Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Como ir ao ponto na cobertura econômica

O governo acrescentou R$ 16,3 bilhões à estimativa de seus gastos sem abandonar a meta fiscal, anunciou o Ministério do Planejamento na sexta-feira (22/11). Explicação: a meta foi reduzida e haverá receitas extras. Seria preciso juntar os dois pontos, claramente, para esclarecer o assunto, como foi feito no começo da matéria da Folha de S.Paulo. Primeiro detalhe: o governo central só terá de fazer sua parte – R$ 73 bilhões – na produção do superávit primário, destinado ao pagamento de juros da dívida pública. Não terá de completar o resultado se estados e municípios, como se prevê, deixarem de contribuir com R$ 38 bilhões para o resultado geral. Segundo detalhe: o aumento de receita agora incluído na projeção oficial virá de ganhos extraordinários, como bônus de concessões de infraestrutura e recolhimentos de parcelas de impostos refinanciados.

É aceitável gastar e ajustar o resultado fiscal com receita extra, isto é, fora da rotina e sem perspectiva de repetição? É um bom assunto para debate, mas a mera explicação clara, direta e completa de como se pretende fechar as contas já é uma bela contribuição. O leitor interessado em opinar sobre os grandes assuntos fica municiado.

Ir ao ponto e acentuar logo o detalhe relevante são virtudes incomuns no Brasil, raramente exercitadas em votações no Supremo Tribunal Federal e com frequência negligenciadas na imprensa. Na segunda-feira (18/11), o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) executou uma fiança do Banco Votorantim usada como garantia de empréstimo à OSX, mais uma empresa de Eike Batista em recuperação judicial. Nem todas as matérias sobre o assunto mencionaram um ponto muito importante: o Banco do Brasil é dono de metade do Votorantim. Essa informação apareceu na primeira página doValor, logo no começo do segundo parágrafo.

Custo fiscal

A questão fiscal – receita e despesa pública, estímulos tributários e relações entre o Tesouro e bancos oficiais – foi um dos grandes assuntos na penúltima semana de novembro. Os grandes jornais correram mais ou menos juntos na cobertura, contando os esforços da presidente Dilma Rousseff e de seus ministros para frear no Congresso projetos muito custosos, mas, ao mesmo tempo, comprometendo-se com maiores gastos e negociando a redução da meta fiscal (de fato, essa é a consequência prática da autorização para o governo central cuidar só de sua meta).

A maior parte dos grandes jornais deu especial destaque à reunião da presidente e do ministro da Fazenda, Guido Mantega, com líderes e dirigentes de partidos aliados, na terça-feira (19), para a formalização de um pacto de responsabilidade fiscal. O pessoal da base prometeu tomar cuidado com os projetos-bomba (qualificação usada por gente do Executivo) em tramitação no Congresso. Esses projetos poderiam, em conjunto, adicionar R$ 60 bilhões anuais às despesas orçamentárias.

Na mesma reunião, a presidente defendeu a liberação do governo central da obrigação de garantir a meta fiscal de todo o setor público. No dia seguinte essa liberação foi sacramentada pelos congressistas e também noticiada em primeira página. Na reunião com os aliados o ministro Guido Mantega mencionou o risco de rebaixamento da nota de crédito do país, no próximo ano, se houver sinais de piora da situação fiscal. Isso evidenciou a preocupação, geralmente negada pelas autoridades, com as avaliações publicadas pelas agências de classificação de risco financeiro.

Como parte de sua anunciada austeridade, o governo federal deixará de apoiar a revisão retroativa das dívidas de estados e municípios com o Tesouro Nacional. A prefeitura de São Paulo deixará de ganhar um presente de R$ 24 bilhões e um espaço adicional para tomar novos empréstimos. Ao anunciar esse recuo, o ministro da Fazenda reconheceu explicitamente os custos fiscais daquela revisão, assunto pouco explorado nas semanas anteriores. O Valor avançou no tema na edição de quinta-feira (21/11), com base em uma entrevista de Mantega.

Custo político

A cobertura de outro grande problema fiscal correu em paralelo às matérias sobre ações de efeito imediato, como as negociações com a base e a revisão dos gastos de 2013. O governo está diante da ameaça de mais um esqueleto deixado por planos econômicos anteriores à criação do real. A briga, desta vez, é em torno da correção monetária das contas de poupança depois da implantação dos planos Bresser (1987), Verão (1989), Collor 1 (1990) e Collor 2 (1991). Se forem derrotados, os bancos terão de enfrentar uma cobrança estimada em R$ 149,9 bilhões. A Caixa ficaria com cerca de um terço da conta, R$ 49,8 bilhões.

Banqueiros intensificaram a movimentação, mas nem precisariam disso para mobilizar o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. Representantes do Executivo engrossaram a romaria a ministros do Supremo Tribunal Federal, na tentativa de evitar o desastre. Na sexta-feira (22), o assunto foi matéria de capa tanto no Valor quanto no Estado de S.Paulo. Segundo a equipe econômica, informou o Estadão, além do risco de redução do crédito e de quebra de bancos, há o perigo de o Tesouro ser forçado a cobrir o rombo da Caixa. O jornal também chamou a atenção para a dupla preocupação do governo. Uma derrota terá um enorme custo financeiro. Em contrapartida, uma vitória contra os poupadores poderá ter um perigoso custo político. Apontar essa dupla ameaça é um bom exemplo de como se vai ao ponto.

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Rolf Kuntz é jornalista