em novas formas de noticiar um fato na internet.

A prática de se reportar uma notícia em quadrinhos, porém, é antiga. Data de 1862 uma das primeiras histórias sequenciais com um viés jornalístico publicadas em um periódico. Ângelo Agostini, italiano radicado no Brasil, pode ser considerado um dos pais do jornalismo em quadrinhos. Agostini fazia quadrinhos em sequência com legendas e diálogos na Revista Illustrada, fundada por ele em 1876 (BUITONI, 2011). De lá para cá o público experimentou outros relatos jornalísticos quadrinizados, como a admirável Maus, de Art Spielgeman – que, inclusive, ganhou um Pulitzer especial em 1992. Trata-se de uma biografia em quadrinhos que influenciou Sacco e outros jornalistas a pensarem numa nova forma de narrar uma notícia, em especial com o uso da arte sequencial (EISNER, 1999).

Desde Palestina… é possível encontrar no mercado exemplares interessantes que aliam quadrinhos e jornalismo. Um exemplo notório é a trilogia O Fotógrafo, do trio Didier Lefèvre(fotografias), Emmanuel Guibert (textos e desenhos) e Frédéric Lemercier (diagramação). Este caso específico seria uma fotorreportagem em quadrinhos ou um caso de jornalismo em quadrinhos com fotos? Aliás, por pesquisar tal prática desde 2007, chamo jornalismo em quadrinhos de JHQ.

Na internet

Nomenclaturas à parte, o fato é que estas narrativas, por estarem construídas em cima de imagens, aliam expressão e conteúdo (NEIVA JR, 2006), tendo como base a apuração jornalística da qual autores como Nilson Lage e Mário L. Erbolato descrevem e ensinam em livros até hoje referenciais na academia e em uma boa redação. São obras lançadas em papel, e que servem de insight para o que a internet possibilita com a multimidialidade. Essa junção entre comunicação e artes – em especial as visuais – não é de hoje, claro. E como bem lembra Santaella (2005), a convergência das mídias incrementou essa união – e muito mais quando se pensa na tecnologia intelectual (SODRÉ, 1996). O resultado: novas maneiras de “escrever”, divulgar e consumir uma notícia.

Na internet, o JHQ ora é feito apenas com o modo convencional dos quadrinhos, ora se apresenta com recursos multimídias – tal qual o próprio jornalismo o fez ao migrar para a grande rede. Um exemplar de JHQ que se enquadra nos moldes da chamada fase da transposição (MIELNICZUK, 2003) é O incrível mensalão – a história do super-escândalo que abalou o mundo político e fez tremer o Governo Lula, ilustrada pelo cartunista Angeli e lançada na web no dia 19 de agosto de 2012. A história traz “apenas” a linguagem dos quadrinhos crua, mas, como já se ressaltou, aliada a dados jornalísticos – com um quê de humor, em se tratando de Angeli.

Há outros exemplos, porém bem interessantes, de JHQ na Web, como os disponibilizados nos sites Archcomix, capitaneado pelo comic journalist Dan Archer – a prática, como se vê, cria, além de um novo storytelling, uma nova denominação profissional. Nesta página é possível encontrar reportagens em quadrinhos que já mesclam links que levam o leitor a outros sites (hipertextualidade). O portal Cartoon Movementpublica reportagens em quadrinhos sobre temas de relevância internacional. O material é em inglês e discorre sobre o Congo, Haiti, Afeganistão, Rio de Janeiro, Estados Unidos, entre outros. Trazem do convencional quadrinho ao não-linear hipertexto (LÉVY, 1999).

A lista de exemplos poderia se estender, mas o que é interessante é observar que tais reportagens em quadrinhos deságuam em Tomato Can Blues, feita por Mary Pilon com ilustrações de Attila Futaki e publicada na página online de esportes do The New York Times. O material une texto, áudio e ilustrações que, à medida que se percorre a narrativa, a impressão que se tem é que os desenhos se movem. Trata-se de um trabalho instigante e criativo – principalmente se levarmos em conta a prática do mimetismo midiático, tão comum na Web.

Discussão: para além da academia

Tomato Can Blues segue a linha de Snow Fall, e aponta uma (possível) tendência com relação ao jornalismo feito na internet. Em tempos de paradigma pós-fotográfico (SANTAELLA, 2008; BUITONI, 2011), é admirável ver propostas como estas, que aliam o preciosismo de ilustrações com as possibilidades que o suporte digital oferece.

Trata-se de uma prática a se discutir, quem sabe, num próximo Encontro Internacional de Jornalismo em Quadrinhos (a segunda edição, vale lembrar, foi realizada em outubro de 2012, em Curitiba). E não deixa de ser pauta para a própria academia, que deve acompanhar a prática para pensar teoricamente. Ângelo Agostini teria orgulho de ver e de participar disso.

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Iuri Barbosa Gomes é jornalista e professor