O que seria o mundo sem os jornais cotidianos? O que será o mundo do futuro quando a notícia impressa que chega às bancas diariamente for uma coisa do passado?
Nesse contexto de smartphones, iPads, Twitter e demais redes sociais, estações de TV all news, sites e blogs que cobrem os acontecimentos em tempo real, o jornal impresso que aparece nas bancas no dia seguinte parecerá cada dia mais velho se jornalistas e profissionais da comunicação não se debruçarem sobre o futuro do jornal.
Robert Maggiori, filósofo e jornalista do diário francês Libération, responsável pelo suplemento literário semanal do jornal, aprofunda essa reflexão no excelente artigo “O cotidiano de papel, uma singularidade, um futuro”, publicado na quinta-feira (12/12). Nele, Maggiori analisa a verdadeira revolução em curso no mundo, que leva os jornais impressos a desaparecerem ou, na melhor das hipóteses, a perderem parte de seus leitores. Inexorável e paulatinamente.
No dia 13 de dezembro, o Libération – criado em 1973, por um grupo de maoístas unidos em torno do filósofo Jean-Paul Sartre – realizou uma grande festa em Paris para comemorar os 40 anos de inteligência, irreverência e inovação que o jornal representou no panorama da imprensa francesa. Libération revolucionou a linguagem e o visual da imprensa francesa. Sempre ligado às causas da esquerda francesa e mundial, o jornal defende com ardor o serviço público e o modelo social francês, ameaçados pela mundialização, pelo neoliberalismo e pela crise.
Apesar de ter como acionista majoritário o milionário Édouard de Rothschild, o Libé – como é conhecido pelos franceses que não conseguem viver sem ele – não esconde suas ideias socialistas, em sintonia com os fundadores. Mas o jornal foi tão atingido pela mudança de paradigmas no mundo da informação quanto seus concorrentes.
Elementos de compreensão
O International Herald Tribune (que circulou inicialmente com o nome de The New York Herald no século 19, para informar os americanos expatriados na França) anunciou na edição do dia 14 de outubro que aquele era um número histórico pois no dia seguinte o jornal parava de circular. A partir dali, ele passaria à égide do New York Times e se agora se chama International New York Times. É a crise da imprensa escrita fazendo novas vítimas.
“Se a crise, segundo Antonio Gramsci, é aquele estado incerto em que o ‘velho’ ainda não morreu e o ‘novo’ ainda não nasceu, por que na situação crítica em que se encontram os jornais não tentar uma última cartada e pensar uma nova forma de cotidiano que resistiria às forças econômicas, midiáticas e culturais que o destinam a ser relíquia do passado?”, perguntou Maggiori em seu artigo.
Segundo ele, não seria necessário lembrar a alteração ou desfiguração do espaço público que provocaria a ausência dos jornais diários nas bancas. Eles são exibidos como emblemas do pluralismo, da liberdade de expressão, da confrontação de opiniões, da ética da discussão e da política deliberativa, da qual fala Habermas.
Mas o jornal não pode se adaptar aos novos tempos aderindo à tentação da notícia breve, sintética, lida às pressas. Ao adotar esse modelo, os jornais se tornariam uma simples colagem de telegramas. Para Maggiori, a imprensa escrita deve continuar a hierarquizar, selecionar, narrar e fornecer ao leitor elementos de compreensão. Ela deve substituir opiniões dadas por todo mundo sobre tudo por uma verdadeira informação que ajude o leitor a formar uma opinião sobre o que realmente acontece no mundo.
Jornal renovado
O panorama no mundo aponta para uma transição em curso. Mais que isso, para uma revolução, que acontece sem que se perceba aonde chegaremos. Os jornais franceses apresentaram 7,1% de queda média nas vendas nos primeiros nove meses de 2013, e nesse contexto Libération teve 16,5% de queda, enquanto o Le Monde teve 5,1% e Le Figaro vendeu menos 3,7% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Nos três primeiros trimestres de 2013, as vendas dos jornais online aumentaram de 39%, em média. O mais representativo salto foi do jornal La Croix (78%), enquanto Le Figaro cresceu 53%, Le Monde 30% e Libération viu os leitores da versão eletrônica aumentarem em 24%.
No setor impresso, a boa notícia em 2013 foi o processo de recuperação das finanças da Quinzaine Littéraire, ameaçada de desaparecer com a morte de seu fundador, Maurice Nadeau, em maio, aos 102 anos. Salva do naufrágio por uma ajuda financeira de intelectuais de diversas áreas, o jornal literário mais prestigioso da França retomou seu ritmo quinzenal despois do recesso de verão. Assim, nasceu em novembro de 2013 a Nouvelle Quinzaine Littéraire, com nova diagramação e uma direção renovada, pronta para continuar a ocupar o panorama intelectual francês nas mais diversas áreas das ciências humanas como um must que é desde 1966, quando foi criada.
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Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paris