Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Que futuro espera o ‘Libération’?

Os intelectuais franceses sabem que o fim de Libération significará o fim de uma era. Por isso, cineastas, atores e intelectuais de diversas áreas (filósofos, psicanalistas e sociólogos), que pensam que o jornal é indispensável, têm escrito artigos nas duas páginas diárias em que Libé discute seu futuro sob a rubrica “Somos um jornal”. Nenhum deles ousa imaginar a França sem Libé. René Major, Elisabeth Roudinesco, Julia Kisteva, Bernard Stiegler, entre outros, escreveram sobre a ligação histórica com o jornal e a importância dele para a liberdade da imprensa e para o debate político e cultural.

Não existe hoje online nenhum site, blog ou pure player (mídia não ligada a outra existente fora da internet) que projete um olhar político sobre os acontecimentos em geral como o fez Libération nos primórdios. Quem diz é o jornalista Xavier de la Porte, especialista das “culturas digitais”. Ele foi um dos cinco jornalistas ou especialistas (havia um historiador das ideias) reunidos pela edição de sexta-feira (28/2) do Le Monde para debater em duas páginas inteiras o que o título geral resumia: “Que futuro para Libération?”

O declínio das vendas, que indica um risco de falência, tem que ser encarado com ousadia. Mas a proposta de transformar a atual sede em espécie de centro cultural multimídia, “um Café de Flore do século 21”, irritou a maioria dos jornalistas do diário, que fizeram greve de um dia para demonstrar a desaprovação total. Por isso, o Le Monde, não quis se contentar em acompanhar no noticiário os tormentos do jornal e resolveu discutir o futuro do tabloide em artigos assinados. Um deles era do ex-jornalista de Libé Jean Guisnel, autor do livro Libération, la biographie (La Découverte, 2012). Dos cinco artigos publicados, apenas um apoia a ideia dos acionistas de Libé de transformar o jornal no que o historiador das ideias François Cusset vê como uma espécie de “parque temático urbano, meio mausoléu, meio vaca leiteira”.

 

 

Capital simbólico

Guisnel lembrou que o jornal, criado por egressos do grupo maoísta Gauche Prolétarienne (GP), teve Jean-Paul Sartre como primeiro diretor e, ao ser criado, tinha salários uniformes e nenhuma publicidade, por princípio. Ele informa que no capital inicial, conseguido por subscrição entre simpatizantes de esquerda, entrou a soma equivalente a atuais 210 mil euros doada por brasileiros. O dinheiro fora obtido em troca da libertação de uma personalidade sequestrada. E não dá mais detalhes.

A hierarquia das remunerações, como a publicidade, só foi instaurada em 1981, sob a direção de Serge July, mas o salário mais elevado era apenas o dobro do mais baixo. Uma utopia que aos poucos foi desaparecendo. No fim de seu artigo, Guisnel afirma que o Libération de hoje não tem mais nada a ver com o jornal no qual trabalhou, de 1972 a 1990. Fundado em 1973, o jornal funcionou no ano anterior como uma agência de notícias chamada Agence de Presse Libération (APL).

François Cusset acredita que Libération tem atualmente um impacto socioeconômico próximo de zero, mas “um capital simbólico intacto, capaz de captar a verdade de sua época”. Por isso, ele é incontornável e não tem nenhum concorrente digital, senão semelhanças aqui e lá disseminadas em diversos sites, blogs ou pure player.

Dizer e fazer

Radical, o crítico da mídia Daniel Schneidermann, que assina semanalmente a coluna “Médiatiques” no próprio Libération, perguntou num texto recente se os dois principais acionistas de Libé leem o jornal que financiam ou se contentam em ser os guardiães de um “museu do esquerdismo".

A solução para a crise do Libé seria, segundo Schneidermann, a criação de uma redação radicalmente independente, “o que significa dizer bye bye a Rothschild e a Ledoux, os dois principais acionistas, e ao Estado”, que por meio de subvenções financia todos os órgãos de imprensa na França. O Libé poderia criar uma sociedade de jornalistas com a participação de seus leitores, que financiariam a nova empresa com uma quantia em torno de 500 euros cada.

“Eis a próxima história que Libé pode contar a seus leitores”, diz Schneidermann. E conclui: “Mais simples dizer do que fazer? Mas qual a outra solução?”

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Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paris