Pelo menos uma pauta econômica para janeiro estava fixada já no fim do ano. Os juros básicos haviam chegado a 10%. Uma nova alta seria anunciada no dia 15 pelo Banco Central (BC). Poderia ser o último grande lance contra a inflação. Só faltava saber se a taxa seria elevada para 10,25% ou 10,5%. A maior parte das apostas, no mercado financeiro, favorecia a primeira hipótese, mas, nesse caso, ainda poderia haver um segundo aumento neste ano.
As previsões começaram a mudar em cima da hora. As decisões do Comitê de Política Monetária (Copom), formado por diretores do BC, são formalizadas no fim de uma reunião de dois dias. A reunião ocorreu pouco depois de conhecidos os números finais da inflação oficial de 2013. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) havia subido 0,92% em dezembro e 5,91% no ano. Os juros foram elevados para 10,5%, por unanimidade.
A decisão pode ter sido tomada com alguns dias de antecedência. Pelo ritual, os membros do Copom só discutem o assunto no segundo dia da reunião, mas cada um pode formar sua convicção antes disso. Conhecido o IPCA de dezembro, no entanto, qualquer decisão mais branda que a alta de 0,5 ponto poderia parecer estranha.
Pelo menos dois grandes jornais juntaram as duas notícias na manchete de quinta-feira (16/1). “Com a inflação em alta, BC sobe juros para 10,5%”, informou a Folha de S.Paulo. “Inflação acima do previsto faz BC elevar juro a 10,5%”, noticiou o Estado de S.Paulo. A maior parte das estimativas havia indicado para dezembro uma alta de preços pouco acima 0,7%. Com isso, o número acumulado no ano ficaria abaixo de 5,84%, o resultado final de 2012. O governo havia prometido mais de uma vez um número menor que o do ano anterior. O BC havia apoiado essa promessa. A inflação convergiria para a meta já neste ano, embora devesse ficar acima de 4,5% pelo menos até 2015. Não deu certo.
Repasse atrasado
A promessa foi descumprida. Conhecido o resultado final da inflação, o presidente do BC, Alexandre Tombini, divulgou uma nota para se explicar. A resistência do IPCA, segundo ele, acabou sendo maior que a prevista. Com essa nota, ele parece ter apenas cumprido a obrigação de reconhecer o resultado ruim. A imprensa deu muito espaço aos números da inflação, lembrou a aposta do governo e publicou opiniões de analistas sobre a decisão do Copom. Os especialistas discutiram também a evolução provável da política monetária.
Houve o costumeiro esforço de decifração da nota distribuída pelo BC, como sempre lacônica. As conclusões dos vários analistas foram divergentes. Para alguns, a expressão “neste momento” deixava espaço para novos aumentos de juros. Para outros, a nota indicava o fim do ciclo de alta. Tudo bem, tudo normal à primeira vista. Mas a imprensa praticamente se limitou a cobrir os assuntos mais evidentes – a nova elevação da taxa, a inflação acima da prevista e os comentários previsíveis dos especialistas. O serviço, no entanto, poderia ter sido mais completo.
Já se conheciam, nessa altura, algumas prévias da inflação de janeiro, divulgadas pela Fundação Getúlio Vargas e pela Fipe-USP. Essas informações indicavam aceleração da alta dos preços ao consumidor. Um pouco mais de atenção a esses números teria tornado a cobertura mais nutritiva e mais temperada. Se o assunto fosse proposto aos entrevistados, eles teriam de avaliar também a evolução provável dos preços. Poderiam tornar mais detalhados seus comentários sobre as próximas decisões do Copom. Mas os jornais passaram longe dessas notícias mais frescas. Se houve alguma referência aos novos indicadores, foi muito vaga. Mesmo as projeções do mercado para ao IPCA deste ano ficaram sem destaque na cobertura. Os jornais foram notavelmente comedidos. Limitaram-se a mostrar o estouro das previsões de 2013, sem juntar ao quadro os maus sinais das primeiras prévias.
Mas os jornais nem sempre são tão comedidos e tão pouco ambiciosos. O tratamento dado à inflação e à decisão do Copom contrastou com a dissecção minuciosa das contas públicas. Desde o começo do mês os jornais vinham desmontando o resultado fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Segundo ele, o governo central havia fechado o ano com R$ 75 bilhões de superávit primário, a economia destinada ao pagamento de juros. O desmonte começou imediatamente. A informação do ministro foi complementada pela referência a algumas receitas atípicas de 2013, como os R$ 15 bilhões pagos pelos vencedores da licitação do campo de Libra, do pré-sal.
O trabalho continuou nas semanas seguintes, com matérias sobre o grande aumento dos restos a pagar e o atraso nas transferências obrigatórias de verbas para Estados e municípios, mencionado pelo Valor na edição de segunda-feira (13/1). O superávit primário, segundo essas matérias, havia sido alcançado com aquelas receitas atípicas e com uma porção de manobras destinadas a aliviar as contas do fim do ano.
De nenhum modo, portanto, o resultado fiscal seria explicável por uma política austera. O detalhe mais grave revelado pelo desmonte apareceu no Estado de S.Paulo na sexta-feira (17/1): “Governo segura repasse do SUS em dezembro e ajuda superávit primário”. O repasse atrasado, segundo a reportagem, somou R$ 2,66 bilhões. De acordo com a matéria, nem a saúde escapou das manobras para ajeitar o balanço federal. Faltou esse vigor no tratamento da inflação e da decisão do Copom.
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Rolf Kuntz é jornalista