Para a maior parte das pessoas, inflação alta significa aperto no orçamento, restrição ao consumo e risco para o bem-estar. Para as mais informadas, o rápido aumento de preços indica tudo isso e mais uma porção de problemas – insegurança na economia, dificuldade para planejar, concentração de renda e perspectiva de um ajuste doloroso, mais adiante, se a política for leniente. Para o mercado financeiro, pressões inflacionárias são principalmente um sinal de juros mais altos e de reordenação do valor dos ativos.
Os jornais poderiam dar prioridade a qualquer dessas perspectivas – a segunda é a mais ampla –, mas tendem a dar mais importância à do mercado. Esse viés é especialmente claro quando a imprensa noticia as decisões e avaliações do Comitê de Política Monetária (Copom), responsável principal pelo combate à inflação. Isso foi comprovado mais uma vez nos últimos dias.
A inflação deverá ficar acima de 4,5%, meta oficial, por mais dois anos, até o terceiro trimestre de 2015, segundo os economistas do Banco Central (BC). Essa projeção foi incluída na ata da última reunião do Copom. Se a estimativa se confirmar, o próximo governo ainda enfrentará altas acumuladas bem maiores que as observadas na maior parte das economias emergentes (as mais desarranjadas, nesse aspecto, são as da Rússia e da Índia). Mas o destaque do noticiário sobre a ata, nos jornais de sexta-feira (18/10), foi a perspectiva de mais um ou dois aumentos dos juros básicos. Elevada para 9,5% em 10 de outubro, a taxa básica, a Selic, poderá chegar a 10% em novembro e ultrapassar esse nível no começo de 2014.
Falta confiança
Todos os jornais citaram em títulos ou subtítulos a palavra inflação. Mas o Estado de S.Paulo foi um dos poucos, senão o único, a mencionar a projeção para o terceiro trimestre de 2015 – e só no final do sétimo parágrafo. Essa data já havia aparecido em um documento importante do BC, o “Relatório de Inflação”, publicado a cada três meses, mas também nessa ocasião quase nenhum destaque foi dado a esse ponto. O detalhe, no entanto, é relevante para a discussão da política.
Os dirigentes do BC estão mesmo dispostos a deixar essa herança para o próximo período presidencial? Estão levando em conta a campanha eleitoral já lançada pelos pré-candidatos, incluída a presidente da República? Qual seria o custo econômico de um aperto monetário mais forte?
O pessoal do BC estima para este ano um crescimento de 2,5% para o Produto Interno Bruto (PIB). A mesma taxa, acumulada em 12 meses, é projetada também para o segundo trimestre de 2014. É esse baixo ritmo de recuperação econômica o obstáculo principal a uma ação mais forte contra a inflação?
As pautas de cobertura têm ficado longe dessas questões. Entrevistados mencionam, de vez em quando, o aparente esforço da cúpula do BC para restabelecer a imagem de independência operacional, perdida quando a política de juros foi alinhada às preferências presidenciais. Desde abril, quando o Copom voltou a elevar os juros, foram criadas, gradualmente, condições para recuperação da imagem.
Sem rejeitar explicitamente o discurso oficial do governo, dirigentes do banco têm chamado a atenção para a persistência da inflação, para os desajustes no mercado interno e para a importância de uma política fiscal bem calibrada. Além disso, o BC antecipou-se aos ministérios da Fazenda e do Planejamento ao reduzir a projeção de crescimento econômico e a estimativa do saldo comercial. Além disso, problemas de confiança dos industriais, investidores e consumidores foram apontados em documentos da instituição como obstáculos à retomada de um crescimento econômico mais firme.
Função típica
Mas falta muito para se consolidar a figura de um BC com efetiva autonomia operacional, concentrado no cumprimento de seu mandato e livre de pressões da cúpula do Executivo. O presidente da instituição, Alexandre Tombini, participou da comitiva chefiada pela presidente da República para falar a investidores potenciais em Nova York. A imprensa relatou essa história sem sinal de estranheza.
Em outros países, dirigentes de bancos centrais cuidam da inflação, levam em conta o nível de emprego, protegem a saúde do sistema financeiro e até criam políticas de estímulo ao crescimento econômico. O americano Federal Reserve, o Banco Central Europeu e o Banco do Japão têm realizado, em diferentes proporções, todas essas tarefas.
Mas será papel de um presidente de BC integrar um comitê de caça a investidores estrangeiros, função típica de quem deve formular e executar políticas de desenvolvimento? Uma resposta positiva será um retorno aos anos 1960 a 80. As pautas ficaram longe desse detalhe.
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Rolf Kuntz é jornalista