Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Contas públicas no topo da pauta

O ano começou com a imprensa vigiando de perto as contas do governo. Em tempo de eleições é sempre bom seguir de perto o gasto público, a liberação de verbas para estados e municípios e a escala de prioridade dos gastos. Mas neste momento as motivações são mais amplas. Agências de classificação de risco pressionam sem disfarce a administração federal. A presidente Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, já se mostraram preocupados com a hipótese de rebaixamento. Além disso, o orçamento federal foi assunto de muita discussão em 2013, desde o fechamento do balanço do ano anterior. A expressão “contabilidade criativa” tornou-se conhecida internacionalmente.

Curiosamente, o tiroteio foi aberto, no começo de janeiro, pelo ministro da Fazenda. Para “acalmar os nervosinhos”, ele antecipou a divulgação dos números gerais do governo central. Segundo Mantega, o superávit primário, dinheiro separado para os juros, chegou a R$ 75 bilhões, com folga de R$ 2 bilhões em relação à meta oficial. A mensagem foi divulgada, mas sempre, ou quase sempre, completada com um detalhe: o resultado teria sido muito menor sem a contribuição de receitas atípicas. Só a licitação do campo de Libra, no pré-sal, havia rendido um bônus de R$ 15 bilhões.

A entrevista do ministro produziu muito menos efeito do que ele aparentemente pretendia. Talvez tenha sido até contraproducente, do ponto de vista do governo. Mas a política fiscal continuou em destaque nos dias seguintes. Ao sancionar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), no fim do ano, a presidente da República havia vetado a referência a tabelas oficiais de custos de obras públicas. Segundo a notícia, publicada no Estado de S.Paulo, com esse veto o controle de gastos poderia ficar mais frouxo. Um decreto presidencial, já se sabia, mantinha a referência às tabelas. Mas um decreto, como se lembrou, é alterável muito mais facilmente que uma LDO.

Ano de eleições

Na quarta-feira (8/1), a política fiscal foi manchete do Valor: “Restos a pagar de R$ 51 bi melhoram contas de 2013”. No ano anterior, segundo a matéria, os pagamentos empenhados e transferidos para o exercício seguinte haviam sido muito menores, R$ 26,3 bilhões. Restos a pagar – liquidações transferidas de um ano para outro – podem ser inevitáveis, mas esse expediente, no Brasil, tem assumido proporções escandalosas.

A maior parte dos investimentos pagos pelo Tesouro, em cada exercício, é coberta com restos transferidos e às vezes acumulados durante anos. Essa montanha de dinheiro tem constituído, segundo analistas, quase um orçamento paralelo. No caso noticiado pelo Valor, o efeito mais notável da transferência, pelo menos de imediato, seria o alívio das contas do ano passado. Sem isso, o superávit primário teria sido pífio.

Outros jornais entraram no assunto nos dias seguintes. “Governo atrasou pagamento para melhorar contas do ano passado”, noticiou a Folha de S.Paulo na quinta-feira (9). A história foi ilustrada com a transferência de um pagamento relativo ao programa Minha Casa, Minha Vida. A liberação de R$ 1,5 bilhão prevista para julho foi transferida para 3 de janeiro. Na mesma quinta-feira, o Valor informou uma tentativa de recuo do Tesouro. O governo havia cancelado, no dia anterior, R$ 17,8 bilhões de despesas inscritas no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi). Com a subtração, o total de restos a pagar passaria de R$ 51,3 bilhões para R$ 33,5 bilhões, “dentro da normalidade de outros anos”, segundo nota oficial. Um dia depois o sistema registrava R$ 34,6 bilhões. Mas o valor final só seria conhecido depois do dia 20, de acordo com técnicos citados na notícia.

Ao mesmo tempo, continuou rolando o noticiário sobre as agências de classificação de risco. A primeira novidade foi parcialmente favorável ao governo. A Moody’s anunciou a disposição de manter a nota de crédito soberano do Brasil, se os números do ano confirmarem algumas projeções muito modestas, como crescimento econômico de 2% e superávit primário de 2,1% do Produto Interno Bruto. Não se espera, segundo o pessoal da agência, mudança importante na condução da política fiscal em 2014. Em outras palavras, o ano de eleições está descontado e a conversa deve ser mais séria em 2015. Mas o anúncio veio com um aviso: poderá haver revisão de nota, durante o ano, se houver nova deterioração dos números. No dia seguinte, em Nova York, a Standard & Poor’s voltou à cena com um promessas muito menos benignas. Poderá, sim, haver um corte da nota em 2014, antes das eleições, se os indicadores piorarem.

Cobertura mais acurada

Para a maior parte dos eleitores, essas notas pouco significam. Se o assunto tiver repercussão maior que a costumeira, políticos poderão falar em conspiração do capital financeiro. Ou, pior, do capital financeiro transnacional. Além disso, as agências erraram feio, mais de uma vez, nos últimos vinte anos. Talvez por isso tenham adotado um rigor exagerado.

Todo esse palavrório é possível, mas o mero risco de rebaixamento já tem afetado as condições de financiamento do setor público. Brincar com o assunto pode produzir consequências muito desagradáveis para o governo, neste ano ou a partir de 2015. Não seria demonstração de esperteza menosprezar esse perigo.

Mas a gestão das contas de governo, com ou sem perigo de rebaixamento da nota de crédito, é assunto político da máxima importância, embora pouco atraente ou mesmo pouco inteligível para a maior parte dos cidadãos. A imprensa tem melhorado a cobertura do assunto, acompanhando mais de perto a política orçamentária, noticiando mais e tentando ajudar o leitor a vencer as barreiras técnicas.

Pode-se avançar muito mais e a pauta de 2014 se anuncia suculenta.

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Rolf Kuntz é jornalista