Debate sobre jornalismo. Na plateia, centenas de olhos sem rugas se perguntam: do que esses caras estão falando?
O tema é reportagem e crítica de cultura, mais especificamente música. Na mesa, alguns amigos. São jornalistas, digamos, “do papel” (embora muito ativos, e com destaque, no mundo on-line).
Eles ressaltam que na expressão “jornalismo cultural” existe a palavra jornalismo, e que essa palavra carrega algumas premissas, como distanciamento, espírito critico, a necessidade de ler muito para aprender a escrever, a obrigação de escutar bastante música para conseguir avaliar etc.
Pode parecer óbvio, mas para a tropa presente foi uma revelação, cada jornalista tiozinho um novo Fernão de Magalhães provando às massas que a Terra é redonda.
Definidas as posições, uma barreira de gelo ergueu-se entre público e debatedores, ou pelo menos parte destes. Imagine perguntar as horas para uma pessoa que nem sabe que existe relógio. Tente falar de aritmética com alguém que ainda não aprendeu os algarismos. É pior do que discordar, ser superior ou inferior, saber menos ou mais. É não ter uma base comum para discussão.
Fim do debate, a sessão foi aberta para perguntas. Um sujeito tomou a palavra, falou sem parar, não deu vez a mais ninguém. Acabaram o tempo e a possibilidade de diálogo.
Nos últimos segundos, já todo mundo se levantando, um jovem gaiato da plateia ainda fulminou os participantes: “Não foi o que eu esperava, mas pelo menos valeu pelo saudosismo”.
Conteúdo patrocinado
Fui convidado, não pude ir, tomo por base depoimentos de quem estava lá. Peço desculpas por eventuais imprecisões, mas garanto que o espírito foi esse. Jornalistas “das antigas” falando para um pessoal que acha que não é nada disso, que estamos todos juntos nessa: jornalistas, músicos, “críticos”, blogueiros, executivos da área cultural, campeões do Facebook, reis do Instagram. Que o negócio é se unir, uma mão lava a outra, caminhar juntos para “construir a cena”.
Afinal, para que jornalista perder tempo ao falar de coisas de que não gosta, ser crítico em relação ao que está em evidência? Que mal há em exercer o jornalismo e, ao mesmo tempo, fazer curadorias no Sesc, falar bem dos amigos no blog e no “Face”, tocar o site de um evento corporativo (ou o próprio evento corporativo), escrever catálogos, dirigir uma compilação para uma gravadora, bajular um político que o premiou com um edital, assinar material de divulgação (os chamados “press-releases”) para governos, editoras, o que pintar?
E já que tudo isso está liberado, por que não, entre uma tuitada e outra sobre o estado das coisas, sobre o Brasil e o mundo, encaixar uma propagandinha, um “tuíte” favorável a alguma grande empresa, ainda que seja uma daquelas com lugar cativo nos “top ten” de reclamações do Procon?
Não tem problema. Basta acrescentar no final do jabá a notação #ad. Claro que todo mundo sabe que “ad” é abreviação de “advertisement”, e que “advertisement” é palavra inglesa que significa “anúncio”. E que todos os leitores vão entender que existe uma separação precisa, um muro de Berlim entre o conteúdo que realmente expressa o pensamento do autor e os elogios que ele esta sendo pago para escrever.
(Informo que os três parágrafos acima foram irônicos.)
Em redes sociais, não são poucas as figuras que vejo se descreverem como “jornalista e publicitário”. E não só picaretas, gente talentosa também. Isso dá uma boa ideia da desdita reinante, no debate sobre jornalismo que iniciou esta coluna, entre a audiência, afeita a essa liberalidade digital, e alguns dos convidados, ainda seguidores de um certo balizamento “analógico”.
Em meio a tanta confusão entre jornalismo e propaganda, uma boa notícia vem do “New York Times”. O site do jornal finalmente aderiu ao polêmico conteúdo patrocinado (“branded content”), ou seja, anúncios concebidos para parecer reportagens normais.
Claro, melhor que não tivesse entrado nessa. Mas conseguiu, pelo menos nos textos que vi, fazer com tanta transparência, deixando tão claro que aquele conteúdo foi produzido pelo anunciante, que talvez tenha matado a premissa. Ponto para o jornalismo, só não sei se os anunciantes gostaram.
P.S. Voltando ao assunto música, recebi uma dica de vídeo esta semana que, se me perguntarem “o que é música”, respondo com o link: youtu.be/WubFQrd-meo. E isso não é um #ad. É só opinião, de graça.
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Álvaro Pereira Júnior é colunista da Folha de S.Paulo