Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Brasil tornou-se polo de jornalismo investigativo’

O caso Snowden trouxe um novo interesse pelo jornalismo praticado no Brasil, afirma David Leigh em entrevista. Em 2010, o jornalista foi membro da equipe do The Guardian durante a análise e a divulgação de telegramas secretos da diplomacia dos EUA por parte do WikiLeaks. Episódio marcado por uma inédita parceria entre gigantes da imprensa internacional, incluindo El País, Le Monde, Der Spiegel e The New York Times.

Leigh assina nove livros na condição de autor ou coautor. Em 1997, foi indicado ao prêmio George Orwell por livro de reportagens sobre o ministro Jonathan Aitken. No Brasil, em 2011, recebeu edição seu livro WikiLeaks: a guerra de Julian Assange contra dos segredos de estado (Verus Editora), escrito em parceria com Luke Harding. Com mais de trinta anos de jornalismo, Leigh compartilha seu conhecimento no ambiente acadêmico, uma vez que leciona reportagem na City University London. Diante dessa trajetória, o veterano assinala mudanças estruturais na profissão. Ora pelas exigências de uma nova formação dos jornalistas frente ao advento das bases de dados como fonte de informações, ora pelo desafio de como financiar o jornalismo investigativo quando os meios convencionais têm seu modelo de negócio transformado.

Esta entrevista exclusiva foi feita durante a GIJC 2013 (Conferência Global de Jornalismo Investigativo), encontro sediado na PUC-Rio de 12 a 15 de outubro. A GIJC 2013 foi organizada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), pela Global Investigative Journalism Network (GIJN) e pelo Instituto Prensa y Sociedad (IPYS). A entrevista contou com a participação das jornalistas e mestrandas em Ciências da Comunicação da ECA-USP, Lieli Loures e Seane Melo.

O que tem chamado sua atenção no jornalismo praticado no Brasil?

David Leigh – Da minha perspectiva, de quem está em Londres, é interessante perceber que o Brasil se tornou um polo de jornalismo investigativo após o caso Snowden. Isto porque o jornalista que conseguiu esse furo de reportagem, Glenn Greenwald, mora no Rio de Janeiro. Sobretudo porque Greenwald recebeu apoio do governo brasileiro, enquanto o governo britânico optou por atacar as publicações do The Guardian.

Episódios como o de Snowden mudaram a definição de jornalismo investigativo?

D.L. – Mudaram no sentido em que a tecnologia mudou. Porque hoje há uma massa de dados digitais que são criados por toda forma de pessoas, de governos e de empresas. Ou seja, há uma nova forma de informação. E, em segundo lugar, surgiu o fenômeno dos “vazamentos”, que podem ser rapidamente disseminados ao redor do mundo antes de serem controlados.

Há, portanto, um processo de mudança na formação do jornalista?

D.L. – Sim, pois o jornalista está diante de conhecimentos realmente novos. Eu mesmo tive que aprender nesses últimos anos muitas novidades para poder fazer meu trabalho. Falo como alguém que está há mais de trinta anos na profissão e que agora precisa saber aplicar novas técnicas. A grande questão técnica é descobrir como pesquisar em grandes bancos de dados. Há desde questões muito simples, como a de colocar dados em planilhas ao modelo do Excel, até o uso de programas mais elaborados como aqueles que são usados por agências de polícia e da justiça. E a pergunta básica é: como transformar os dados brutos dessas bases em histórias jornalísticas que tenham sentido? Portanto, existe uma nova exigência na formação do profissional.

Qual é a sua definição de jornalismo investigativo?

D.L. – Qual é a minha definição de jornalismo investigativo? (pausa) Bem, um proprietário de jornal do século 20, chamado Lord Northcliffe, costumava dizer que “notícia é aquilo que alguém não quer que seja publicado e todo o resto é publicidade”. De igual maneira, acredito que o jornalismo investigativo corresponda a fazer coberturas em que se publiquem notícias que alguém não quer que elas sejam publicadas.

Quais são as maiores ameaças ao jornalismo investigativo?

D.L. – A primeira ameaça se origina em governos que rechaçam o jornalismo investigativo. Nesse caso, eles atacam jornalistas com processos judiciais, com perseguições e chegam ao ponto do sequestro e dos assassinatos. Essa é uma ameaça permanente. A segunda e que é, na verdade, nova. Ela diz respeito ao financiamento, devido às mudanças nos negócios das organizações jornalísticas. Negócios que, tal como são conhecidos, estão desaparecendo por conta da internet. Tornou-se muito difícil financiar reportagens investigativas em meios convencionais, tanto impressos como eletrônicos. Essa é uma ameaça a longo prazo.

Qual é o papel das redes de trabalho estabelecidas entre jornalistas?

D.L. – As redes são incrivelmente importantes. Nos últimos dez anos, elas cresceram pela ação de pessoas apaixonadamente comprometidas com um jornalismo investigativo. Acredito que essas redes têm servido para contrabalancear o problema econômico que tem ameaçado os meios convencionais. E também, nesse mundo digital e globalizado, torna-se cada vez mais importante estabelecer parcerias para a produção de reportagens transnacionais. Afinal, tudo no mundo hoje está globalizado, a exemplo do crime e da política. Agora, o jornalismo começa a ser chamado a se globalizar.

Como separar o que é privacidade do que é informação pública?

D.L. – Esse é um assunto de grande debate na Grã-Bretanha: onde estabelecer essas fronteiras? Num jornal como The Guardian, onde eu trabalho, que é considerado um jornal sério, tentamos respeitar a privacidade dos indivíduos na sua condição de seres humanos. Não queremos publicar histórias invasivas no que diz respeito a sua individualidade. Por outro lado, se você é um representante oficial do governo, você tem menos direitos de privacidade porque as outras pessoas têm o direito de saber o que você está fazendo, o que a sua família está fazendo. Ou seja, a linha muda conforme a pessoa de quem você escreve.

Qual considera ser o caminho para o Brasil se globalizar mais no campo do jornalismo?

D.L. – Eu não sei. Essa pergunta são os jornalistas brasileiros que precisam me responder.

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Ben-Hur Demeneck é jornalista e doutorando em Ciências da Comunicação