Inflação alta, crescimento baixo e muita pressão sobre o Tesouro compõem a maior parte dos cenários para 2014 – ano de eleições, de Copa do Mundo e de muita barganha política. O governo entra no ano novo sob a ameaça de rebaixamento da nota de crédito do país. Além disso, as condições no mercado financeiro tendem a ficar menos favoráveis, com a eliminação gradual dos incentivos monetários nos Estados Unidos. A mudança poderá ser menos traumática do que se temia, mas, ainda assim, o acesso ao crédito provavelmente ficará mais difícil. O Federal Reserve, o banco central americano, anunciou em dezembro a intenção de cortar de US$ 85 bilhões para US$ 75 bilhões, a partir de janeiro, o dinheiro emitido mensalmente para recolher títulos federais do mercado e irrigar os negócios.
Preocupante por seus efeitos financeiros, essa decisão é baseada, no entanto, em uma boa notícia: a maior economia do mundo, a dos Estados Unidos, dá sinais firmes de recuperação. Somando-se a isso o começo de recuperação na Europa, compõe-se um quadro mais animador no mundo mais desenvolvido. Como a China, apesar de alguma desaceleração, ainda crescerá pelo menos uns 7,5%, o panorama externo deve ser bem mais favorável que nos últimos anos. Aproveitar a oportunidade para exportar e crescer será outra história – um desafio para os industriais, para os formuladores da política econômica e para os jornalistas.
Principalmente na frente interna, 2014 será um ano complicado para o governo e trabalhoso para o jornalismo econômico. A presidente Dilma Rousseff conseguiu do Congresso a aprovação do Orçamento antes do fim do ano. Graças a isso, poderá investir sem restrições legais desde o começo de 2014. O ritmo do investimento federal dependerá somente de competência técnica e gerencial. Em contrapartida, a presidente foi obrigada a aceitar a criação do orçamento impositivo.
Com essa mudança, o Executivo será forçado a custear boa parte das emendas de congressistas. Essas emendas quase sempre envolvem projetos clientelísticos e paroquiais e resultam em desperdício e pulverização de verbas. O arbítrio na liberação de recursos dava ao governo um considerável poder de pressão e facilitava as barganhas com os parlamentares. Contra isso se rebelaram, com alguma razão, senadores e deputados tanto da base quanto oposicionistas.
Mas o velho sistema pelo menos permitia ao governo controlar um pouco mais as despesas. Ficará um pouco mais complicada, agora, a gestão das contas públicas. O radar da imprensa terá de se voltar também para esses gastos e para a qualidade dos projetos financiados.
Jornalismo acrítico
Qualquer dificuldade a mais na administração das contas poderá ser muito importante. Para fechar o balanço fiscal de 2013 o governo teve de recorrer a enorme volume de receitas atípicas. Só em novembro foram R$ 35,4 bilhões. As críticas ao uso desse tipo de receita e da contabilidade criativa para tornar os números mais apresentáveis tornaram-se comuns. A vigilância da imprensa funcionou e o jornalismo econômico ajudou a desembaçar a contabilidade federal. Essa foi uma de suas façanhas mais notáveis em 2013.
Depois de três anos de marcha lenta, o governo estará empenhado em fazer a economia avançar mais velozmente, até para privar a oposição de um de seus motes mais promissores. Os auxiliares da presidente serão forçados a quebrar a cabeça para inventar estímulos mais eficientes que os dos últimos anos e, se possível, menos custosos para o Tesouro. Não será fácil contornar o desafio fiscal. Com a imagem do governo já afetada, a presidente Dilma Rousseff pediu a seus assessores um objetivo crível e mais fácil de alcançar em 2014. A meta do superávit primário – o dinheiro usado para pagar juros da dívida pública – só será fixada no primeiro bimestre, anunciou no fim de dezembro o secretário do Tesouro, Arno Augustin.
Mas o cuidado com a imagem teve também consequências diplomáticas. Depois de esnobar por três anos o Fórum Econômico Mundial, a presidente Dilma Rousseff decidiu ir à reunião de Davos neste ano. A viagem, anunciada no fim de 2013, servirá para contatos com autoridades estrangeiras e para encontros com executivos de multinacionais e de grandes bancos. Pelo menos alguns dos objetivos são evidentes: cuidar da imagem, promover o programa de concessões na área de infraestrutura e tentar atrair investimentos diretos.
Investimentos diretos podem ser destinados tanto à infraestrutura quanto a outros segmentos empresariais. O Brasil investe cerca de 19% do produto interno bruto (PIB), muito menos que o necessário para sustentar um crescimento econômico de 4% ao ano. A meta oficial de 24% ainda está distante. Além disso, o investimento estrangeiro direto é mais estável e mais confiável que outras formas de financiamento externo. É a melhor maneira de cobrir o buraco – próximo de US$ 80 bilhões – na conta corrente do balanço de pagamentos. Em 2013 parte da cobertura foi feita com capitais menos seguros e mais especulativos.
As previsões para 2014 indicam mais um ano ruim para as contas externas. As estimativas incluem superávit abaixo de US$ 10 bilhões na balança comercial e déficit próximo de US$ 80 bilhões na conta corrente. Projeções desse tipo têm sido formuladas tanto por economistas do mercado financeiro quanto por técnicos do Banco Central (BC). O país dispõe de reservas superiores a US$ 370 bilhões e o risco de uma crise cambial parece distante. Mas o Brasil precisa de superávits elevados no comércio de bens para compensar, pelo menos em boa parte, o déficit estrutural na conta de serviços e rendas. Os jornalistas da área terão de acompanhar com mais atenção do que em 2013 os detalhes do setor externo.
É importante seguir com cuidado a balança comercial também por outra razão. No Brasil, as importações têm crescido mais velozmente que as exportações há uns seis anos. Houve uma ligeira inversão de ritmo apenas na recessão do início da crise. Esse descompasso reflete principalmente a perda de competitividade da indústria brasileira. Nem a desvalorização cambial, bem sensível em 2013, foi suficiente para frear as compras e empurrar as vendas.
Observar de perto as transações internacionais do país servirá também para acompanhar a evolução da eficiência da indústria e, de modo geral, da economia brasileira. Mais de uma vez, em 2013, os maiores jornais se limitaram a publicar, no fechamento mensal da balança de comércio, as declarações de algum alto funcionário ministerial. Jornalistas atuaram como meros portadores da explicação oficial. No entanto, detalhes das contas, às vezes contrários àquela explicação, aparecem regularmente no site do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Em algumas ocasiões, esses detalhes foram ignorados por repórteres e editores. Preguiça ou despreparo?
Ano duro
O cenário internacional será enriquecido por negociações comerciais. A Organização Mundial do Comércio (OMC), agora dirigida pelo brasileiro Roberto Azevêdo, relançou em dezembro, depois de muito esforço diplomático, a Rodada Doha, emperrada a partir de 2008. Brasília deu muita importância a esse esforço, até porque a diplomacia nacional se concentrou, nos últimos dez anos, na grande rodada multilateral e na busca de acordos, em geral pouco importantes, com parceiros em desenvolvimento.
Mas há sinais de mudança nas prioridades. O governo brasileiro tem mostrado maior empenho em concluir um acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia. A pouca disposição argentina de negociar seriamente continua sendo um obstáculo. Em Brasília ocorreram também, nos últimos tempos, manifestações de interesse em ampliar os laços comerciais com os Estados Unidos. Será necessário muito empenho, além de preparo técnico, para um bom acompanhamento desses temas.
Ao mesmo tempo, será preciso seguir com atenção as discussões entre Estados Unidos e União Europeia e também a montagem da chamada Parceria Transpacífica. Será arriscado deixar todo esse trabalho só nas mãos dos correspondentes em Genebra. São profissionais experientes e competentes, mas um bom trabalho exigirá o envolvimento de um número maior de repórteres.
A maior parte da pauta será moldada pela rotina, como sempre, e pelas pressões mais fortes do dia a dia. Os jornais terão de registrar, como sempre, uma porção de indicadores de preços. A inflação anual dificilmente ficará muito abaixo de 6%, segundo previsões de especialistas do mercado e também do BC. Será preciso, como sempre, seguir com atenção as possíveis interferências políticas no sistema de preços.
Também será inevitável acompanhar as licitações da infraestrutura, a política do pré-sal, a evolução dos preços de combustíveis, os problemas de caixa da Petrobras e assim por diante.
Será impossível desconhecer o ritmo das obras da Copa e o custo desses investimentos. Mas será preciso ter bom senso para dar a estes assuntos sua dimensão econômica, sem deixá-los confinados, como têm estado até agora, nos cadernos de Esportes.
A campanha eleitoral forçará a discussão de temas importantes. Os jornais contribuirão se forem um passo além da retórica de campanha e tratarem as questões principais com algum cuidado técnico.
Será um ano trabalhoso. Mas também poderá ser divertido.
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Rolf Kuntz é jornalista