Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Recomeçar do zero é desafio para jornais

Durante quase seis meses, o jornalista Caio Túlio Costa dedicou seu tempo a uma questão que se tornou central para o setor de mídia, especialmente os jornais: existe, afinal, um modelo rentável para as companhias jornalísticas na era digital, que tem colocado em xeque princípios que remetem à própria invenção da imprensa, 575 anos atrás?

A resposta, apresentada em um trabalho de 107 páginas, é que esse modelo existe, sim, mas requer compreender qual é a nova cadeia de valor proposta pelo mundo digital. Esse é o primeiro passo para um trabalho árduo, que exige um conjunto de mudanças em várias frentes, e ao fim do qual os grupos jornalísticos deixariam de ser companhias de informação para se tornar empresas de serviços, fortemente apoiadas na tecnologia.

O título do trabalho, que será lançado na forma de e-book, resume esses conceitos: “Um Modelo de Negócio para o Jornalismo Digital: como os jornais devem abraçar a tecnologia, as redes sociais e os serviços de valor adicionado”. A obra é resultado da temporada passada entre agosto e dezembro de 2013 na Columbia University Graduate School of Journalism, em Nova York. Costa viajou com uma bolsa de pós-doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Para começar, diz Costa, não basta adaptar o negócio existente à internet. “É preciso partir do zero porque a cadeia de valor é outra”, afirma o jornalista ao Valor. A distribuição é um ponto nevrálgico. Os jornais aprenderam a gerir um modelo de distribuição que controlavam totalmente, com acesso a detalhes como que banca vende mais exemplares, que reportagem atrai mais público em cada região e como redistribuir as remessas ao sabor do conteúdo apresentado.

Modelo original

Na internet, o jogo é outro, diz Costa. A maior parte da economia digital (60%) fica nas mãos das operadoras de telecomunicações, seguidas pelas companhias de tecnologia (como Google e Facebook), com 22%, e pelos fabricantes de eletrônicos (PCs, tablets, celulares etc.), com 14%. A mídia aparece em último lugar, com 7%.

A questão da publicidade não é menos relevante. Muitos jornais começaram a oferecer seu conteúdo gratuitamente, na expectativa de que a audiência de seus sites atraísse publicidade e suprisse as perdas no meio tradicional. Não foi o que aconteceu. O caso do The New York Times é exemplar. Entre 2000 e 2012, a receita da empresa caiu de US$ 3,5 bilhões para US$ 1,9 bilhão, e a margem de lucro diminuiu de 11% para 7%.

Costa – um veterano que já viveu o dia a dia das redações, dirigiu empresas como UOL e iG e tem carreira como professor de jornalismo – sugere recriar os pontos centrais do negócio. Um fundamento é aprender a usar a superdistribuição, o fluxo de público que os jornais recebem quando alguém envia a um amigo, via rede social, o link para um artigo.

Fechar totalmente o conteúdo impediria esse usuário de ver o que foi sugerido (e, eventualmente, tornar-se um leitor frequente). É por isso que ele sugere o chamado “paywall” poroso. O sistema restringe o acesso gratuito a um certo número de reportagens e permite abrir ou fechar mais o conteúdo, de acordo com a demanda.

Os jornais também precisam unir-se em redes de publicidade para ganhar poder de negociação frente a empresas como Google e Facebook, e passar a monitorar as redes sociais, para saber não só do que está se falando, mas o que o público fala dos próprios jornais.

Nada disso estará completo, porém, se as empresas não souberem criar negócios potencialmente lucrativos, que apresentem uma proposta de valor clara aos clientes. Nessa equação, tecnologia tem de ser vista como investimento, não gasto. Um exemplo bem-sucedido é o UOL, diz Costa. A companhia começou com enfoque em conteúdo e receita baseada em acesso à internet. Não abandonou essa matriz, mas incluiu serviços de rápido crescimento, como infraestrutura de tecnologia para empresas.

A lição vem de setores como música e telefonia, nos quais empresas tradicionais criaram negócios capazes de eliminar seu modelo original, para não ser ultrapassadas por rivais mais jovens. Por mais duro que pareça, diz Costa, é melhor que o filho “mate” a mãe do que um estranho o faça.

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João Luiz Rosa, do Valor Econômico