Desde que surgiram no país, em 1808, até os dias de hoje, os jornais impressos convivem com o fato de sujarem as mãos do leitor de tinta. Nas versões digitais, que há muito concentram o grosso da leitura, talvez o problema seja a gordura. Não aquela que o quadro “Medida Certa”, do Fantástico, ensina a perder. Tratamos aqui da gordura editorial, especialmente a que jorra de boa parte dos títulos das notícias na internet.
Fundamentais para atrair o leitor à leitura e fazê-lo compreender a notícia, os títulos do jornalismo na web conciliam a tradição histórica do dizer muito em poucas palavras (BURNETT, 1991) com funções exclusivas do ambiente digital, como os hiperlinks (é pelo clique no título que se chega à notícia) e os sistemas de busca automática (os buscadores usam palavras do título para posicionar a notícia nas telas de resultado e representam, em média, 50% do tráfego de audiência online).
O encontro desses dois aspectos cria o que poderíamos chamar de novo título jornalístico. Eles estão maiores (significa que têm mais informação?) e, em muitos casos, flertam com a prolixidade (a pressa para publicá-los tem prejudicado sua elaboração?) e com a falta de concisão (repórteres sucumbiram de vez à dificuldade de resumir?). No meio do emaranhado de nós e nexos (SANTAELLA, 2004) da internet, talvez o mais antijornalístico dos títulos seja o gorduroso, aquele que polui a informação central da notícia com expressões e palavras desnecessárias e que contraria a tradição do dizer muito em poucas palavras.
O título do filme na internet
O título gorduroso traz informações irrelevantes e geralmente é escrito em uma ordem desconexa. Muitas vezes não casa com o lead, o que retarda o processo cognitivo de compreensão da notícia (VAN DIJK, 2003). O leitor, diz o pesquisador holandês, espera que a informação do título se confirme no lead e que o conteúdo do lead seja explicado ao longo do texto, em uma espécie de escala de importância. Trata-se de um esquema mental parecido com o que usamos para as demais coisas do dia-a-dia: criamos um tópico central para resumir a informação e isso nos permite entendê-la, relacioná-la com outros conhecimentos e experiências e guardá-la, se for o caso.
Este tipo de título é mais comum nas páginas de notícias, aquelas aonde se chega depois do clique no link. Mas também pode ser encontrado nas homepages, especialmente as editadas mecanicamente – nelas não há editor que possa ajustá-lo de acordo com a relevância jornalística e o espaço. Ele torna-se cansativo pelo excesso de palavras. Em casos extremos, é preciso tomar fôlego para lê-lo até o final. As duas explicações mais possíveis seriam a falta de experiência jornalística, que impede perceber o que é mais importante, e o excesso de espaço no ambiente digital, que desobriga o jornalista a exercitar o poder de concisão e acaba com a ditadura do papel.
Como exemplo podemos citar o título usado pelo Jornal de Santa Catarina ao apresentar, em sua página na internet em 7 de novembro, a entrevista com o cineasta Mick Mihich sobre o curta O 100º Trabalho, gravado em Blumenau, e em Nova York e Nova Jersey, nos Estados Unidos: “Diretor que está nos EUA fala de filme gravado em Blumenau e selecionado para o Festival Audiovisual Catarinense”. Na versão impressa, a mesma notícia foi titulada “Vale americano”, uma alusão ao Vale do Itajaí, região onde está Blumenau.
Claros, concisos, precisos, atuais e verídicos
Do ponto de vista histórico, o título é importante porque traz a síntese da notícia (SOUSA, 2005) e porque influi, inclusive, no aspecto visual das páginas impressas ou interfaces digitais. Sem ele, a notícia perde o sentido (COMASSETTO, 2003) e, nos dias de hoje, podemos dizer que ela deixa de ser vendida – prova disso é o modelo de cobrança pela leitura digital criado pelo The New York Times e adotado por jornais do mundo inteiro desde então; nele a notícia só é vendida se houver clique no título.
Nesse contexto, os jornais parecem enfrentar um dilema: devem fazer os títulos curtos e diretos para serem mais impactantes e terem mais chance de atrair o clique? Ou devem enchê-los de palavras para apostar na busca mecânica? Nesse caso, dizer muito no título não espanta a leitura? Será que o leitor, em muitos casos, não ficará satisfeito com o resumo da notícia em um título rechonchudo? E a pressa? Será que, na ânsia de publicar antes, os jornais estão publicando melhor? Ou têm levado ao ar títulos confusos e sem foco?
Na internet, por causa de dilemas desse gênero, nos parece que ainda não há um modelo apropriado de título jornalístico – e não é nossa intenção sugerir um neste ensaio. Nos meios impressos talvez haja um consenso acerca do que fora proposto por Sousa (2005): “Um bom título acrescenta valor a uma peça jornalística. Na tradição jornalística dominante, os títulos devem ser informativos, sintetizando o núcleo duro da informação numa frase forte, dura e sedutora. Devem ter garra. Devem ser claros, concisos, precisos, atuais e verídicos” (SOUSA, 2005:146).
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Jeferson Bertolini é repórter e mestrando em Jornalismo na UFSC