A produção industrial cresceu 1,2% em 2013, taxa insuficiente para compensar a queda de 2,5% no ano anterior. Esta informação é só um pedaço da pior notícia econômica da primeira semana de fevereiro. Nem chega a ser o dado mais negativo, mas os jornais acabaram publicando só uma parte da história. Mais uma vez o jornalismo econômico dependeu de entrevistas com fontes para registrar dados evidentes para qualquer redator – como diria Stanislaw Ponte Preta – “pouquinha coisa mais atento”. Alguma atenção e um pouco de aritmética elementar tornariam dispensáveis muitas entrevistas. Ninguém precisa de uma fonte qualificada para somar dois e dois e achar quatro como resultado. Sem perda de tempo com perguntas inúteis, seria mais fácil mudar o foco para detalhes menos óbvios.
Ninguém precisaria entrevistar um economista do mercado para descobrir, por exemplo, como evoluiu a atividade industrial nos últimos três anos. Se a produção cresceu 0,4% em 2011, encolheu 2,5% em 2012 e aumentou apenas 1,2% em 2013, a variação acumulada é uma redução de 0,93%. Até aí as entrevistas permitiram chegar, embora qualquer pessoa pudesse atingir a mesma conclusão com umas continhas simples. Mas qual o nível de referência? Obviamente é o ponto alcançado pela indústria em 2010, já que a conta começa com o resultado de 2011. Conclusão inevitável: a variação acumulada em três anos, desde o início do atual governo, foi negativa.
A pergunta seguinte poderia ser: como explicar esse resultado, depois de tantas desonerações fiscais, apresentadas pelo ministro da Fazenda como componentes de uma política anticíclica? Mas a cobertura passou longe desse tipo de questão. Apenas se aproximou da raiz do problema ao tratar da evolução do setor de bens de capitais, isto é, das indústrias fabricantes de máquinas e equipamentos. O aumento de produção no ano passado, 13,3%, foi insuficiente para compensar a queda de 11,8% em 2012. É fácil entender esse ponto: com essa queda a produção caiu para um nível equivalente 88,2% do patamar anterior. Um aumento de 13,3% permitiu chegar 99,93%, pouco abaixo, portanto, do ponto de partida.
Mundo real
Essa recuperação parcial é sem dúvida um ponto positivo. Mas só mais tarde se poderá saber se o crescimento do setor de bens de capital, no ano passado, foi o começo de uma nova onda de investimento produtivo do setor privado. Por enquanto, os números indicam apenas o retorno a um nível muito próximo daquele alcançado em 2011, antes da queda de 11,8%. Além disso, boa parte da produção adicional de equipamentos foi concentrada em caminhões, como se lembrou em uma das entrevistas. Mas esse dado já era conhecido.
Além do segmento de caminhões, destacou-se o de máquinas agrícolas. Seria facílimo relacionar esse movimento com o bom desempenho do agronegócio, mas o noticiário foi parcimonioso em relação a esse ponto. Além disso, muitos transportadores haviam adiado em 2012 a renovação de frotas. Isso explica, pelo menos em parte, o aumento das compras em 2013.
Outros indicadores da indústria completam harmonicamente o quadro sombrio. O crescimento da produção de bens intermediários foi nulo. O segmento de bens de consumo duráveis foi 0,7% maior que em 2012, quando havia diminuído 3,5%. A fabricação de bens de consumo semiduráveis e não-duráveis encolheu 0,5%, depois de ter aumentado apenas 0,2% no ano anterior. Mas a ideia de mostrar a coerência dos dados parece ter sido pouco tentadora para a maior parte dos redatores e editores.
Todos ou quase todos se lembraram, no entanto, de perguntar às fontes do mercado como os novos números da indústria, a começar pela queda mensal de 3,5% em dezembro, afetavam suas estimativas do produto interno bruto (PIB). Resposta simples: afetavam negativamente as estimativas de 2013 e justificavam projeções menos otimistas para 2014. Mas essa obviedade pouco acrescenta à avaliação das questões mais importantes.
A cobertura indicou, de modo geral, preocupação muito maior com avaliações superficiais do que com a relevância estratégica da indústria. Afinal, foi esse, em outros tempos, o setor mais dinâmico e mais inovador da economia brasileira. Além do mais, a indústria se mantém como a principal fonte de empregos decentes.
O jornalismo econômico tem mostrado muita iniciativa e muita capacidade crítica na cobertura de alguns temas importantes, como a política fiscal. Mas tem-se mostrado um tanto burocrático e muito dependente das avaliações do “mercado” ao tratar do chamado lado real da economia. No entanto, esse lado real é a fonte produtora de automóveis, geladeiras, televisores, ônibus, caminhões, cervejas, feijão, arroz, bifes e também jornais. São, no fim das contas, itens muito mais importantes que os papéis do setor financeiro. Os papéis, afinal, só existem porque na base de tudo está a negociação de bens e serviços reais.
P.S.: No domingo (9/2), quatro dias depois da cobertura sobre o tombo da indústria, o Estado de S. Paulo publicou uma entrevista com o empresário Pedro Passos, presidente do Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial (Iedi) [ver aqui e aqui].
******
Rolf Kuntz é jornalista