Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Faltou atenção à pauta do orçamento

A Petrobras foi o destaque da economia na semana do leilão do campo de Libra, o primeiro do regime de partilha entre União e investidores. A empresa apareceu nas primeiras páginas desde segunda-feira (21/10), quando os jornais tentaram antecipar o jogo da licitação, e lá permaneceu até sábado (26), quando o noticiário mostrou a redução de seu lucro no terceiro trimestre.

O desempenho dos jornais foi bem mais desigual na cobertura de outros temas importantes, mas com menos apelo, como a tramitação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a revisão da dívida de estados e municípios, um generoso e caro presente custeado pelo Tesouro Nacional. Os dois temas envolvem questões delicadas, como a responsabilidade fiscal e a saúde das finanças públicas, mas o serviço prestado ao leitor, nessa área, foi em geral menos eficiente.

Os grandes jornais correram mais ou menos emparelhados na cobertura de Libra e da Petrobras. Não houve grande surpresa. Até a participação acima do mínimo obrigatório para a estatal brasileira, 30%, havia sido mencionada como possibilidade. A confluência de duas questões distintas, a política de petróleo e a necessidade financeira do Tesouro, também havia aparecido na imprensa. Exemplo: na semana anterior a Folha de S.Paulo havia dedicado uma reportagem à importância do bônus de R$ 15 bilhões para o fechamento das contas públicas deste ano.

Além disso, as limitações financeiras da Petrobras, forçada a atuar como operadora única de todos os campos do pré-sal e a participar dos consórcios com pelo menos 30%, estavam em todas as pautas. Na segunda-feira (21), dia do leilão, o Valor deu em manchete uma reportagem sobre a possível revisão do modelo para as licitações seguintes. Durante a semana a presidente Dilma Rousseff, ainda celebrando o resultado da segunda-feira, negou qualquer discussão no governo sobre o assunto. Só faltou explicar como a Petrobras, com restrições de caixa bem conhecidas, poderia cumprir a missão prevista no modelo.

Ingerências políticas

Na terça-feira (22) as manchetes foram muito parecidas. A expressão “sem disputa” ou “sem disputas” apareceu no Estado de S.Paulo, no Valor e no Globo. A Folha de S.Paulo apresentou uma pequena variação: “Sem concorrência, leilão do pré-sal obtém valor mínimo”. O passo seguinte seria explicar como a Petrobras cobriria as novas despesas. “Após Libra, cresce pressão por reajuste de combustíveis”, informou o Estadão na quarta-feira. No mesmo dia, em Brasília, a presidente da estatal, Graça Foster, declarou já dispor dos R$ 6 bilhões necessários para a empresa pagar sua parte do bônus (40% de R$ 15 bilhões). Não precisaria de aumento de preços para isso.

Na sexta, depois do fechamento do mercado de capitais, a Petrobras divulgou as contas do terceiro trimestre. O lucro obtido entre julho e setembro, R$ 3,39 bilhões, foi 45% menor que o do trimestre anterior e 39% inferior ao de igual período do ano passado. No mercado havia expectativa de queda e as projeções ficavam no intervalo de R$ 4,47 bilhões a R$ 6 bilhões, mas o resultado efetivo foi pior.

Vários fatores foram apontados no relatório, com destaque para defasagem de preços, agravada pela recente alta do dólar, poços secos ou subcomerciais e provisionamento de recursos para reajuste salarial. O comunicado da empresa indicou também um detalhe especialmente importante: a elaboração de uma nova “metodologia de precificação a ser praticada pela companhia”. O novo esquema deve ser apresentado ao Conselho de Administração, presidido pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, em 22 de novembro.

Os jornais bateram, portanto, nos pontos certos, e a tentativa de desconversar a respeito do problema dos preços foi mais uma vez inútil, porque o assunto ganhou destaque no dia seguinte. O relatório financeiro apontou, ainda, um maior endividamento da companhia no terceiro trimestre, mais um claro sintoma da insuficiência de caixa. Especialistas já haviam apontado a Petrobras como a empresa de capital aberto mais endividada do mundo e o peso dos compromissos, como se comprovou, ainda aumentou nos últimos três meses.

Apesar de tudo – e este detalhe foi em geral noticiado com menor destaque – o lucro acumulado em nove meses, R$ 17,29 bilhões, foi 29% maior que o de janeiro a setembro do ano anterior. Com todas as dificuldades criadas por ingerências políticas, a empresa ainda é capaz de lucrar e tem um enorme potencial de expansão, se o governo atrapalhar menos. Não é função da Petrobras administrar os índices de inflação, nem perder dinheiro em empreendimentos de interesse basicamente políticos, como a aliança com a PDVSA para construir a Refinaria Abreu Lima. A empresa venezuelana jamais pingou um centavo para essa obra e a Petrobras agora vai deixar de lado a sociedade e incorporar a refinaria, segundo se informou também na sexta-feira (25).

Contas afetadas

Os grandes jornais do Rio e de São Paulo apresentaram matérias amplas e detalhadas sobre as demonstrações financeiras. Mas em geral limitaram-se a informar os dados oficiais. Poderiam ter enriquecido o material com alguma recapitulação das análises divulgadas desde antes do leilão de segunda-feira.

Valor e Globo se adiantaram na cobertura da tramitação do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Com quase quatro meses de atraso, o texto do relator foi aprovado na Comissão Mista de Orçamento. Os congressistas deveriam ter liquidado o assunto em junho, ou no máximo no mês seguinte, mas preferiram cuidar de outros assuntos e em julho folgaram. No fim de agosto o Executivo manda ao Congresso, normalmente, a proposta do Orçamento Geral da União para o ano seguinte. A LDO, com orientações básicas para o Orçamento, deveria estar aprovada muito tempo antes.

Os dois jornais chamaram a atenção para o atraso e deram detalhes sobre o relatório aprovado. Dois detalhes de enorme importância: (1) uma das emendas fixa para o próximo ano a liberação obrigatória de recursos para certas emendas, embora a proposta de emenda constitucional do Orçamento Impositivo ainda esteja em tramitação e talvez nem esteja em vigor em 2014; e, (2) outro dispositivo enxertado torna dispensável a consulta ao Conselho Nacional de Justiça para a criação de tribunais e varas de justiça e para outros aumentos de gastos do Judiciário.

Na cobertura sobre a revisão das dívidas de estados e municípios valeria a pena ter ouvido mais gente sobre um tema polêmico: afinal, a redução dos juros e até do saldo é compatível com a Lei de Responsabilidade Fiscal? A resposta do governo é positiva. Não se trata, segundo a versão oficial, de uma renegociação. Mas o assunto parece mais complicado e opiniões de especialistas independentes poderiam enriquecer a cobertura. Além disso, teria sido interessante insistir um pouco mais na avaliação de como a mudança afetará as contas federais. Só para o município de São Paulo o alívio previsto é de R$ 24 bilhões. A contrapartida contábil será uma redução de créditos do Tesouro Nacional contra as entidades devedoras. E aí? Vale a pena bater mais nesse ponto. 

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Rolf Kuntz é jornalista